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30 de outubro de 2018
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Por Josimey Costa da Silva

Professora e pesquisadora em Comunicação e Ciências Sociais

Quando o Brasil é notícia destacada nos vários mundos além-mar, geralmente é por algo ruim para nós e assombroso e risível para os demais. Isso é o que define as culturas exóticas para o etnocentrismo político. Se extrapolamos a América Latina, quase sempre somos manchetes de tragédias. Pois agora não é diferente e nem podemos culpar ninguém. As eleições presidenciais brasileiras estão ocupando as manchetes jornalísticas europeias e norte-americanas desde antes da definição do novo mandatário do país, resultado das votações do dia 28/10/2018. No dia 29/10, um dia após a alegria de 55,13% da população de votantes, fomos o assunto principal de todos os telejornais matinais na Espanha, com direito a roda de debates, comentaristas políticos e econômicos, imagens de arquivo e muitos minutos de protagonismo, o que é artigo de luxo em se tratando de tempo televisual. Também fomos manchetes dos principais jornais impressos na Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Estados Unidos, entre outros, e respondemos a muitos links na internet como uma grande confirmação da onda ultraconservadora que submerge o mundo civilizado.

Civilizado, eu disse? Há controvérsias. Desde que Trump assumiu a liderança dos Estados Unidos com seu discurso xenófobo, misógino, armamentista e, muitas vezes, nonsense, a noção de civilidade está, mais que nunca, em questão. Bolsonaro, nosso Trump tupiniquim, nos colocou mais uma vez sob os holofotes da mídia jornalística mundial (menos no Japão, parece, onde não merecemos nenhum destaque por esses dias). Pelo mundo afora, o presidente eleito do Brasil é descrito como racista, misógino, machista, homofóbico, ultradireitista, ilusionista sem escrúpulos, ditatorial e até despreparado como político. Sua apologia às armas é destaque; a corrupção endêmica na cultura política brasileira e a violência amplamente disseminada e estrutural são apontadas como o leitmotiv aparente do resultado das eleições. Comentaristas de todas as televisões espanholas se perguntam qual é o plano de governo de Bolsonaro, comparam seu discurso eleitoral aos discursos nazi-fascistas e falam que a população brasileira está cindida entre a busca por segurança e estabilidade a qualquer custo e o desejo de momento inalcançável pela justiça social. Um consenso: o país foi incapaz de levar adiante a gestão eficiente dos seus populismos, concedendo vitória democrática a um populismo de direita capaz de negar a própria democracia.

Um passeio pelo mundo virtual das notícias nos serve de espelho para que encaremos nossa face decomposta publicamente. No dia 29/10, o telejornal Noticias de Jalisco, no México, informava: “eleito um presidente ditador no Brasil”. No mesmo dia, em El Economista, Espanha, Marcos Suárez Sipamann escreveu: “Brasil elige al ultraderechista Jair Bolsonaro: objetivo privatizar el sector público.” Sem necessidade de tradução, me parece. Na França, o Le Monde estampou que “« La démocratie vacille ». Au lendemain de l’élection du leader d’extrême droite brésilien, Jair Bolsonaro, les politiques français expriment leurs craintes face à la montée de « l’ombre brune ».” Ou, seja, a democracia vacila, os políticos franceses expressam seus temores frente à ascensão da “sombra escura”. No mesmo jornal e no mesmo dia, Nicolas Bourcier assinou um artigo intitulado Brésil : Bolsonaro, la victoire d’un illusionniste sans scrupule.” A vitória de um ilusionista sem escrúpulos. E o site informativo Vox, publicado por Vox Media, EUA, trouxe um artigo da autoria de Jen Kirby que salientava: “Corruption, fake news, and WhatsApp: how Bolsonaro won Brazil. (…) Bolsonaro, a Congress member and ex-military officer, started off his campaign as a fringe candidate from a fringe party who was mostly known for his streak of racist, misogynistic, and anti-LGBT remarks and for his professed fondness for the country’s brutal military dictatorship.” A saliência: um presidente eleito mais conhecido por sua série de comentários racistas, misóginos e anti-LGBT e por sua professa defesa da brutal ditadura militar do país.

Se fosse vergonha alheia, poderíamos virar a cara para o outro lado. Mas não é alheia, é nossa mesmo, genuinamente nacional e continuada. O canal do Youtube do Vox explica, sob os mesmos argumentos, “Why this far-right candidate won Brazil’s election” no link https://youtu.be/H1DXtQua074. E, no dia 30/10, mais notícias: El Economista, Espanha, por Carlos Malamud: “Bolsonaro, sin un plan para brasil. Finalmente ocurrió lo inevitable: Jair Bolsonaro ganó la elección y será el nuevo inquilino del Palacio de Planalto, sede de la presidencia brasileña. Huyendo de las definiciones, sin proponer un programa claro y sin presentarse a debatir con su adversario ni con la prensa, el impulso de la ola conservadora de las últimas tres semanas le bastó para lograr aquello que hasta a él mismo creía imposible dos años atrás.” Resumidamente, Bolsonaro, sem um plano para o Brasil, será o novo inquilino do Palácio do Planalto sem propor um programa claro e sem se apresentar ao debate com seu adversário ou com a imprensa. Ao final do artigo, o autor acrescenta que a tranqüilidade tardará a voltar ao Brasil, que poderia inclusive abandonar a liga das nações democráticas. Há também notícias nossas nessa direção em Portugal. O Expresso, de Portugal do dia 30/10, apresentou um artigo de Hélder Gomes dizendo: “Bolsonaro e Trump chegaram ao poder com discursos de ódio. Mesmo que eles próprios não passem das palavras aos atos, os seus apoiantes acabam por se sentir legitimados ao fazê-lo. Veja-se o caso da sinagoga de Pittsburgh no sábado ou do ataque em Charlottesville no ano passado. No Brasil, já se sente “o aumento da cultura do ódio”.

O que vai ocorrer a partir de agora é uma incógnita tão grande que poucos se arriscam a prognósticos mais detalhados, embora o panorama geral seja apresentado de maneira semelhante por todos, incluindo veículos de perfil mais voltado ao entretenimento. O Correio da Manhã, igualmente português, no dia 30/10 traz um artigo assinado por Domingos Grilo Serrinha e Cláudio Carvalho em que se lê: “Presidente Bolsonaro não terá vida fácil no congresso no Brasil. PSL tem apenas 52 dos 513 deputados e mesmo com apoios está longe da maioria numa câmara com 30 partidos.” Essa análise é compartilhada por jornalistas da Espanha, que dizem que Bolsonaro abrandará o discurso porque terá que compor para governar. O que seria uma mudança em relação ao discurso do eleito quando era candidato. Até mesmo El Intermedio, um programa de jornalismo político da TV espanhola La Sexta, semelhante ao nosso Greg News da HBO brasileira, tem sua versão do panorama brasileiro atual. No dia 29/10, o programa dedicou todo um quadro ao Brasil. Nele, apresentaram as ideias de Bolsonaro sobre segurança, educação e meio ambiente nas palavras do próprio presidente eleito. Para arrematar, o humorista e apresentador principal do programa, o Grand Wyoming, sublinhou as informações com o seguinte comentário: “Bolsonaro se converteu no mais odioso do Brasil desde “Ai, se eu te pego” , de Michel Teló. Tudo isso com um adereço de carnaval na cabeça e uma enorme bandeira brasileira como cenário de fundo.

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