O tribunal nosso de cada dia
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7 de outubro de 2017
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Foi com um corpo atirado ao chão que começamos a semana. O suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), na manhã de segunda-feira (02), provocou um grande debate na internet.

Preso pela Polícia Federal semanas antes de se jogar do alto de um shopping de Florianópolis, Cancellier não segurou o peso da execração pública após sua prisão e afastamento do cargo de reitor. Sucumbiu à desesperança de ver sua reputação refeita, após uma série de atos que considerou humilhantes e injustos.

Formalmente, havia sido acusado de obstruir uma investigação sobre desvio de recursos destinados a ações de Educação à Distância da universidade. Os supostos desvios teriam ocorrido antes de sua gestão, iniciada em 2016. Seu crime, segundo a PF, teria sido o de pressionar a corregedoria da instituição a “segurar a onda”, o que sua defesa negou veementemente.

Mas a notícia sobre sua prisão e transporte para um presídio estadual da capital catarinense assumiu a face dos grandes escândalos nacionais. A partir daquele momento, o reitor não respondia por uma obstrução, mas era peça de um “grande esquema criminoso”. E foi assim que grande parte dos veículos de comunicação tratou de noticiar o caso. Sem questionamento da versão oficial, nem o aprofundamento tão vital ao jornalismo investigativo, jornais, rádios, TVs, portais e blogueiros apertaram o automático e reverberaram o discurso oferecido pela polícia.

Em liberdade, mas proibido de ir ao lugar onde passou grande parte de sua vida – a universidade – Cancellier, professor respeitado no meio acadêmico, ficou deprimido e, mais tarde, provou que sua vida acabara naquele 14 de setembro. “Minha morte foi decretada no dia da minha prisão”, escreveu num bilhete achado em seu bolso.

O caso Cancellier reaviva a discussão sobre os limites e responsabilidades da imprensa, em meio a um estado policialesco, onde o tempo entre a inocência e a culpa não supera as 24h. Versões iniciais de um caso passam a ser tratadas como definitivas, sem cuidado com a dignidade humana e a presunção de inocência. O jornalismo declaratório mata a essência da busca pela verdade. Preguiçoso, prefere dar vazão a versões prontas e cômodas, a apurar e se aprofundar nos fatos, para confirmá-los ou revelá-los distintos da versão oficial.

Nas redes sociais, o jornalismo declaratório vira munição, num tribunal repleto de juízes com suas sentenças prontas para serem executadas. Nesta desordem, vidas são desfeitas, destruídas e aniquiladas. E nossas mãos ficam, cada dia, mais sujas de sangue.

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