Muito além das eleições
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2 de agosto de 2018
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Na teoria, parece fácil para a esquerda ganhar essa eleição. Com Lula, preso há quatro meses em Curitiba, liderando todas as pesquisas e tendo chances reais de levar o pleito ainda no primeiro turno bastaria, no caso do poder judiciário peitar a vontade popular e impedir a candidatura do ex-presidente, que o PT abra logo o jogo e diga qual é o plano B. Ora, se em 2010 Lula elegeu um poste chamado Dilma, porque não poderia fazer isso agora, que está cristificado, martirizado em uma sela de Curitiba, vitimado por um processo para lá de suspeito? Bastaria um bilhete escrito a mão, uma mensagem enviada por um porta voz, um sinal de fumaça, um pombo correio, um áudio no watts app e pronto: a militância cairia em campo e correria atrás do prejuízo que os anos de massacre lavajatista impuseram ao partido.

O problema é que, no calor da luta, amigo velho, os cálculos políticos não são tão simples assim. A decisão de esticar a candidatura Lula até o limite mostra que o PT pensa, não apenas no que vai acontecer nas urnas em outubro, mas está olhando bem mais longe, muito além das eleições.

Primeiro porque, hoje, ainda é a figura de Lula que impede o PT de se esfacelar em blocos regionais, muitas vezes com interesses locais que impediriam a viabilidade de uma candidatura majoritária nacional. Essa é uma das mais importantes funções da candidatura Lula: evitar uma “pmdebização” do partido dos trabalhadores e permitir que o PT possa operar unido, mesmo depois do pleito de Outubro. Além do mais, não podemos esquecer, que, como rezam as cartilhas introdutórias de ciência política, nenhum partido que queira aumentar sua bancada no congresso e fazer crescer o número de governadores nos estados da federação pode abrir mão assim, como quem não quer nada, de uma candidatura que desponta com mais de 40% nas intenções de voto. A sobrevivência do partido no jogo político que será jogado nos próximos anos, depende em muito do sucesso do tal “Plano A” que busca emplacar o grito de #LulaLivre e #LulaPresidente nas ruas do Brasil.

No fim das contas, mesmo que no íntimo, bem lá no íntimo, todo mundo que defende a tal da “narrativa do golpe” saiba que não faz nenhum sentido acreditar que o consórcio de direita que extraiu à fórceps o PT do poder permita uma candidatura Lula, mantém-se na superfície do discurso público a ideia de que as instituições do judiciário, que até agora validaram o golpe, em uma miraculosa recaída de legalidade democrática e de fidelidade súbita aos princípios constitucionais, vão perceber a bosta que fizeram e deixar que o povo use a urna para absolver Lula em Outubro.

O problema é que o povo, esse detalhe sempre relegado a uma condição de menoridade política tanto pela esquerda e quanto pela direita, não tem, com muita razão, diga-se de passagem, paciência para fazer cálculos de longo prazo.

O fracasso avassalador da infeliz “ponte para o futuro”, um projeto pensado pelos intelectuais orgânicos do PSDB que agora tentam posar como alternativa ao governo Temer, empurra o país para uma necessidade urgente de mudança de rumo. Se pegarmos os dados da economia real, essa que afeta a vida cotidiana de todos nós, os motivos que justificam a impaciência popular são muitos.

Entre 2014 e 2017 a média anual de desocupados passou de 6,7 para 13,2 milhões. O número dos que ganham menos de 1,9 dólares por dia aumentou nesses anos de desamparo em 11,2%, colocando 1,5 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza extrema. A mortalidade infantil, um fantasma que nos assombrou por toda nossa história, voltou a crescer 11% nas faixas de crianças entre 01 e 04 anos de idade. O trabalhador que procurou ocupação entre 2016 e 2017, na maioria dos casos assumiu atividades precárias, informais, de baixa remuneração e ganho instável.

A desastrosa experiência do impeachemant sem crime de responsabilidade e do governo ilegítimo que se seguiu mostrou que no fundo do poço tem sempre uma pá. Com a bosta batendo no pescoço, para uma parte significativa da população brasileira, eleger um presidente que mude a rota econômica da nação é uma questão de sobrevivência, não de cálculo político. Por isso não é difícil entender por que as racionalidades políticas de longo e médio prazo não comovem o eleitor. Afinal, quando o presente é insuportável, falar sobre o futuro nem sempre é sinal de esperança; muitas vezes pode ser, inclusive, um significativo índice de fracasso.

Leia outros textos do filósofo Pablo Capistrano na agência Saiba Mais aqui

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