Ameaça ao aborto legal mobiliza mulheres contra a PEC 181 em todo o país
Natal, RN 28 de mar 2024

Ameaça ao aborto legal mobiliza mulheres contra a PEC 181 em todo o país

16 de novembro de 2017
Ameaça ao aborto legal mobiliza mulheres contra a PEC 181 em todo o país

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A imagem de 18 homens brancos, quase todos evangélicos ou católicos, comemorando a votação da PEC 181/15 numa comissão especial da Câmara dos Deputados há duas semanas reacendeu em uma parcela da sociedade a discussão sobre o aborto. Uma agenda nacional de mobilizações foi criada pelos movimentos feministas para pressionar o Congresso Nacional a frear mais um ataque aos direitos sociais das mulheres. Em Natal, o Ato público batizado de Todas conta a PEC 181: é pela vida das mulheres acontece nesta sexta-feira (17), a partir das 15h. A concentração é na subida do viaduto do Baldo, no Centro. Há um evento criado no facebook que já conta com mais de mil pessoas, entre interessadas e que já confirmaram presença. Outras capitais, a exemplo do Rio de Janeiro, Belo Horizonte e de São Paulo, já realizaram manifestações semelhantes.

Caso o texto da proposta seja aprovado em plenário, até os casos de aborto permitidos pela legislação desde a década da 1940 serão proibidos. Hoje, a Constituição Federal autoriza o aborto em três circunstâncias: gravidez originada de estupro, anencefalia do feto e em casos de gravidez que represente risco de morte à mulher. Em 2016, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal também permitiu o aborto nos primeiros três meses de gestação, independente da motivação da mulher.

A PEC 181 é um retrocesso sem precedentes na luta das mulheres em defesa da autonomia do próprio corpo. O próprio presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia (DEM) afirmou que a proposta de aborto em caso de estupro não passaria na Casa. O ministro do STF Luís Roberto Barroso foi além e declarou que a mulher não é um útero a serviço da sociedade. Para ele, o direito ao aborto está relacionado à autonomia da mulher e à igualdade de gênero, além de ser um direito fundamental ou natural, de liberdade de escolha.

- Ter ou não ter um filho se situa dentro dessa esfera de escolhas existenciais que uma mulher tem que ter o direito de escolher. Uma mulher não é um útero a serviço da sociedade, que deve deixar uma gravidez crescer contra a sua vontade. Porque isso seria a sua funcionalização, seria você violar a autonomia, transformar essa mulher em um meio para a realização de fins que não são os dela, caso ela não esteja desejando ter o filho.

Em Natal, a manifestação está sendo organizada de forma horizontal por mulheres de vários coletivos, entidades e movimentos feministas. Membro do Coletivo Leila Diniz, a arquiteta Cláudia Gazola explica que a luta do movimento feminista é pela autodeterminação reprodutiva das mulheres, e não apenas para manter as permissões já concedidas nos casos legais de aborto.

- Esse tipo de coisa quebra um pouco o rimo da luta porque abre um precedente pra uma coisa muito mais grave. O ato é parte de uma agenda de ações na tentativa de barrar todos os retrocessos da bancada religiosa contra as mulheres. Ir às ruas é mais uma estratégia das mulheres para dar visibilidade a essa luta e conquistar mais parcelas da sociedade para a causa. Precisamos traduzir para a população o que é essa PEC e o retrocesso que ela representa. E o que é mais grave: se a PEC 181 for aprovada, o Congresso vai legitimar a cultura do estupro. É como dizer: ‘olha, você pode ser estuprada, mas o Estado vai te acolher’. É um gravíssimo precedente.

Cavalo de troia

A PEC 181/15 está sendo chamada de PEC Cavalo de Troia porque foi criada para ampliar um benefício e, após interferência direta da bancada religiosa, passou a atacar direitos conquistados pelas mulheres há mais de 70 anos. De autoria do senador Aécio Neves (PSDB), a proposta inicial era ampliar para até 240 dias a licença-maternidade nos casos de bebês prematuros. No entanto, o texto original foi modificado em dezembro. Relator da PEC, o deputado Tadeu Mudalen (DEM/SP) incluiu a palavra “concepção” no texto, definindo que a vida começa ainda no ventre da mãe, principal argumento usado por quem não concorda com o aborto como um direito da mulher.

Militante dos coletivos Leila Diniz e As Carolinas, Lygiane Tavares ataca a alteração feita sob pressão da bancada fundamentalista da Câmara Federal.

- A proposta foi completamente desvirtuada pela bancada fundamentalista e machista, assumindo objetivo idêntico ao da PEC 29/2015: retroceder na legislação que, desde 1940, garante às mulheres que sofreram violência sexual ou que tem sua vida ameaçada pela gestação, o direito de interromper a gravidez e não ser criminalizadas por isso. Abrir mão desse direito é um retrocesso de 80 anos em relação aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres brasileiras. Nossos direitos trabalhistas já estão em jogo e, da mesma forma, não vamos nos calar diante da relativização do estupro e criminalização o aborto. Estamos em 2017, as mulheres não admitem que a sua função reprodutiva, mais uma vez, seja colocada acima do seu direito à dignidade, saúde e autonomia reprodutiva.

O deputado potiguar e o aborto

Na votação da comissão Especial da Câmara dos Deputados instalada para avaliar a PEC 181/15, um dos 18 votos favoráveis à aprovação da proposta foi do deputado federal pelo Rio Grande do Norte Antônio Jácome (Podemos). Ex-pastor da Assembleia de Deus, Jácome foi afastado em 2011 das funções de pastor em razão de um suposto caso de adultério e por sugerir a uma mulher que fizesse um aborto.  A decisão do afastamento como punição foi tomada por unanimidade pelos membros de uma comissão integrada pelos pastores Elinaldo Renovato de Lima, Martim Alves e Edson Neto, e pelos evangelistas Marcos Mendes e Diógenes Lopes. O caso foi amplamente divulgado pela imprensa local na época.

A agência Saiba Mais procurou a assessoria de comunicação do deputado no dia da votação na Câmara Federal para saber o motivo do parlamentar potiguar ter votado pela aprovação do texto. A resposta foi suscinta.

- Votamos sim com relação a alteração da licença maternidade para mães de bebês prematuros.

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