A mídia em 2043
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A mídia em 2043

26 de novembro de 2018
A mídia em 2043

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As artes tem essa incrível capacidade de envolver nossos sentidos e nos transportar para muito além da realidade. Este fim de semana, por exemplo, tive a experiência de assistir um espetáculo de teatro em 2043. A viagem no tempo foi proporcionada pelo Grupo Clowns de Shakespeare, que completa agora 25 anos com uma programação que conta com uma série de espetáculos próprios e de grupos convidados.

O espetáculo começa na rua, mas é interrompido por um policial do futuro que não permite a apresentação por falta de autorização e pela falta de utilidade da própria arte – já que não constroi casas nem alimenta os corpos. Assim, precisamos nos refugiar num espaço clandestino de teatro, onde só entramos depois das orientações de sobrevivência, quando aprendemos que o teatro é uma atividade clandestina e que o espetáculo pode ser interrompido a qualquer momento. Antes de entrar na sala, ainda tivemos que tomar uma droga que impediria que o governo monitorasse nossas emoções por uma hora.

Acho que não funcionou bem comigo. Os humores variaram da tensão, da angústia ao riso e à vontade de resistir – e teriam sido facilmente detectados pelo repressores.

Ao final do espetáculo, um desafio: como seria a mídia brasileira em um futuro onde a democracia e os direitos já terão sido apagados até dos livros de história?

Spoiler: Provavelmente, não vai ser muito diferente da que já temos hoje.

Com implantes tecnológicos no corpo, poderemos expandir nossas capacidades mentais, conectando nossos cérebros diretamente à grande rede. Os implantes não serão obrigatórios, mas vai ser difícil encontrar quem escolheu não usar. Claro que pagaremos por isso, direta ou indiretamente, e ainda permitiremos que monitorem todas as nossas atividades, incluindo nossos pensamentos mais íntimos aos nossos flúidos corporais.

Em troca, teremos acesso a uma série de serviços que vão deixar nossas vidas muito mais simples e práticas, como o despertador fisiológico, que vai liberar os hormônios certos para que todos acordem na hora certa e com disposição para trabalhar. As atualizações do noticiário serão realizadas no caminho para a firma – tudo selecionado por robôs de acordo com os nossos interesses, hábitos, localização e capacidade financeira, claro.

Para evitar desinformação e “fake news”, as notícias serão enviadas apenas pelas empresas licenciadas pela autoridade máxima. E você terá toda a liberdade para ver as notícias do seu jeito: com o tema claro ou com o tema escuro. Você também poderá personalizar o apresentador do noticiário entre avatares de inteligência artificial – cor do cabelo, cor dos olhos, cor da pele – que não pode ser muito escura, para não afetar a credibilidade da informação. Também não será possível escolher mulheres, nem transgêneros – não vai dar para recriar a Maju Coutinho, a Renata Vasconcelos, nem a Pablo Vittar – que já terá ido longe demais.

Obviamente, as empresas de mídia terão toda a liberdade para produzir qualquer conteúdo, desde que obedeçam as normas de convivência social, como o respeito à propriedade privada, o pleno funcionamento dos meios de produção, o negociado sobre o legislado e o lema da nação: “Deus acima de tudo...” – ou sua versão mais popularizada “Bandido bom é bandido morto”. Ah, sim! Ia me esquecendo: novelas, seriados e filmes serão terminantemente proibidos, dada a inutilidade das artes e seu potencial desagregador.

O chip também poderá ser usado para monitorar nossos níveis de glicose, pressão arterial, colesterol, – claro que não é para o nosso bem. Empregadores poderão selecionar empregados com melhor saúde, além de demitir antes que qualquer doença atrapalhe a produtividade. Os provedores de serviços médicos, claro, poderão multar quem ultrapassar os níveis tolerados de glicose, além de recusar atendimento aos infartados que não controlaram o colesterol – E nem vai adiantar protestar, já que tudo isso estará previsto no termo de adesão que você terá assinado sem ler. A parte boa é que, se você cadastrar seu chip na farmácia e liberar seus dados para a indústria farmacêutica, terá ótimos descontos nos medicamentos.

Não, não se desespere ainda. Você ainda poderá resistir a isso tudo.

Vai ter um cara no Alecrim que vai saber hackear seu chip para acessar as notícias que um Rafael Duarte sexagenário vai postar por aqui.

;)

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