Das canções que me consolam
Natal, RN 29 de mar 2024

Das canções que me consolam

1 de outubro de 2018
Das canções que me consolam

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Na segunda-feira acordei com espírito de separação. Teria meu último dia de férias e “aquela esperança de tudo se ajeitar” foi-se embora. Assim, exatamente como Chico escreveu. Meu coração não suportava o conflito entre querer mais uns dias de manhãs lentas, tardes de café e filmes e longas caminhadas na praia. Não resolvi todas as pendências que queria, não retomei a atividade física necessária, mas, trocando em miúdos, a rotina batia à minha porta.

Na terça, fiz tudo igual, como sempre: pulei da cama às 6 horas da manhã, disse pra ele se cuidar, jurei eterno amor e até pensei em parar. Vieram os e-mails, releases, o planejamento de um novo evento. Mas também teve feijão, acupuntura e conversas boas. O sorriso pode ter sido pontual, mas os beijos, com muita paixão.

Na quarta-feira, acordei com a inquietação de quem sofre, há meses, com o crescimento do apoio a políticos de posições truculentas e declaradamente machistas, homofóbicas e racistas. Perguntava-me o que sobrarão das pautas que pleiteiam igualdade de tratamento e de oportunidades nas instâncias de poder, após uma eleição em que o fascismo tem uma voz tão reverberada. Nesse dia, um vereador publicou uma foto de um homem sendo torturado por protestar contra as posições de um candidato. Entendi que os homens continuarão a exercer seus podres poderes e que Caetano estava certo em indagar: será que a América católica sempre precisará de ridículos tiranos?

Na quinta-feira, dei-me conta de que acordar lendo notícia é fermento para o pessimismo. Faço isso por dever de ofício, mas ando cansada. Demasiadas palavras, fraco impulso de vida. É preciso admitir que os ventos progressistas estão parados e que é da reinvenção, no cotidiano, que sairá o impulso para a resistência. Meu coração não quer mais amarrar frustração. Saí do trabalho, retomei minha atividade de produtora de cinema e consegui mais uma locação para o próximo filme que farei em equipe. Bingo.

Com os bons ventos da quinta, a sexta-feira me trouxe de volta a vontade de reagir à caretice. Apostar na arte como forma de sensibilizar. Seguir o Olodum balançando o Pelô e rir com a risada de Andy Warhol. Porque ser diferente e buscar espaço dentro do tradicional é fundamental. Alimentar-se do belo e do amoroso para não ser engolida pela mesmice. Porque o olho do fascismo me olha mas não pode me alcançar.

E no sábado, acordei com espírito de união. Porque fomos centenas, milhares caminhando contra o vento para demonstrar que juntos, somos mais fortes e que continuaremos na batalha por mais liberdade e igualdade, dizendo não à violência e ao ódio. Sábado foi dia de alegria, alegria. Ainda bem que as canções sempre hão de me consolar.

*Este texto é um agradecimento e uma homenagem a Rafael Barros e Tiago Landeira, Os Chicos. Porque sempre lembramos dos compositores, mas os intérpretes apaixonados e da resistência nos estimulam a seguir, nas semanas modorrentas, que poderiam ser apenas amontoados de dias. Obrigada, rapazes.

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