Um Brasil sem janelas
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3 de setembro de 2018
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O Museu Nacional arde em chamas enquanto os principais canais de televisão aberta falam de futebol, tatuagens no rosto ou da rotina do ator de televisão que cuida do filho recém-nascido. A notícia foi dada no meio de um concurso de dança de famosos na Globo ou em uma entrada ao vivo no meio do programa esportivo na Band. Passada a tragédia, voltamos ao circo, afinal, é domingo. Mais tarde, O Fantástico traria uma reportagem relembrando a precariedade do museu e, logo depois, futebol!

Mas a desconexão da televisão com o mundo lá fora não é novidade. A campanha com maior intenção de votos nas pesquisas eleitorais vem sendo ignorada em debates e na cobertura jornalística das atividades diárias. A agenda dos movimentos sociais também é amplamente ignorada pelas grande redes.

Também não veremos críticas ao sistema financeiro, aos grandes proprietários de terras, à indústria farmacêutica. E o principal museu do país, só agora, depois de queimado, será apresentado aos cidadãos brasileiros. Há quem diga, inclusive, a realidade do país é melhor representada em novelas e séries que pelo próprio jornalismo.

Assim, a televisão deixa de cumprir sua principal função social de ser uma janela à realidade para contribuir com o pleno exercício da cidadania e torna-se importante agente deturpador da agenda pública de debates.

No Brasil e em várias regiões da América Latina ou mesmo no Leste Europeu, a televisão ocupa lacunas deixadas pelo sistema educacional e pelas frágeis instituições culturais. Por aqui, há mais lares com televisores que com geladeiras. E mesmo com tantas fontes de informação, ainda é a televisão que monopoliza a atenção na rotina de milhões de brasileiros. É por meio dela que nos informamos ou deixamos nos desinformar. E não é pela TV que vamos descobrir que falta muito a ser feito para que a televisão cumpra o capítulo da Comunicação Social da Constituinte de 1988.

Começa pela proibição de censura. Agora, não é mais o governo quem censura jornais, revistas e emissões de rádio e TV. Agora são as próprias empresas quem calam as vozes que não lhes interessam, uma censura que não tem cara, acontece de forma sorrateira dia após dia e não há a quem reclamar. A grave concentração da propriedade dos meios de comunicação fere mais um artigo da constituição: o que proíbe monopólios e oligopólios. Poucos grupos detêm os principais veículos, que estão concentrados no centro-sul do país, nas mãos de grupos empresariais de viés conservador. Um oligopólio tão monótono que já tem cara de monopólio.

Sem falar nos políticos donos da mídia, o que também é proibido há 30 anos pela constituição, já que são os deputados e senadores os responsáveis por aprovar as licenças de rádio e televisão. Nem preciso explicar que as quatro principais redes de TV e rádio aqui no estado são ligados umbilicalmente às oligarquias políticas quem vêm se revezando no palácio do Governo do Estado e nas cadeiras potiguares na Câmara Federal e no Senado.

A história se repete em todo o país e, só agora, a justiça federal no Pará cancelou a licença de uma emissora de rádio de propriedade do senador Jader Barbalho e sua esposa. A decisão vem mesmo depois de o senador ter repassado o controle da concessão para os filhos. A estratégia foi a mesma usada pelo Senador José Agripino e pelo Deputado Felipe Maia, que repassaram o controle das emissoras da Rede Tropical para a familiares. Por aqui, a Justiça ainda não agiu.

Se já são graves as violações sofridas até agora, tem candidato à presidência falando em piorar ainda mais as coisas com a extinção da Empresa Brasil de Comunicação, criada no Governo Lula para servir de embrião para o sistema público de comunicação, previsto na Constituição e nunca implementado. Na carta constitucional, o sistema privado de comunicação deveria ser complementado por um sistema de emissoras públicas e outro sistema de emissoras estatais. A proposta da constituição chegou a ser tratada como “devaneio” dos governos pela revista Época, que ainda tratou os investimentos em comunicação como dinheiro público torrado.

Não é de se admirar que a revista – do grupo Globo - advogue em causa própria, já que ela é materialização do absurdo que é o monopólio das comunicações do Brasil. O grande problema é que não vai ter nenhum grande veículo defendendo a democratização das comunicações no Brasil. E assim, as janelas midiáticas seguem com as vidraças turvas demais para que possamos confiar na realidade apresentada por elas.

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