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A ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) cobrando R$ 37,7 milhões do grupo Guararapes Confecções S.A. por descumprimento da legislação trabalhista em relação aos empregados de facções de costura em 12 municípios do Rio Grande do Norte é apenas uma das mais de 2.300 ações que a empresa responde na Justiça. O número, no entanto, pode ser bem maior. É que o sistema de Processos Judiciais Eletrônicos do portal do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 21ª Região, onde parte dos dados estão disponibilizados, só concentra as ações digitalizadas a partir de 2013. Nem todos os processos estão concluídos.
Das 2.145 ações contra o grupo Guararapes Confecções S.A. no TRT, a empresa aparece como litisconsorte no polo passivo em 270, ou seja, nesses casos ela divide a responsabilidade com outra empresa. Já o Tribunal Superior do Trabalho concentra 162 ações. Os trabalhadores cobram na Justiça vários direitos descumpridos pelo grupo que vão desde más condições de trabalho, adoecimento e carga horária excessiva à queixas quanto à remuneração.
Vários desses processos surgiram a partir das denúncias realizadas pelos empregados das facções que motivaram a última ação do MPT, cobrando parcelas rescisórias que não foram pagas e, inclusive, alegando a responsabilidade da Guararapes pelo pagamento dessas verbas. A condenação de maior repercussão, no entanto, ocorreu em 2016, quando a Justiça determinou ao grupo Guararapes o pagamento de pensão vitalícia a uma de suas ex-funcionárias. Pressionada a produzir cerca de mil peças de bainha por jornada, tinha como meta colocar elástico em 500 calças ou costurar 300 bolsos. A vítima desenvolveu Síndrome do Túnel do Carpo, uma doença que provoca dores e inchaços nos braços.
Tanto no TRT como no TST os trabalhadores podem entrar na Justiça para requerer um direito negado pela empresa de forma individual, coletivamente ou amparados pelo sindicato da categoria.
O grupo Guararapes declarou guerra ao MPT em razão da mais recente ação civil pública. O empresário Flávio Rocha, porta-voz da empresa, culpou pessoalmente a procuradora do Trabalho Ileana Neiva pela perda de empregos que, segundo ele, a ação civil pode gerar no Rio Grande do Norte e, como já fez em outras oportunidades, ameaçou levar os investimentos do grupo para outros estados, como o vizinho Ceará, onde a Guararapes já possui projetos.
No sábado (16), o ex-presidente do Tribunal de Justiça do RN Cláudio Santos, cotado como um dos pré-candidatos ao Governo do Estado em 2018, convocou uma manifestação no município de São José do Seridó que contou com a participação de políticos do interior, da capital, além do governador Robinson Faria. Uniu-se a eles, uma claque de trabalhadores para engrossar o protesto contra o MPT.
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Guararapes responde a mais de 2,3 mil ações trabalhistas na justiça (Foto: Vlademir Alexandre)[/caption]
Inspeção
O processo que deu origem à ação civil pública se baseia no trabalho de inspeção realizado por um grupo de procuradores em 43 facções instaladas em 12 municípios do Estado. Do total de empresas vistoriadas, 29 prestavam serviço exclusivamente para o grupo Guararapes, por meio do pró-Sertão, programa de incentivo ao empreendedorismo idealizado pela Guararapes Confecções S.A. e criado pelo Governo do Estado em 2013 para atender o plano de crescimento das lojas Riachuelo no país. As 14 facções vistoriadas restantes prestam serviço tanto para a Guararapes como para a Hering SA.
Durante as visitas de inspeção, os técnicos do MPT constataram que o grupo Guararapes subcontrata as facções e mantém sob seu controle a produção, a administração e a economia dessas pequenas empresas. Segundo a ação civil pública, os inspetores encontraram empregados das facções recebendo remuneração menor e com menos direitos trabalhistas que os funcionários contratados diretamente pela Guararapes.
- Na inspeção, foram ouvidos trabalhadores e faccionistas, que relataram as dificuldades financeiras pelas quais vêm passando para pagar salários, 13º e férias, pois o preço da costura das peças, fixado pela Guararapes (atualmente R$ 0,35 o minuto), não é suficiente para cobrir os custos operacionais.
Outro indício de que as facções são extensões precarizadas da Guararapes é que funcionam em pequenos parques industriais montados sob estímulo do grupo com maquinários específicos e voltados para a produção do tipo de roupa confeccionada e enviada pela Empresa.
- Não há, nos contratos firmados, nenhuma garantia de demanda mínima de serviço, de modo que essas empresas funcionam em estado de profunda dependência econômica da contratante, sob seu estrito controle operacional, com reduzidíssima margem de lucro projetada, destituídas de qualquer lastro financeiro para negociar melhores condições de trabalho e para investimento em saúde e segurança do trabalhador. A Ré controla o emprego e desemprego de mão de obra na empresa contratada, na medida em que define unilateralmente a demanda de serviço destinada a cada empresa de facção, determinando o destino e a sorte dessas pequenas unidades fabris, economicamente dependentes da tomadora.
Os procuradores chegaram à conclusão de que as empresas de facção, na verdade, funcionam como verdadeiros departamentos produtivos da empresa contratante, inteiramente integrados à sua dinâmica empresarial, apenas com personalidade jurídica própria e vinculados contratualmente para disfarçar a real subordinação operacional, produtiva e econômica à Guararapes. Para o MPT, a empresa acusada tenta driblar a legislação para reduzir custos.
- Ao remeter às facções a estrutura empresarial destinada à costura de roupas, mantendo, no entanto, sobre elas rígido controle administrativo e operacional, a Guararapes simula o mecanismo de externalização de serviços para reduzir o custo de produção, isentar-se do risco da atividade econômica e evadir-se de obrigações fiscais e trabalhistas. Com isso, deixa de admitir diretamente os empregados e de arcar com seus direitos trabalhistas e se omite do dever legal de garantir a adequação do meio ambiente de trabalho em que se desenvolve a atividade central de seu objeto social, em profundo prejuízo ao cumprimento dos direitos fundamentais dos trabalhadores (Constituição, art. 7º).
Procuradores do MPT afirmam que Pró-Sertão não gerou novos postos de trabalho (Foto: Vlademir Alexandre).[/caption]
Os procuradores também explicam na nota que muitas facções já foram forçadas a encerrar suas atividades e seus proprietários se encontram endividados porque foram obrigados a financiar as máquinas e equipamentos de costura, adquiridas de acordo com as especificações técnicas fornecidas pela Guararapes, para a costura de jeans.
O que também motivou a ira do empresário Flávio Rocha, ao ponto de atacar pessoalmente a procuradora responsável pela ação, foi o valor da indenização por dano moral determinada pelo Ministério Público. O montante, explica a nota, é referente a 10% do lucro líquido do grupo Guararapes de 2016.
- O pedido de indenização por danos morais coletivos, no valor de R$ 37.723.000,00 (trinta e sete milhões setecentos e vinte e três mil reais), corresponde a parte do lucro obtido com o trabalho das facções. O lucro líquido consolidado da Guararapes/Riachuelo, em 2016, foi de R$ 317.600.000,00 (trezentos e dezessete milhões e seiscentos mil reais). Em caso de condenação, o valor deverá ser destinado a instituições sem fins lucrativos.

Pró-sertão não gerou emprego, segundo MPT
Diante da repercussão na imprensa capitaneada pelo empresário Flávio Rocha, o MPT divulgou uma nota explicando as razões pelas quais decidiu ajuizar a ação civil pública. No comunicado, os procuradores atacam uma das principais bandeiras do grupo Guararapes em relação ao programa Pró-sertão: a geração de emprego. A partir das inspeções nas facções e do cruzamento de dados com o quadro de pessoal da Guararapes foi constatado que o programa criado para beneficiar as lojas Riachuelo não gerou novos postos de trabalho no Estado. - A própria Guararapes informou que transferiu 17% da sua produção, no Município de Extremoz, para as facções do Pró Sertão. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) do Ministério do Trabalho demonstra que não houve criação de novos empregos, pois em dezembro de 2013 (ano de criação do Programa Pró Sertão) a Guararapes contratava 10.034 empregados, e em abril de 2017, o seu quadro de pessoal era de 7.539 empregados. A conclusão é que a Guararapes não gerou novos empregos no RN, mas transferiu empregos diretos da sua fábrica para as facções, transferindo para essas microempresas todo o risco da atividade econômica. [caption id="attachment_944" align="aligncenter" width="800"]