“O terceiro me chegou como quem chega do nada”
Natal, RN 25 de abr 2024

"O terceiro me chegou como quem chega do nada"

24 de julho de 2018

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Desde que me separei, há uns quatro anos, ando meio destreinada dessas coisas de paquerar. Na verdade, não sei nem se o nome ainda é esse, tamanha a minha falta de prática e, confesso, de disposição até pra usar recursos virtuais que não acredito substituírem o olho no olho.

Chego a me sentir uma outsider, porque, num mercado cada vez mais tinderizado, me recusei a baixar o aplicativo, e, nesse mesmo mundo, hoje de poucas palavras, padeço de uma imensa dificuldade em aceitar que um simples envio de localização pelo whatsapp possa significar um convite pra sair.

Por isso essa semana foi singular, pra mim. Não olhei meu horóscopo personare, vício que larguei depois de perceber que aquela porra comandava a minha vida, mas certamente ele não previa tudo que aconteceu nos últimos sete maravilhosos e divertidíssimos dias.

Pela primeira vez, em muito tempo, fui paquerada por três caras diferentes, o que me rendeu essa crônica e, em pelo menos uma das histórias, talvez uma real possibilidade de encontro, após um longo e intenso período de seca total.

“O primeiro me chegou, como quem vem do florista” é a melhor forma de começar essa história, só que na verdade foi em pleno posto de gasolina, quando eu estava abastecendo um carro que aluguei em Natal pra ir até a praia de Pipa. Talvez pareça clichê, mas ainda não constava, no meu currículo, essa experiência de receber cantada do frentista.

O ousado rapaz, de músculos sobrepujantes dentro daquele uniforme perfeitamente sujo de graxa, apenas me perguntou “será que a gente podia ser amigo?” – o que, não tivesse eu 40 anos de praia, imaginaria tratar-se de uma simples amizade, apesar daquele convite implícito no olhar pra pegar na mangueira dele.

Mas logo despistei solenemente a travessa intenção por trás daquelas doces palavras, e, ainda surpresa, tive que responder, como num reflexo, que não dava, porque tinha namorado. Mais que depressa, ele sacou a última cartada, e mandou o ultimato: “e não pode ter dois?” – ao que lamentei informar que não, deixando claro de que estava muito agradecida pelo gracejo, que deu aquele up na minha autoestima.

A segunda desconcertante tentativa de flerte veio do meu lado no ônibus de Natal pra Recife, disfarçado de pregador religioso. Um senhor de 82 anos começou a falar sobre espiritismo e descambou, não sei em que parte da viagem, a contar suas aventuras amorosas, de oito casamentos e casos extraconjugais os mais diversos.

Em respeito à idade, e por pura curiosidade em saber as loucuras que se faz aos 82 anos pra provar que ainda dá no coro, tive que ouvir e disfarçar o riso e a vergonha, por ter sido escolhida como confessora das últimas façanhas sacanas do camarada.

Detalhou experiência vivida, aos 80 anos, com uma moça muito mais nova que aceitou o convite feito, em uma viagem, pra passar a noite com ele. E não disfarçou ao dizer que “queria que aquela noite se repetisse”.

Simplesmente fingi que não era comigo que ele queria dar o “repeteco”, e mudei completamente o assunto, visivelmente constrangida diante daquela situação. Ele desceu na primeira parada de Recife, e até agora fico sem acreditar naquela conversa, de tão “amarga de tragar” que foi.

Mas nessa segunda-feira, ao voltar do trabalho, cansada, cabelo assanhado pelo vento, maquiagem desbotada, foi quando “o terceiro me chegou, como quem chega do nada”. Por volta das 20h30, saí do metrô, atravessei a rua pra ir ao supermercado, comprei alguma comida e um vinho.

Na saída, um moço me esperava e, nervoso, explicou que tinha me visto atravessar a rua, estava num carro, estacionou, e foi ao meu encontro porque imaginou que se não conseguisse falar comigo naquela hora, perderia a chance de me conhecer.

Pediu desculpas, caso eu fosse casada, mas insistiu que, se não fosse, queria meu número de telefone. Não foi meu instagram ou meu facebook que ele pediu. Ele queria mesmo falar comigo, me conhecer melhor, e prometeu me chamar pra tomar um vinho e tocar violão uma noite dessas.

Fiquei tão desorientada com o pedido e com a possibilidade de um futuro convite pra sair que esqueci, por um momento, meu número de telefone. Cheguei mesmo a achar que teria dado o número errado pro rapaz.

Foi quando lembrei que o número que dei ainda não tinha whatsapp, e, provavelmente, ele tentaria contato por essa via, mais usada nessa nova era. Antes que eu terminasse de instalar o aplicativo, recebi uma ligação, assim que guardei as compras.

A voz do outro lado só queria confirmar se de fato esse número era da Carol. E não preciso nem consultar o horóscopo pra saber: dias de vinho e de violão me aguardam, em breve, em Brasília.

Leia outras crônicas da jornalista Carolina Villaça na agência Saiba Mais aqui

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