A menina que parou a cidade ao nascer
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A menina que parou a cidade ao nascer

4 de setembro de 2018
A menina que parou a cidade ao nascer

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Em três dias, você completa 15 anos de existência, e eu não poderia falar de outra coisa. Sempre brinco que você parou a cidade ao nascer, porque foi nas primeiras horas do sete de setembro que veio ao mundo, já independente, em plena capital federal.

E como sei que você adora me ouvir contar a história do seu nascimento, ainda que eu nem sempre me lembre de cada detalhe e acabe criando verdadeiras fábulas, como a supra citada, para preencher essas lacunas da memória, vou pegar emprestado esse espaço que o Rafael Duarte me concede, vez em quando, pra tentar registrar aqui, nessas breves linhas, todo aquele sentimento.

Nesse dia 4, naquele ano de 2003, fui visitar seu primo, Felipe, que, para surpresa da família, nasceu ruivo (e se mantém até hoje). Você estava agitada na minha barriga imensa de 21 quilos deliciosamente engordados na gravidez. Até então estava prevista para vir ao mundo em 17 de setembro, dia seguinte ao meu aniversário.

Na volta da visita, ao descer da van pra ir pro trabalho, tropecei no meio fio e cai de barriga no chão. Aquilo me apavorou, e só pensava no que poderia ter te acontecido. No meio da rodoviária do plano piloto de Brasília ninguém me ajudou a levantar, ninguém perguntou o que havia comigo e eu só chorava. Só sosseguei o coração quando fiz uma ultra e vi que você, pelo menos, estava bem. Já a humanidade, sempre tive minhas dúvidas, apesar de querer muito acreditar e ser boba a ponto disso.

No dia 6 de setembro, não sei se por eu ter sido vítima da força da gravidade, ou se você surtou ao saber que o primo era ruivo e decidiu não esperar mais, vieram as primeiras contrações. Eu não consegui identificar de cara e perguntei pra minha mãe, por telefone, se aquela dorzinha que vinha das costas até o pé da barriga eram mesmo sinal de trabalho de parto. Ela assegurou que não, e fui tranquila fazer compras, a pé, como de costume, no supermercado perto de casa.

No caminho, passei por um canteiro lotado de amoras, que dão nessa época do ano na cidade, e colhi um bocado, comendo direto do pé, como eu também fazia na minha infância, na saída da escola. Carreguei sacolas pesadas de compras até chegar em casa. Quando estava guardando as compras, senti novamente aquela dor, um pouco mais forte.

Liguei pro meu médico, com quem havia discutido longamente dias antes sobre o parto, que desejava fosse natural, convencida que estava de que teria mesmo essa opção, depois de assistir atentamente um curso pra parto, que até me fez imaginar tê-la de cócoras. Fui orientada a cronometrar a duração e o espaço entre as contrações.

Ao perceber que você só dava um descanso de cinco minutos entre uma e outra, segui para o hospital, com seu tio, pai do seu primo, já que seu pai estava trabalhando, no primeiro emprego fixo que conseguiu, perto do seu nascimento. Ele estava escalado inclusive para cobrir a parada de 7 de setembro, mas você mostrou pra ele que a parada era outra! rsrsrs....

Com muitas contrações e pouca dilatação, o médico com quem eu havia discutido dias antes sobre meu desejo de que fosse parto natural estava ali, na minha frente, com aquela cara de quem quer cortar um bife e acabar logo com isso. Ele disse que tinha que ser cesariana. Eu, com dores fortes e receio de lhe causar sofrimento, já culpada pela queda que levei, não tive força suficiente pra insistir. Também, de que valia brigar com o médico naquela hora? Eu queria era conhecer você.

É incrível, e às vezes até sobrenatural, Marina, como a vida avisa ao corpo que é hora de nascer. Na noite anterior, havia sonhado com minha avó, Dolores, já falecida, e ela dizia pra mim que tudo ia dar certo, que eu não me preocupasse. As amoras da minha infância também não foram coincidência. Abriram o caminho pra você existir.

E foi assim que, aos 45 minutos do sete de setembro, você veio ao mundo pra me fazer nascer mãe. Que sua vida seja sempre um musical, como nesse poema, em homenagem à minha menina que parou a cidade ao nascer:

A MENINA DO SETE DE SETEMBRO

AOS 45 MINUTOS DO SETE DE SETEMBRO
SENTI UMA MÃO MIÚDA TOCAR O MEU ROSTO
MAS NÃO É SÓ DISSO QUE ME LEMBRO
ALGUMAS HORAS ANTES, EXPERIMENTAVA O GOSTO
DAS AMORAS DOS CANTEIROS DE BRASÍLIA
A NÓDOA ROXA, JAMAIS ESQUECIDA
MARCOU A MAIOR EMOÇÃO DA MINHA VIDA:
O DOCE NASCIMENTO DA MINHA FILHA
MARINA VEIO AO MUNDO, INDEPENDENTE
E A CADA ANO, CRESCE EM DISPARADA
AQUELA MENINA, QUE ERA UMA SEMENTE
É AGORA MOÇA, COM QUINZE ANOS DE ESTRADA
MAS, PARA MIM, SERÁ SEMPRE UMA CRIANÇA
A QUEM DEDICO AMOR INCONDICIONAL
ELA, QUE TRANSFORMOU MINHA VIDA EM DANÇA
E PARA QUEM A VIDA É UM MUSICAL

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