OPINIÃO

Fátima Bezerra: o possível e os temas morais

Fernando Pessoa assegura que umas das condições para se viver livremente é pensar e agir com a fome pelo possível. É com esta perspectiva que devemos olhar para o cenário político eleitoral no RN. Considerando a tradição política potiguar, vivemos um momento especial. Pela primeira vez, uma candidatura popular e de esquerda, apresenta-se com chances reais de vitória nas eleições para o governo estadual. Os números indicam que a senadora Fátima Bezerra-PT poderá derrotar grupos tradicionais e conservadores da política local.

A candidatura de Fátima deve simbolizar a esperança material e de sonhos dos potiguares. Diante disso, deve responder a alguns desafios para uma agenda mínima de políticas emergenciais em algumas áreas. Será capaz de estabelecer parcerias entre os governos estadual e federal, prefeituras, mídia e judiciário que enfrentem o crime organizado? Conseguirá prevenir a violência contra a juventude através do emprego, do acesso à cultura e a bens de consumo mínimos? Melhorará a qualidade das estradas e da segurança para evitar acidentes e os assaltos? Fará uma política de reajuste e de incentivo à carreira do magistério e ao restante do funcionalismo? O que proporá como política de ciência e tecnologia e sobre o papel da Universidade Estadual?

Um outro ponto da agenda será o das obras estratégicas em um futuro governo petista. Quais prioridades e fontes de financiamentos? Fará parcerias público-privadas? Como expandir a internet para todos os municípios? Como combater a sonegação fiscal? Qual serão as políticas de incentivo e isenção fiscal a grupos empresariais? Será efetivada uma política de democratização do orçamento na qual a internet poderá ser uma ferramenta fundamental de controle sobre os gastos públicos?

Essa agenda mínima poderá ser acordada publicamente e o PT deve dizer quais as suas bases, pois não existirá margem para a resolução de todos os problemas do estado. Mas além dos desafios programáticos apontados acima, há uma outra agenda que Fátima deverá contribuir civilizatoriamente. Tratam-se dos chamados temas morais: descriminalização do aborto e da maconha. Além das questões de gênero. Por mais polêmicos que sejam, uma candidatura de esquerda não poderá ignorá-los. São pautas cruciais na agenda moderna, sobretudo, da juventude. No tocante ao aborto, as mulheres argentinas têm pautado o debate nacional, – conseguiram uma vitória inédita na Câmara. O senado deverá votar esta semana. Até agora, segundo a imprensa portenha, o “NÃO” vem obtendo uma pequena vantagem, mas existem senadores indecisos, o que significa uma possibilita de vitória do “SIM”, mesmo que remota. A proposta tem como fundamento a garantia de assistência àquelas mulheres que necessitem interromper suas gestações até o décimo quarto mês. A questão, assim, passa a ser vista como de saúde pública e de responsabilidade do Estado.

Já sobre a questão das drogas, outro país irmão do Brasil, Uruguai, além de aprovar a não descriminalização, permite o comércio e plantações domésticas de cannabis. Os dois países dão um passo importante na garantia e direito das liberdades individuais. O Brasil deveria fazer o mesmo. É de grande relevância o aborto ser pauta do STF. Os magistrados deverão tomar uma posição esta semana. Lamentável o parlamento brasileiro não ser o protagonista sobre o assunto.

Claro que os dois temas dizem mais respeito diretamente a esfera federal, entretanto, um governo estadual poderá ter um papel de destaque. Por exemplo, suscitar o debate e garantir que tais questões não sejam encaradas como temas tabus e de polícia. Ao contrário, devem ser tratados como políticos e culturais. Uma esquerda que deseja mudança não poderá se amesquinhar eleitoralmente perante temas substantivos como tais.

Afinal de contas, se até FHC é a favor da descriminalização, como que um governo do PT também não seria? Os petistas, através da sua candidata ao governo, devem convencer o povo que não são um conjunto de companheiros(as), que se reúnem em encontros para discutirem um latifúndio utópico num paraíso terrestre qualquer. Serão desafiados a experimentar e a mudar a realidade do Rio Grande do Norte. Um sonho possível aos olhos dos eleitores atuais.

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Alex Galeno é cientista social, professor da UFRN e escreve às terças-feiras para a agência Saiba Mais