De quantas Mayaras se faz uma revolução?
Natal, RN 19 de abr 2024

De quantas Mayaras se faz uma revolução?

14 de setembro de 2018
De quantas Mayaras se faz uma revolução?

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A atmosfera tensa que se vê na internet, na campanha política atual, parece brincadeira de criança se comparada a uma campanha de rua, em uma cidade do interior do Brasil. Focar esse turbilhão, que oscila entre o Carnaval das passistas de trio elétrico, e os tapas entre adversários, foi o que decidiu fazer o jovem diretor francês Quentin Delaroche. Oito anos atrás ele estudou no Recife, como intercambista, e depois de quatro anos, começou a pesquisar para um filme que queria fazer no interior de Pernambuco. Depois de ouvir moradores de muitas cidades, percebeu que a política era o assunto de qualquer conversa que passasse de cinco minutos.

O documentário de Quentin, Camocim, foi filmado em 2016, nas eleições para prefeito e vereadores, em Camocim de São Félix, cidade de 18 mil habitantes a 115 quilômetros da capital. Poucos meses antes, a primeira mulher eleita presidente do Brasil havia sido destituída do cargo por um golpe parlamentar travestido de impeachment por crime de responsabilidade. O filme se centra na campanha de um candidato a vereador, jovem, que se propõe a ser a voz da juventude - e da mudança - no parlamento municipal.

A campanha de César, o candidato, é organizada por amigos. Já nas primeiras cenas é possível identificar quem assumiu o protagonismo da empreitada - e da narrativa. O grupo está nos preparativos para gravar um dos vídeos da campanha, e Mayara manda a real: quer mais compromisso do candidato, mais profissionalismo da equipe. O filme se divide, a partir daí, entre tomadas das campanhas dos adversários na majoritária - azuis contra vermelhos -, os bastidores da campanha de César, e o dia a dia na casa de Mayara.

Sintomático que o diretor tenha eleito como protagonista uma jovem mulher, negra, periférica. Num cenário em que os personagens não se enxergam como responsáveis por mudanças políticas, com discursos que oscilam entre a defesa do voto nulo e a certeza de que os eleitores são apenas trampolins para a ascensão de políticos, a voz de Mayara é dissonante e poderosa. De espectadora conformada, ela não tem nada. Ousa, debate, insiste.

Mayara diz claramente: o poder precisa de renovação e nós temos que estar lá para defender essa renovação. É surpreendente e auspiciosa a consciência do próprio poder que ela tem. Não se convence pelo desânimo dos amigos de bar, nem pelo discurso que apela ao coronelismo do tio, que tenta convencê-la a apoiar o candidato da situação em função da condição de funcionária do município da mãe. Mayara não cede ao discurso do clientelismo, e se utiliza de todos os métodos de marketing tradicionais, como jingles grudentos difundidos em carros de som barulhentos, para chegar ao seu objetivo.

Camocim poderia ser Caicó, Parelhas ou Passa e Fica. O clima festivo e ao mesmo tempo tenso da disputa municipal, que se repete a cada quatro anos, está em todas as cidades do interior. É esse retrato, feito por Delaroche muitas vezes com a câmera parada, que instiga a pensar qual o papel real que a política tem no dia a dia dos cidadãos dessas cidades. É a política da disputa pela disputa, sazonal, ou aquela que se faz diuturnamente, nos espaços coletivos de convivência? Camocim nos mostra um retrato desanimador, de modos de fazer política tradicionais e conformismo. Mas mostra, também, que é da opressão que nasce a resistência e a perseverança.

*Camocim estreou nesta quinta-feira (13) em circuito nacional e está em cartaz em Natal no Cinépolis Natal Shopping.

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