Humor e poder
Natal, RN 28 de mar 2024

Humor e poder

3 de setembro de 2018
Humor e poder

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O bom de se pesquisar o humor – em suas diferentes e múltiplas manifestações (de piadas de botequim a comédias teatrais, das charges de jornal aos memes das redes sociais etc. etc.) – é que é possível ter ali um “laboratório” de análise para amplas questões (sociológicas, psicanalíticas, linguísticas etc.). Conforme o referencial teórico que se assuma, dá para discutir desde revoluções políticas que marcaram a História da humanidade, passando por procedimentos de linguagem mais recorrentes, até a frustração falocêntrica do sujeito “macho” contemporâneo.

Por ora, ando colecionando (e me divertindo) com dados humorísticos sobre os presidenciáveis destas eleições de 2018, o que, como sabemos, está rendendo farto material. E num rápido olhar sobre esse material, já dá para confirmar uma máxima: o humor é coisa muito séria.

A esse respeito, há um ótimo livro em que é possível discutir três grandes teses sobre o humor. Trata-se da obra do jornalista inglês Ben Lewis sobre o humor nos países do bloco soviético e cuja edição brasileira, de 2014, pela Record, saiu intitulada Foi-se o martelo: a história do comunismo contada em piadas. Ao contrário do que possa sugerir a atmosfera terrificante dos regimes instaurados na Cortina de Ferro, o livro vem mostrar que o sistema político-econômico (supostamente) inspirado em Marx, Engels, Lênin e Trotsky foi terreno fértil para a criação e proliferação anônima e profícua de textos humorísticos: das anedotas caricatas sobre os líderes (Lênin, Stálin, Ceauşescu, etc.) às piadas subversivas sobre modos de vida nos países socialistas com seus principais “aparelhos” (o Sputnik, a Stasi, a Cheka, o Pravda etc.).

E o que é possível ilustrar a partir de tudo isso, como dizia, é que há três possibilidades: uma tese minimalista, isto é, o humor como forma de aliviar alguma pressão; uma tese maximalista, ou seja, o humor como revolucionário, no sentido de ir minando aos poucos um regime de opressão; e, por fim, uma tese negadora, que atribui ao hábito de contar piadas e anedotas “a falsa impressão de estarem lutando contra o sistema”.

A atriz Glória Pires merece respeito, minha gente!

Eu, de minha parte, estou propícia a concordar com as duas primeiras teses. Fazer um meme ou uma charge, por exemplo, sobre um candidato (fascista, progressista etc.) é sim assumir uma posição num cenário político (que pode ser mais conservadora ou revolucionária), bem como uma maneira de “fugir” do peso de uma realidade, no caso, essa realidade eleitoreira que, convenhamos, é bem angustiante.

Ao fazer apelo a uma certa memória discursiva, pelo humor assume-se uma posição política

Ampliando um pouco mais o debate que essas três teses sugerem, pode-se acrescentar também que, como um campo social e discursivo, o humor nunca será isento e neutro. Uma piada pode até ocorrer “pra não se levar a sério”, mas definitivamente ela nunca será inocente. Pelo contrário, implica necessariamente uma tomada de posicionamento que, em última instância, reflete uma conjuntura de relações específicas de poder de amplas questões (gênero, etnias, classes, filiações político-partidárias etc.).

Eu devo sim, estou vivendo...

“O circo está armado” é uma expressão que não me agrada muito, pois pode suscitar uma visão meio pejorativa de profissionais do humor como palhaços (que, para mim, junto a músicos e garçons, merecem o máximo respeito). Mas é a melhor expressão que me ocorre para se pensar esse contexto eleitoral. Parodiando um pouco Nietzsche, sem o riso a vida seria um erro. E é por meio do riso que a gente também faz a revolução!

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