“Alcaçuz se tornou o case de uma encenação teatral”, afirma sociólogo  
Natal, RN 20 de abr 2024

“Alcaçuz se tornou o case de uma encenação teatral”, afirma sociólogo  

29 de novembro de 2018
“Alcaçuz se tornou o case de uma encenação teatral”, afirma sociólogo   

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É hora de assumir as responsabilidades. Para o professor da UAB/IFRN e FANEC, cientista social e especialista em Segurança Pública Francisco Augusto, o relatório Monitoramento de Recomendações: Massacres Prisionais dos Estados do Amazonas, do Rio Grande do Norte e de Roraima, divulgado quarta-feira (28) e que confirma torturas e uma série de violações aos direitos e à garantia da dignidade humana nos presídios de Alcaçuz e Rogério Coutinho Madruga (anexo a Alcaçuz, mas com gerenciamento próprio) é mais um alerta para o Governo e os órgãos de controle.

Mais um porque outros tantos já foram dados.

Augusto critica a postura do Governo do Estado, que nega os problemas constatados no relatório e não reconhece a existência de facções do crime organizado dentro dos presídios. Aliás, em resposta ao relatório divulgado quarta-feira, a secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc), que administra o sistema penitenciário do Rio Grande do Norte, emitiu nota afirmando que os presídios do Estado são exemplo para o Brasil.

Diferente do que boa parte da sociedade imagina, Francisco Augusto explica que a barbárie praticada nos presídios brasileiros têm consequências do lado de fora, com efeitos diretos sentidos pela população nas ruas das cidades.

Segundo o especialista em Segurança Pública, o sistema penitenciário do Rio Grande do Norte é uma bomba relógio que pode voltar a explodir a qualquer momento. E faz novo alerta: "é no momento de maior opressão que o oprimido se expande".

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Saiba Mais: Após acusação de tortura, Governo diz que penitenciárias do RN são exemplo para o Brasil

Confira a entrevista especial com Francisco Augusto:

Francisco Augusto é cientista social, professor do IFRN e especialista em Segurança Pública

Saiba Mais: O relatório aponta graves violações aos direitos e à dignidade humana, comparando Alcaçuz, inclusive, com torturas cometidas por soldados norte-americanos no Iraque. Que análise você faz do documento ?

Francisco Augusto: O relatório é um importante instrumento de materialização dos direitos humanos, faz uma comparação no âmbito nacional e internacional, mostra que violações são mais severas e que existem alternativas para que essas violações sejam reparadas. Uma coisa é que esse é o relatório mais recente, mas houve outros. E não percebemos nenhuma movimentação do Estado no sentido de garantir que as transformações necessárias contra essas violações sejam minimizadas e até excluídas. Apesar do caos na segurança pública e no sistema prisional não podemos justificar as práticas que ocorrem dentro dos presídios do RN. Qualquer Estado signatário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros tratados que versam sobre esse tema... qualquer Estado ficaria instável e sua gestão extremamente preocupada se descobrisse que dentro dos presídios essas práticas ocorrem. São práticas que se remetem aos campos de concentração nazista, ao período da ditadura militar. Então nós precisamos reparar esses erros porque nos dias de hoje é inadmissível que o sistema prisional tenha práticas de guerra. Essa é a importância do relatório, que vem com a materialização dos Direitos Humanos, uma questão sempre muito abstrata. As pessoas não sabem a quem recorrer, como recorrer e agora temos um instrumento de garantia dos direitos humanos. E são questões básicas como acesso à família, acesso à advogados, ampla defesa. Essa é a importância do documento. E além das violações, o relatório nos traz os autores responsáveis por essas violações, as pessoas e a instituições. Esse é um modelo de gestão extremamente ultrapassado, baseado no medo e no terror. E as pessoas precisam assumir a responsabilidade sobre as práticas que ocorrem nos presídios do Brasil, sobretudo aqui no Rio Grande do Norte.

Saiba Mais: Uma informação que chama a atenção no relatório é falta de interesse na atuação conjunta do Estado para resolver o problema de Alcaçuz, o que inclui Governo, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública. Você enxerga falta de interesse dos órgãos de controle ? 

Francisco Augusto: A gente percebe um grande desinteresse da parte deles em minimizar ou resolver os problemas. Existe um número de denúncias elevadíssimo feitos todos os anos, tanto pelo disque 100 como direto ao Ministério Público, Defensoria Pública... mas essas denúncias são arquivadas porque os agentes do Estado criam um processo burocrático muito grande que é incompatível com a realidade do processo prisional. As pessoas não podem se identificar. Por questões óbvias, se o parente for fazer uma denúncia, o apenado ligado a essa pessoa sofre tortura dentro do presídio. Então não pode se identificar, dar um endereço, não pode dar um telefone de contato. Então muitas vezes isso é justificativa para anular os tipos de denúncias que são realizadas. Mas existem denúncias de todo o tipo: tortura, superfaturamento... Agora recentemente a própria presidente do Sindicato admitiu que pratica a tortura, que não precisava de agentes federais no presídio para administrar a questão prisional. O próprio agente penitenciário é corrupto e vítima de corrupção. Então é importante que os órgãos de controle do Estado participem ativamente do processo de restauração do sistema prisional. Acontece é que a demanda do Estado é muito grande, mas não se pode culpar esse nível de negligência e utilizar como justificativa a falta de servidores, advogados públicos. Há denuncias que chegam e são diretamente arquivadas. Numa reunião em que estive presente na Defensoria Pública, os defensores relataram que nunca foram procurados pelas pessoas que perderam seus parentes para que peçam indenização. Então é preciso um pouco mais de sensibilização do Estado e articulação para que as pessoas saibam que podem contar com o Estado para reparar seus próprios erros. No senso comum as vítimas acreditam que as instituições colaboram com as violações e de fato é o que acontece: são vítimas indiretas porque diretamente sofre o apenado. E aqui fora sofre o parente que não tem acesso aos direitos. E são coisas simples: levar uma medicação, levar alimentação diferenciada.... e a gente percebe que isso é para um tipo de prisão porque os apenados de prestígio têm tratamento diferenciado. Então esse relatório é uma forma de repreensão a essas instituições porque não só aponta, como nomeia os responsáveis que não foram capazes de recuperar a situação nos últimos dois, três anos. Então é importante a construção de uma rede, acho que o próximo governo da Fátima Bezerra deve se preocupar com essa temática que é fundamental para a garantia da estabilidade, para sua própria governabilidade e popularidade, um tema sensível às pessoas e aceitar que tudo o que acontece dentro dos presídios repercute aqui fora também. A gente vê esse relatório, o que acontece nos presídios e fica se questionando porque os índices de criminalidade aqui fora são altíssimos. Se a gente não aceitar que há uma relação direta não vamos conseguir enfrentar esse problema. É uma monstruosidade, mas não é impossível porque existiam espaços, haviam territórios extremamente violentos que com enfrentamento apropriado foi possível minimizar e reduzir a quase zero o índice de criminalidade nas ruas.

Saiba Mais: Levando em conta o que você citou, tem uma parcela mais conservadora da sociedade que tende a acreditar que os maus tratos a presos ficam atrás das grades. Mas que consequências as torturas contra presos dentro de uma penitenciária disputada por facções do crime organizado podem gerar do lado de fora, para a população ?

Francisco Augusto: Existe uma relação direta do que acontece dentro e fora das prisões. A linguagem da prisão é a violência. Por isso é comum chamar as prisões de "universidade do crime". Porque dentro dela tudo vira moeda de troca e a solução se dá por meio da violência. A sociedade tem uma ideologia que supõe que presídio é um depósito que, por meio do sofrimento, as pessoas vão conseguir se recuperar. Isso é um mito de que as prisões ressocializam. Não existe em momento algum alguém que pague uma pena e pare para refletir sobre o crime que cometeu, ela é incapaz de fazer uma reavaliação. Os setores conservadores têm duas formas de perceber a prisão: a primeira é que por meio da negação de direitos a pessoa vai se recuperar. E a segunda é que a recuperação vai se dar por meio do sofrimento. Acreditam que sofrendo, as pessoas se restabelecem e conseguem entrar dentro dos padrões que são estabelecidos socialmente. A prática do sofrimento é antiga. A própria Bíblia demonstra o apedrejamento, inclusive Jesus Cristo foi julgado pelo povo. As pessoas escolheram o ladrão, e não Jesus. E ele foi cruxificado publicamente e as pessoas assistiram todo aquele sofrimento, a via-crucis. Aquele é só um exemplo de que em cada um de nós existe uma sede por vingança, por justiça, eu diria até uma sede por sangue. E que repercute diretamente no modelo de prisão que nós temos. Quando vamos estudar (Michel) Foucalt percebemos o nascimento da prisão. A prisão surgiu para tentar racionalizar a violência e até hoje não conseguiu tirar seu eixo central da violência. As prisões são depósitos de pessoas e elas têm perfil muito específico: são pobres, negros e pouco ou quase nada escolarizadas. E nesse processo são as que mais sofrem. Há um projeto informal de limpeza social, de punir os pobres para que eles saiam de circulação da sociedade. E isso legitima esse modelo de prisão com base na ideia de que a prisão é um local transformador. Não existe prisão que utiliza violência para melhorar as pessoas. Existe o comando das facções criminosas e dentro da facção a linguagem própria é a violência. Quando o Estado utiliza a barbárie para conter e disciplinar esses corpos e espíritos, automaticamente as pessoas utilizam aqui fora, dão como resposta a mesma violência que sofrem dentro da prisão. É como se fosse o reflexo. Quando a gente vai estudar o PCC, Comando Vermelho, as máfias italianas e os outros grupos organizados, a gente vê que toda violência organizada contra eles volta contra a a sociedade. A sociedade recebe em troca. A melhor forma de desorganizar essas fações é com inteligência, política, não é com força. A força é a linguagem deles. A ala conservadora da sociedade pensa que arrochando as leis, reduzindo a maioridade penal, a gente vai conseguir amedrontar e intimidar, mas não vai. Há uma relação direta porque as facções estão lá dentro e aqui fora. Quanto menos a gente fala desse problema, mais ele fica.

Saiba Mais: O Governo divulgou no primeiro semestre que após a reforma realizada depois do massacre de janeiro de 2017, Alcaçuz virou um case de sucesso. Qual impacto desse relatório na imagem de Alcaçuz e sobre a política penitenciária do Estado ?

Francisco Augusto: É a construção de uma peça publicitária que busca minimizar os impactos negativos das crises prisionais e da violência nas ruas de Natal e do Rio Grande do Norte. Que tenta minimizar a desastrosa imagem do governador Robinson Faria. Em plena crise ele se ausentou do Estado, foi a Brasília pedir ajuda. Ele precisava estar mais perto monitorando e tomando as decisões necessárias. Logo após o massacre de Alcaçuz, Robinson empossou um secretário extremamente midiático, que foi o (Walber) Virgulino (na verdade, o então secretário assumiu em maio de 2016), que fazia questão de bater na mesa, dizer que não tinha medo de ninguém, que ia colocar o sistema penitenciário em ordem, que seria a melhor estratégia. E a gente viu que caiu por terra construir uma peça publicitária sobre Alcaçuz porque está aí o relatório e outros relatórios que também vieram à tona para demonstrar que um dos piores presídios do Brasil é Alcaçuz. As violações são as piores, praticadas em momentos de guerra. Isso demonstra total incapacidade do Estado de gerir a questão prisional. A gestão Robinson Faria fracassou. Eu tentei contribuir, participei de audiências públicas, mas o Estado não esteve aberto para o diálogo. Ele (o governador) acreditava que agindo sozinho conseguiria dar conta. E agindo só ele vai precisar assumir as responsabilidades porque se você perceber não houve articulação com o Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas e ele preferiu agir sozinho. E nessas horas as responsabilidades são cobradas e a gente percebe todo mundo se esquivando. Alcaçuz se tornou um case de uma encenação teatral. O que foi exibido na campanha eleitoral, mostrado nas propagandas, tudo aquilo é mentira. Por trás daquele gramado, das paredes pintadas com cal existe tortura, fome, sofrimento... há relatos de problemas psiquiátricos de agentes penitenciários que são obrigados a torturar, pessoas jovens que ingressam na carreira da gestão prisional sem noção do que é o trabalho, pensando única e exclusivamente no salário, mas que não têm equilíbrio emocional para tal atividade. Recebi relatos recentemente de agentes que tentaram suicídio. A pessoa que aprende a torturar adoece mentalmente. O agente penitenciário não é preparado para a tortura, mas para a contenção de conflitos. Os relatórios nos mostram um raio-X.

Saiba Mais: É possível dizer, a partir deste relatório, que o Governo do RN institucionalizou a tortura para acabar com as rebeliões de Alcaçuz ?

Francisco Augusto: Há dois meses estive no presídio de segurança máxima de Mossoró conversando com o diretor de reabilitação sobre um relatório passado que havia sido divulgado pela Pastoral Carcerária. E ele ficou surpreso sobre as denúncias feitas em Alcaçuz. E me assegurou com segurança que nenhuma dessas práticas foi ensinada pelos agentes federais que estiveram no Estado na intervenção. A opção pela tortura foi após a saída dos agentes federais. O Estado lamentavelmente encontrou na tortura uma alternativa para a contenção dos presos. Há protocolos nacionais e internacionais garantidores da ordem, da paz e do bom convívio dentro dos presídios e a tortura é uma das coisas mais condenadas dentro dos presídios em todo o mundo. Mas o Estado institucionalizou a tortura de forma informal. É como o sociólogo Jessé Souza fala: "existem políticas informais que operam e tem muito mais resultado que as políticas formais". E é o que acontece com Alcaçuz. A tortura é uma política institucionalizada em Alcaçuz. Num vídeo, a presidente do Sindicato dos agentes penitenciários assumiu a prática da tortura, disse que já estavam preparados e que não estavam sujeitos aos agentes federais. Então é impossível construir um país mais seguro e equilibrado com esse tipo de prática dentro das nossas prisões. Se você quiser conhecer seu país, visite suas prisões. No Canadá existem 15 mil presos, lá as pessoas são tratadas como indivíduos, os apenados recebem assistência individualizada. A gente sabe que muita gente cometeu crimes muito graves, mas há pessoas que são capazes, com um bom processo de ressocialização, de retornar sua vida normal. E tem gente com prisão temporária que nem foi julgada, mas que já está pagando a pena.

Saiba Mais: O relatório também reforça indícios de que há mais mortos do que os 26 presos assassinados divulgados após a rebelião de Alcaçuz. Não está na hora do Estado vir a público fazer um mea culpa e reabrir investigações sobre os mortes e desaparecidos ?

Francisco Augusto: Sobre esse número, eu afirmo baseado nos relatos, relatórios divulgados pelo Governo, Itep, e mais depoimentos que conseguimos constatar que o número de mortes é muito maior. Esse relatório virou uma denúncia na Corte interamericana de Direitos Humanos e aponta essas violações feitas agora e outras, que incluem os mortos do massacre de Alcaçuz. Já chegou a hora do Estado assumir o compromisso, de abrir essa investigação. Na época tive uma reunião com o secretario de justiça e cidadania Walber Virgulino que me afirmou com certeza que todas as fossas foram abertas. Quando perguntei em quanto tempo, ele me respondeu que havia sido em uma tarde. Mas olha só. Segundo dados que tenho, existem 46 fossas em Alcaçuz. Então como é que você abre 46 fossas numa única tarde só com a ajuda de apenas um ou dois carros da CAERN para tirar o esgoto ? Então muitas pessoas foram mortas, queimadas, há relatos de canibalismo na prisão. E nenhum desses crimes foi investigado. E tem a responsabilidade por esse início da rebelião. Há informações que houve facilitação para esse acesso, mas o Estado preferiu tratar Alcaçuz como um caso de cinema. Do fundo do poço para um case de sucesso. O Estado precisa se responsabilizar porque essa história, com o tempo, será contada de uma forma ou de outra.

Saiba Mais: Em 2013, o então presidente do CNJ e do STF Joaquim Barbosa visitou Alcaçuz e falou em barbárie e em falta de respeito à dignidade humana. Na sua avaliação, por que Alcaçuz chegou a esse ponto ?

Francisco Augusto: Quando o Joaquim Barbosa visitou Alcaçuz, ele afirmou na época que foi o pior presídio em que ele já havia entrado na vida. Isso foi muito forte porque Alcaçuz foi construído como presídio modelo, que ia garantir a segurança máxima para os presos de maior perigo à sociedade. Alcaçuz na verdade foi uma peça publicitária, uma tentativa de popularização do governo Garibaldi (Alves). Quando as rebeliões no presídio João Chaves eram uma rotina, decidiram construir um presídio de segurança máxima, que foi um case de sucesso na época. Foi trabalhado publicitariamente como solução para questões das prisões no Rio Grande do Norte. Os presos tinham medo de ser transferidos. E tiraram a João Chaves do Caldeirão do Diabo na Zona Norte e transferiram para um território distante. Mas Alcaçuz foi tão mal planejado que não existe acesso para o presídio. Se houver uma fuga os carros precisam passar pelas estradas de barro, sem iluminação nenhuma. Alcaçuz foi um paliativo para o sistema prisional do Rio Grande do Norte, que demonstrou ser muito frágil ao longo de 20 anos. Chegamos a esse ponto porque só houve um planejamento político para tentar construir no imaginário social e coletivo que a questão prisional estava sendo solucionada. E eu já afirmo que apesar daquele massacre em 2017 haverá um novo massacre em breve porque Alcaçuz não reúne as questões essenciais para garantir a governabilidade de um espaço prisional. Não tem espaço para estudo, trabalho, atendimento de advogados, atendimento para família, na verdade é um depósito com algumas adaptações. Existe atendimento médico, mas não em lugar apropriado. As assistentes sociais não tem rotina de trabalho nem de relacionamento com familiares. Existe visita, mas não em lugares apropriados. Então nada é da forma correta. Existem sim protocolos de segurança que garantem a gestão das prisões. Se você puder visitar um presídio federal você vai ver como é distante a prática de um presídio que segue os protocolos de segurança. Há relações de privilégio entre apenados e agentes penitenciários, existe trabalho informal no presídio... os presos trabalham mas não tem a remissão de pena garantida... não tem acesso religioso porque o Estado interdita esse tipo de assistência garantido pela lei das execuções penais. Se não há garantia para estabelecer a ordem, então daqui a algum tempo essa massa carcerária vai se rebelar. E aquela rebelião não foi a primeira do mundo nem será a última. É importante saber os rumos que um presídio vai ter a partir da nova gestão da governadora Fátima Bezerra para que hajam novas práticas, para que os direitos sejam resguardados. Se você conversar com os presos, nenhum quer privilégio. Querem ter acesso aos filhos, às mães, aos advogados, querem tirar seus documentos, ter acesso a um juiz. Então é uma bomba relógio, a gente sabe que quando nada está funcionando por dentro, uma hora aquilo vai explodir. Além dessas demandas que o Estado não consegue administrar, existem as demandas internas das fações criminosas que dominam nossas penitenciárias e o Estado não enfrenta. Recentemente o secretário da Sejuc Mauro Albuquerque declarou que não existem facções criminosas dentro dos presídios. A negação das facções criminosas nos presídios de São Paulo fizeram com que elas se expandissem. Existe uma inteligência dentro da facções. Há estratégia de negócios, existe visão e missão. Cada facção é uma organização extremamente organizada que busca expansão territorial e comercial. Vemos o PCC querendo o monopólio da comercialização de drogas na América Latina . Então o Estado não pode fechar os olhos e dizer que isso não existe. É importante criar uma estratégia que monitore as fações. Uma organização criminosa é como uma empresa. Enquanto ela está vendendo um produto já está pensando em outros que podem agregar riqueza àquela empresa. Então ela não está trabalhando com um produto só. Tive oportunidade de conversar com o secretario e ofereci ajuda para criar um projeto dentro universidade, na FANEC, junto com alunos de Direito, Serviço Social, Tecnologia da Informação para construir um monitoramento das facções. Tivemos o pedido negado porque ele disse que o uso da força seria suficiente. Pouco tempo depois fui convidado pela universidade de Chicago, nos Estados Unidos, para fazer esse monitoramento e, embora não possa divulgar os dados da pesquisa no momento, posso dizer que as facções criminosas são organizações vivas, pujantes, estão fortemente nas comunidades e operam em todos os bairros de Natal. Então o Estado não pode fechar os olhos para isso. Essas organizações estão em constante expansão. Mas se os gestores dos presídios e da segurança pública se negam a aceitar que essas organizações comandam e ordenam a vida das pessoas nas comunidades nunca teremos uma vida melhor. E há uma proposta de transferir o monopólio da violência para o cidadão de bem. Então é o cidadão que vai garantir sua segurança? Não podemos esquecer que é no momento de maior opressão que o oprimido se expande.

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