A cidade do sol bem que podia ser mais sombreada
Natal, RN 20 de abr 2024

A cidade do sol bem que podia ser mais sombreada

14 de dezembro de 2017
A cidade do sol bem que podia ser mais sombreada

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Caminhar pelas ruas de Natal é algo sacrificante. Natal é uma cidade feita para carros, talvez nem mais pra carros também, visto a situação de precariedade das ruas da capital até mesmo em avenidas consideradas principais. No máximo pra quem tem carro com tração nas quatro rodas que passa por cima de buraco e tudo, de modo que, se ser motorista em Natal já é um horror, caminhar pelas ruas da cidade é uma experiência, sem dúvida, bem pior.

Além das calçadas serem absolutamente assimétricas, desniveladas (um risco a todos porém muito especialmente às pessoas com dificuldades de locomoção temporária ou permanente) elas não oferecem ao pedestre o prazer do paisagismo (os canteiros públicos estão de dar dó, alguns já são verdadeiros lixeiros; outros, no mínimo, pequenos matagais). Nem sequer, ao menos, o conforto de um caminho pela sombra. Raras são as calçadas que podemos caminhar integralmente na sombra. Das capitais brasileiras que tive a oportunidade de visitar, Natal figura, no grupo das menos arborizadas, apesar da existência dos nossos parques, as vias públicas em geral são absolutamente nuas de arvores, a paisagem é salpicada aqui e acolá por umas resistentes árvores que algumas resistentes pessoas insistem em alimentar e proteger minimamente.

Salvo em alguns trechos como a Hermes da Fonseca, o Tirol como um todo, passando por Lagoa Nova e o Campus Universitário que já foi muito menos arborizado e melhorou muito essa condição nos últimos dez anos como resultado do saudoso Projeto de Extensão do pessoal das biológicas “Nativas no campus”, que reflorestou amplos setores da UFRN com espécies nativas (tive oportunidade de participar voluntariamente de alguns plantios visto o projeto ter coincidido com minha passagem pela UFRN como estudante de graduação e mestrado), podemos dizer que Natal é uma cidade carente de arborização, o que é algo no mínimo curioso, visto que donde quer que cheguemos, as pessoas estão todas buscando uma sombrinha, pra colocar o carro, pra esperar um ônibus ou táxi. Canso de ver situações, às vezes cômicas de pessoas se baixando em baixo de arvores menores que elas, sentando-se no chão, pra aproveitar um parca sombra que uma pequena e brava arvore lhe podia fornecer. Por outro lado constato, chocada, em meu cotidiano, ver pessoas que cortam as arvores que tem em suas calçadas porque elas “sujam muito”. Aí depois não sabem porque cada ano é mais quente que o outro, depois ficam correndo atrás de uma sombrinha, volto a dizer, nem que seja pra parar o carro.

O problema não se resume à capital, pelo contrário, agrava-se, até mesmo pelas condições climáticas menos chuvosas, interior adentro. Nas minhas andanças como palestrante das temáticas de drogas e gênero em Universidades e Ifs do interior do RN e mesmo de estados próximos como Paraíba, Ceara e Pernambuco, tenho visto, com preocupação a desertificação e, na tentativa de contê-la mas ao que tudo indica agravando-a, a proliferação da espécie invasora Azadirachta indica A. Juss. Popularmente conhecido como Neem indiano.

Na semana do aniversário de dois anos do acordo climático de Paris – aquele que Donald Trump retirou os E.U.A, gostaria de trazer luz á questão ambiental que é uma das pautas que mais me interessa no mundo contemporâneo, infelizmente devido as demandas mais urgentes do ativismo cannabico, LGBT, pró esquerda e contra o Golpe, da profissão da docência, de cultivar uma vida pessoal repleta de amigos, 16 gatos e mais de 200 espécies de plantas, não me vejo atualmente em condições de um engajamento efetivo na pauta ambiental, o que não me impede de estar atenta ao problema e contribuir, pontualmente nessa coluna que seja, para esse tão necessário debate, afinal, esses tempos sombrios e temerosos em que vivemos podem nos produzir a impressão de que as pautas ambientais são secundarias, e não são. Nesse exato momento, nossos primatas estão sendo dizimados por uma grave epidemia de febre amarela e o Neem indiano segue contaminando e comprometendo biomas e nós precisamos nos preocupar com isso e falar disso, apesar do Golpe, apesar da reforma trabalhista, da previdência, e tudo mais. Essas pautas são deveras importantes, mas não podem nos fazer esquecer essas outras demandas.

Por onde passo, por todo o Nordeste, tenho visto o Neem indiano se espalhando e o que deveria ser algo bom, uma contribuição para a arborização das cidades, vem se tornando uma praga com potencial de graves consequências ambientais especialmente no bioma caatinga, talvez já descaracterizado em definitivo. Mas afinal, qual o problema dessa arvore? Biólogos, ecólogos, engenheiros agrônomos, agricultores que tenho ouvido e lido (muito obrigada aos meus caros Joao e Karenina pelas dicas de leitura) tem afirmado que ela, pelo seu rápido crescimento, tem estabelecido uma “concorrência desleal” com as espécies nativas, isso pode ser constatado por você meu leitor, ao comparar a condição do Neem com a de qualquer outra arvore ou planta que esteja ao seu lado me arrisco a dizer quase que com certeza que o Neem estará belo e frondoso ao passo que a nativa, como o Pau Brasil por exemplo, estará mirrada, amarelada, ameaçada.

E os problemas causados pelo Neem não se resumem a esses. Agricultores do semi-arido cearense tem relatado ate mesmo contaminação da água causada pelo Neem. Conhecido pelas suas propriedades toxicológicas repelentes, segundo esses relatos ele poderia estar contaminando a água, o que se for confirmado por mais pesquisas no longo prazo seria um verdadeiro apocalipse sertanejo. Segundo relato de agricultores dos municípios de Tauá e Parambu no Ceará, divulgados no periódico eletrônico Diário do Nordeste, todas as árvores frutíferas do entorno dos Neems morreram e a água do córrego agora margeado pelos Neems estaria igualmente toxica a ponto de promover a morte das hortaliças por ela regadas.

Especialistas ouvidos no mesmo periódico como o Botânico e Engenheiro Agrônomo Antonio Sergio Farias afirma que o Neem “Não é adequado para arborização e jamais para o reflorestamento que tem que ser feito com plantas nativas”. Acrescenta ainda a bióloga e professora da Universidade estadual do Ceará Eveline Lanzilotti “O neem está em quantidade excessiva na caatinga, invadem o bioma e competem com as nossas espécies e ganham. Propagam-se rápido e tem fácil poder de adaptação. Já podemos afirmar que o bioma caatinga está descaracterizado”.

De acordo com os estudos do Centro de Referência em Áreas Degradadas da Caatinga, da Universidade Federal do Vale do São Francisco, um dos principais problemas causados pelo Neem é o efeito de seu principal princípio ativo: a Azadiractina. É uma substância comprovadamente inseticida. Possui ainda efeitos sobre a reprodução de insetos nativos, inibindo sua a reprodução. Particularmente, as abelhas nativas, que são de extrema importância na polinização das flores da Caatinga. A abelha mandaçaia está sendo dizimada no momento que visita as flores do Neem e são contaminadas pelo seu pólen tóxico. É importante lembrar que a mandaçaia e várias outras abelhas nativas da Caatinga são responsáveis também pela polinização de várias culturas agrícolas praticadas no Vale do São Francisco que já sofrem com o uso abusivo de agrotóxicos. Em consequência da polinização comprometida há uma sensível diminuição na produção de frutos que são comercializados pelos agricultores.

Pelo que podemos contatar são amplas e graves as consequências desse desejo de reflorestar uma região que foi impiedosamente devastada gerações antes ignorando estudos que demonstrem o impacto ambiental de tais ações e os mais leigos na questão podem perguntar, se essa arvore é tão tóxica, por que ela não dizimou tudo no ambiente original dela, a Índia? Porque lá, os milhões de anos de coevolução entre o Neem e as demais espécies lhes deram mecanismos de defesa e adaptação ao Neem, desconhecidos por nossa fauna e flora. Todos nós podemos, devemos, reflorestar nossas cidades, os nichos donde vivemos, mas é salutar antes disso fazermos uma breve pesquisa sobre as espécies a serem plantadas, são nativas ou exóticas? Se invasoras, qual seu potencial impacto negativo? É importante até pensar questões práticas, como o tipo de raiz: será que vai comprometer calçadas, muros, tubulações, no longo prazo? Para que o desejo de arborizar não se transforme numa dor de cabeça com a estrutura da casa em alguns anos.

Desejo, sonho muito, viver numa Natal mais arborizada, mais sombreada, como um todo, não só nos setores higienizados da cidade. Para isso é necessário que sociedade e poder publico se mobilizem mutuamente, e passem a praticar um paradigma ambiental que pratique a diversidade ecológica, tanto quando a diversidade social, para fazer emergir uma cidade em harmonia com sua natureza, seus cidadãos, estimulados a praticar a vida social numa cidade arborizada, sombreada, ventilada.

Mas que entenda que para arborizar não basta plantar o que cresce mais rápido e mais vistoso como o Neem, mas acima de tudo valorizemos, pelo bem ambiental maior de todos nós, nossa fauna e flora locais. Viva o sagui e viva o cajueiro afinal ninguém nunca viu nem verá saguis em Neem pela sua toxidade para a vida animal. Então para construir a cidade que queremos merecemos e sonhamos uma das coisas que precisamos é de legislação municipal e estadual, quiçá mesmo federal, que contenha o avanço de tão danosa espécie invasora. Pois reflorestar, arborizar, é preciso, mas parem o Neem indiano.

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