Catarro acorda diariamente sob o teto de uma casa abandonada na antiga praça da Alegria. Assim como a praça mudou de nome com o tempo, e hoje homenageia o milagreiro padre João Maria, Catarro também teve outros nomes, outras vidas e outros endereços.
Há 11 anos, Edvaldo Correia da Silva mora na rua. De Recife, subiu para a Cidade Alta, centro nervoso de Natal (RN). Hoje, perambula de domingo a domingo entre postes mal iluminados, estabelecimentos comerciais e pedras fora do lugar comum. Sob a autoproteção de si mesmo:
– Meu Deus é isso aqui, é o que eu estou sentindo agora. Gosto de ficar isolado.
Catarro já foi Edvaldo e Edvaldo ficou para trás. Andarilho urbano, é um outsider raiz para político vigarista nenhum botar defeito.
Aos olhos da sociedade, passa invisível.
Ainda que sem glamour, um dia na vida de Catarro dá um filme. Foi o que imaginou o jornalista e diretor de cinema Paulo Dumaresq. A versão editada desta história está no insólito curta-metragem “Catarro”.
A pré-estreia acontece nesta quarta-feira (25), a partir das 19h30, em sessão Avant Premier, no Cinemark, shopping Midway Mall. A exibição é parte da programação da Mostra Oficial do Cine Fest RN.
A repercussão do trailler surpreendeu Dumaresq, que assina direção e roteiro do filme. Foram mais de 4 mil visualizações em três dias.
No filme, o diretor optou por captar as imagens e deixar a narração em off a cargo do próprio personagem principal. É Catarro pensando Catarro, vivendo Catarro e contando a própria história.
– Catarro é uma figura muito querida por todos no underground da Cidade Alta, está sempre por ali vendendo seus livros no meio da rua, por sebos, cafés. É muito querido por artistas, poetas, jornalistas, pelo pessoal que milita no Centro da Cidade, nos eventos, no Bardallos.

A ideia inicial era contar a história de três moradores de rua que dormiam no albergue municipal da Cidade Alta, mas em razão de dificuldade com logística e até com os personagens convidados, Paulo Dumaresq pensou em Catarro.
– Catarro é mais suave, mais ameno, milita no meio cultural da Cidade Alta e resolvi convidá-lo. Ele aceitou e passamos um dia na vida dele. O capturamos dormindo numa casa abandonada na praça João Maria e aguardamos até o recolhimento dele.
Contar a história de um personagem como Catarro é narrar o cotidiano da Cidade Alta. Ruas, becos, travessas e avenidas ganham vida, a exemplo dos anônimos que atravessam o caminho da estrela principal. Estrela, aliás, que a cidade nem reconhece. A prefeitura de natal, por exemplo, nunca fez um cadastro de moradores de rua da capital.
Natural do Rio de Janeiro, o jornalista Paulo Dumaresq veio morar na Cidade Alta com apenas três meses de idade e, desde então, convive com essas estrelas invisíveis, moradores, andarilhos e toda a espécie de gente que passa pelo Centro de Natal.
– Tenho 53 anos e sempre morei na mesma casa. Catarro é apenas uma dessas figuras. Desde a minha infância lembro de personagens incríveis, como Ciço Umbu, Maria Cachacinha… as comadres da minha avó que vinham do interior, velhas cachimbeiras, o mito da viúva Machado. Natal é pródiga em histórias, né ? Aqui na Cidade Alta, por exemplo, uma família inteira foi envenenada.
“Catarro” é o quarto filme dirigido por Paulo Dumaresq. Antes dele vieram “Incontinências”, “Passo da Pátria: Porto de Destinos” e “Athayde”. À exceção do primeiro, os demais têm como pano de fundo espaços e personagens com origem na Cidade Alta.
Dumaresq leva a cabo a máxima de Tolstoi sobre ser universal cantando a própria aldeia.
Catarro é, sem dúvida, uma estrela invisível da aldeia de Paulo Dumaresq. Mas ele destaca que é somente um entre vários Catarros que vivem à esmo:
– Catarro é apenas uma gota no oceano.
Ficha Técnica

“Catarro” é uma produção do coletivo Audiovisual Vaga-lume
Roteiro e direção: Paulo Dumaresq
Direção de fotografia e câmera: Alex Régis e Edmilson Santos
Produção: Du’mar Cinematográfica
Direção de produção: Camilla Natasha
Edição: Suerda Morais
Assistente de Câmera: Anderson Régis
Som direto: Nilson Eloy
Direção musical: Eri Scott
Harmônica e violão: Michael Martins
Trilha sonora: “Farrapos”, de Franklin Mario, na voz de Antoanet Madureira
Confira o trailler de “Catarro”: