Por uma ética da revolta
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Por uma ética da revolta

21 de agosto de 2018
Por uma ética da revolta

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Abert Camus dizia em seu clássico, O homem Revoltado, que a revolta é uma primeira evidência na existência do sujeito. Ela desempenha o mesmo papel do cogito no pensamento e na vida, pois no ato de se revoltar inclui sair da solidão individual. Tal ato sempre inclui o habitar naquilo que é comum. Por isso, diz Camus, “Eu me revolto, logo existimos.” E não como quis Descartes, “Penso, logo existo.”

A revolta constrói um movimento de inquietação perpétua com o presente e a memória. Ela desloca sentidos e abre fissuras na história. Mas quem seria capaz de produzir este movimento? Os intempestivos da cultura, defende Nietzsche. Aqueles radicalmente modernos e contemporâneos. Lembra o filósofo que a “atualidade”, “a contemporaneidade” é da ordem da “desconexão” e da “dissociação”. Noutros termos, ele estava preocupado com uma história que brotasse dos “espíritos mais raros”. O espírito raro é aquele que transforma o instante/o acontecimento/o trivial da história em “eternidades”. O que ainda poderá ser revisitado em sua própria ebulição.

Pois bem, se o que garante a condição de contemporâneo é o intempestivo, quem é capaz de exercer uma ética da revolta? É aquele capaz de realizar mudanças políticas, artísticas, pessoais, históricas e fazer de sua revolta individual o contágio de uma peste coletiva.

Um contemporâneo revoltado, portanto, é aquele que “não coincide perfeitamente com seu tempo” e pelo “deslocamento é capaz (mais do que outros) de perceber e apreender seu tempo”, pontua Giorgio Agamben.

Olhando para o século atual, estamos carentes de seres da revolta. Poucos são aqueles de espírito raro. O que assistimos é a uma desmesurada manada de sujeitos obedientes ao paradigma da ordem. Como obedecer passivamente aos juros escorchantes das operadoras de cartões de crédito? Como aceitar que o judiciário, no Brasil, autoconceda-se aumento acima do teto salarial dos servidores públicos? Como aceitar o juiz Sérgio Moro grampear a ex-presidenta Dilma? Como se conformar com declarações do diretor geral da PF, quando diz que recebeu ordens por telefone do presidente do TRF-4 do RS, para não soltar Lula? Como aceitar que o candidato Jair Bolsonaro declare, caso eleito, que acabará com territórios quilombolas e indígenas? Como se acostumar com a fome da população pobre?

Para responder a algumas das questões, é preciso que construamos um modo de vida a partir da desobediência com tudo que ameace o território civilizatório do comum. Devemos desafiar o coro dos contentes com a ordem. Estabelecer desobediências, por exemplo, perante uma justiça e uma mídia que tomam decisões e constroem narrativas a partir de critérios ideológicos.

Conforme temos assistido, seguidamente no Brasil, quando tratam processos que envolvam o PT e Lula. Não se pode obedecer a uma lógica de roubalheira institucionalizada dos juros cobrados por bancos e seguradoras de cartões de crédito. Isto porque um dos maiores fracassos do sujeito na atualidade diz respeito ao hiperindividamento. O destino da vida humana passa a ser hipotecado à lógica do capital financeiro. Se antes a exploração do indivíduo se dava pela apropriação da mais-valia do trabalho, hoje, a acumulação do capital se faz pela lógica do endividamento a partir de altas taxas de juros e da desvalorização do crédito e dos salários.

É preciso que aprendamos com as revoltas de 1968 - um fenômeno que se constitui como uma “brecha” (Morin) na história humana- e estabeleçamos desobediências civis que mudem os hábitos políticos, culturais, morais e econômicos da sociedade.

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