Ainda é cedo amor…
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Ainda é cedo amor...

14 de agosto de 2018
Ainda é cedo amor...

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Em que pesem as especulações sobre as circunstâncias em que Cartola escreveu essa música, certo é que foi pra filha dele, e isso ninguém precisava dizer.

Basta sentir cada palavra dessa carta, carregada das doses exatas de conselho e de emoção necessárias para aquele momento da vida em que o filho, ou a filha, deixa de ser parte de você pra ser inteiro.

E esse momento, não diferente de outras etapas da maternidade ou da paternidade, dói. A cruel diferença é que não dói só na gente, mas implica, fatalmente, naquele nosso maior receio: o de que nossa cria sofra...

Lembro de ter ficado uma noite inteira discutindo com Rafael Duarte sobre a letra, que, em dado momento, acreditei ser: "o mundo é um moinho...vai triturar teus sonhos, tão mesquinho..." - por duvidar que pudessem ser mesquinhos os sonhos da moça, e ter a certeza de que o mundo, dolorido moinho, é que era mesquinho, portanto...

Com isso se vê que não fujo à regra dos pais, que querem proteger sempre, envolver os filhos em uma espécie de campo de força, e assim impedir todo e qualquer sofrimento.

E mesmo sabendo que a dor ensina a gemer, seguimos tentando evitá-la. Até mesmo a indústria farmacêutica caminha neste sentido. Quem um dia imaginou que o mertiolate não mais seria o maior terror de toda criança que levava uma  queda, e chorava muito mais pelo medo de arder do que pelo próprio tombo?

Há pouco mais de um mês, minha filha teve que tomar Benzetacil. Tive uma pena enorme dela que, pensava eu, passaria uns três dias, pelo menos, sentando de lado, tamanha a dor. Mas a aplicação incluiu xilocaína, e lá se foi a dor, logo após a injeção. Ela tirou de letra e não sentiu absolutamente nenhum efeito colateral.

Aquilo tudo me fez pensar que estamos criando uma geração de "folhas ao vento", frágil e incapaz de resistir ou de reconhecer sua própria força diante de uma adversidade. Para quem não cantamos sequer a canção do Cartola, porque assumiria, de certa forma, a possibilidade de sofrimento do filho.

Já parou pra imaginar que, assim, corremos o risco de, um dia, eles não sentirem mais nada? Que a dor tem valor igual à felicidade? Que sofrer não é desejável, mas é real? Que mesmo que aparentemente indolor, a vida pode criar feridas incuráveis, quanto mais reprimirmos o sofrimento, algumas vezes necessário?

Por isso, "O mundo é um moinho" foi a música que escolhi pra acalentar a primeira decepção amorosa da minha menina, recentemente. Dessas decepções de que um dia ela vai rir e pensar por que sofreu tanto.

Mas não reprimi a dor dela, por mais que me doesse também. Deixei que sentisse, coloquei músicas roedeiras, dei colo, comprei chocolate, chorei junto, ajudei a xingar o rapaz, a fazê-la lembrar dos momentos bons e especialmente dos ruins, com ele.

Apesar de, por dentro, me sentir culpada pelo que ela estava passando, porque fui eu que disse: "se você gosta dele pra namorar, não perde tempo ficando e fingindo não sentir isso! Diz pra ele!" - encorajei.

O que acabou provocando o rompimento do que ainda nem tinha começado de fato, por pura covardia do menino, ainda confuso quanto aos próprios sentimentos, já que insistem que ele é muito novo pra sentir qualquer coisa, e ele acredita.

Não é a primeira dor, nem será a última. "Em cada esquina, cai um pouco a tua vida", avisa Cartola. Mas sei que não há problema se em pouco tempo você não for mais o que é; porque, de fato, você será ainda melhor, e capaz de exercitar seu incrível poder de se permitir de novo, sempre, com toda a intensidade e verdade que você merece, minha doce menina.

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