Sonia Guajajara: a candidata que fala a língua do Brasil
Natal, RN 20 de abr 2024

Sonia Guajajara: a candidata que fala a língua do Brasil

27 de agosto de 2018
Sonia Guajajara: a candidata que fala a língua do Brasil

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A imagem de Sonia Guajajara em nada se assemelha com a daqueles que estão no poder. Mulher, indígena, nordestina, do interior do Maranhão, mais ou menos um metro e meio de estatura. É a primeira com esse perfil a compor uma chapa à Presidência da República, ao lado de Guilherme Boulos, ambos do PSOL. E para isso, o Partido criou o conceito de co-presidenta. “Eu não vou atuar só na ausência do presidente”, avisa.

O Rio Grande do Norte era o único estado que Sonia ainda não conhecia. Mudou isso no sábado (25), quando esteve na Festa da Castanha, na comunidade do Amarelão, em João Câmara, e participou de atividade de mulheres no comitê de campanha do partido, em Natal. A mesa foi dividida entre ela, a candidata a vice-governadora pelo PSOL, Aparecida Dantas, e a candidata ao Senado pelo PSOL Telma Gurgel.

É simbólico que a terra dos potiguares tenha sido a última que ela – uma das maiores lideranças indígenas e socioambientais do Brasil – visitou. Por muito tempo os povos indígenas desta ponta do mapa foram completamente invisibilizados e o RN é o estado brasileiro com menor população autodeclarada indígena. No censo do IBGE de 2010, constam 2.597 pessoas, o que corresponde a 0,3% da população indígena de todo o território nacional.

“A gente via a relação dos povos e o Rio Grande do Norte sempre estava em um lugar vazio, como se não tivesse povos indígenas. Rio Grande do Norte e Piauí foram os últimos a reconhecerem seus povos originários”, lembra a candidata.

Formada em Letras e Enfermagem com pós-graduação em Educação Especial, Sonia é coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Tendo estudado Filosofia e Psicanálise, Boulos é coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Com isso, reafirma que a chapa “Sem medo de mudar o Brasil!” nasce das bases, dos movimentos sociais, e que sua participação nas Eleições 2018 não é simbólica, tem significado histórico de luta e resistência.

“Não estamos fazendo campanha pensando somente no processo eleitoral. Construímos uma aliança entre os movimentos sociais e os partidos [PSOL e PCB] pra elaborar juntos um projeto de país, porque a gente sabe muito bem que a crise que se instalou não vai se resolver em uma gestão ou um mandato de quatro anos”, disse Guajajara.

Foto: Mídia Índia

“A gente precisa se preparar para um futuro onde a gente possa ter de fato uma democracia, com a real presença das mulheres, da juventude, dos negros e negras, da população LBT, dos indígenas nesses espaços da política partidária”, disse, ressaltando que a construção é coletiva e grupos de ação também são convidados, aqueles que não se identificam com os partidos.

Na opinião de Sonia Guajajara, o momento é delicado e exige mesmo união. Ela repete uma frase do candidato a presidente Boulos: “somos nós contra 50 tons de Temer”. A maioria dos concorrentes do PSOL dialoga de alguma forma com o golpe parlamentar que tirou Dilma do Palácio do Planalto, na opinião de Sonia. Eles querem continuar o projeto que foi iniciado com Temer. Vencer, portanto, significa evitar “a legalização do golpe”.

Ela também chama atenção para a identificação da esquerda. “Muitos dizem que são de esquerda, mas estão o tempo todo falando que tem que garantir o desenvolvimento da Amazônia, e pra isso tem que continuar desmatando, legalizando a mineração e fazendo acordo com o agronegócio. Tem gente que é de centro-esquerda, que é o caso do Ciro, e traz a rainha da motosserra pra compor a sua chapa”, disparou.

Sonia comentou sobre questões que afligem as mulheres desde a colonização até a atualidade. E explicou ainda que o extermínio dos indígenas não é um fato antigo e continua presente nas cinco regiões do Brasil. Muitos povos tiveram e continuam tendo a sua identidade negada pra poder garantir a própria sobrevivência.

“Durante séculos, nosso povo foi obrigado a deixar de falar sua língua pra poder continuar vivo. Porque se descobrissem que eram indígenas eram mortos ali mesmo”, lembra, ao ressaltar que esse movimento foi intenso no Nordeste e é vivido até hoje na Amazônia, onde a concentração da etnia é maior e a luta pela preservação e pela demarcação de terras é muito presente diante de ameaças como hidrelétricas, mineradoras, especulação imobiliária.

“A gente sofre hoje todo esse processo de imposição e de violência que se viveu aqui no Nordeste. No Sul e no Sudeste muitos vivem à beira da estrada. No Mato Grosso do Sul os indígenas não só têm o seu direito ao território negado, como todos os dias são mortos por latifundiários, fazendeiros, donos do agronegócio”.

Foto: Júlio Pontes/PSOL RN

Eólicas

Sendo o RN o maior produtor de energia eólica do país, a paisagem potiguar conta com muitos parques eólicos. Sonia passou por alguns deles a caminho de João Câmara e questionou a autenticidade das expressões “energia limpa” e “energia renovável”.

“Se expulsa a comunidade tradicional pra poder ter esses grandes campos de energia. Quando se fala em energia renovável tem que se falar também do direito à consulta livre, prévia e informada. Ela pode ser limpa, mas se não respeita os direitos sociais, de nada adianta”.

O instrumento da consulta de que Sonia fala é garantido pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT. Ele garante a soberania dos Estados sobre seus territórios, mas impede que eles adotem medidas políticas, administrativas e legislativas à revelia dos povos afetados.

Sobre o mesmo assunto, a candidata alerta que essas fontes de energia não beneficiam a população, mas sim grandes empresas e indústrias, geralmente multinacionais.

Foto: Júlio Pontes/PSOL RN

Diversidade

O candidato a governador pelo PSOL, Carlos Alberto, comentou que a presença de Sonia Guajajara no RN é um reforço para a campanha e que ela representa quase um milhão de remanescentes indígenas do país. “Ela representa o povo brasileiro, que é miscigenado, multirracial, multicultural. O país pra ser grande vai ter que aceitar nossas várias cores”, disse ele.

O chamado é para a diversidade. “Mesmo depois da redemocratização em 88, a gente não conseguiu ter a representatividade do povo brasileiro. Cada vez mais você vê as forças políticas e econômicas se articulando e dominando tanto o Congresso Nacional e Assembleias Legislativas, como o Poder Executivo”, comentou Guajajara, lembrando que de 513 parlamentares no Congresso, apenas 57 são mulheres. Dessas, 7 são negras. Indígenas, trans, travestis, nenhuma.

“O PSOL é o partido com maior número de mulheres, de LGBT, de pessoas com deficiência. Não são apenas pra compor ou completar cota, são prioridades na coligação”, disse,  orgulhosa de fazer parte da legenda desde 2011, e certa de que o status quo precisa mudar.

Ela chegou a comentar a carga de preconceito escondida em uma pergunta que tem ouvido bastante, não só em entrevistas, mas até de pessoas próximas: “Você está pronta para esse cargo?”.

“Historicamente nos foi dito que quem sabe governar são aqueles de gravata, homens brancos, altos. Se esse povo estivesse preparado o país não estaria como está. Até os nossos tendem a acreditar que são os ricos que vão acabar com a pobreza, que os brancos que vão acabar com o racismo, os homens com o machismo”, reclama, convicta de que sua história e a militância que começou na adolescência lhe tornaram apta a mudar o país ao lado de Boulos e dos movimentos sociais.

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