OPINIÃO

Por que você devia ouvir Elliott Smith

Elliott Smith foi um homem de lugar nenhum. O próprio Nowhere Man, sentado em lugar nenhum, fazendo planos de lugar nenhum, pra ninguém. Não foi o mais famoso, o mais bonito, o dono da melhor voz, não vendeu milhões de discos. Mas, em um mundo perfeito, seria facilmente reconhecido por traduzir para a música, a beleza e a angústia do que não tem nome, do que é imperfeito.

Sua música parece trilha sonora de um filme em câmera lenta, como se a própria vida fosse em slow motion e tudo ganhasse mais intensidade. Os japoneses têm um termo para descrever a sensação de encontrar beleza no imperfeito, é o Wabi-Sabi. Não existe palavra correspondente em qualquer outro idioma.

Ouvir Elliott foi como ter certeza da incompletude do mundo. Aperto o play, fecho os olhos e imagino um cara de cabelo bagunçado e roupas velhas, sozinho, afundado em sentimentos que o sufocam e encontro beleza em suas canções.

É difícil falar do que falta. É difícil descrever a sensação de não pertencer a lugar nenhum, de estar constantemente quebrado. Não é tristeza. Eu realmente não sei o que é. Talvez em algum lugar do mundo exista um idioma que dê nome a esse sentimento.

Por ora, me contento em ouvir Elliott Smith. Esses dias percebi que algumas músicas tem uma agressividade muito singular. St. Ides Heaven é uma balada de 3 minutos, refrão marcante e versos hostis, de quem parece cansado de ouvir conselhos. Quem nunca se sentiu assim? Eu não acredito em um mundo sem agressividade. O ser humano é um “machucador” constante de si e do outro.

Assim também são os imperfeitos. Assim também é Elliott Smith. Sua voz é espelho de sua fragilidade, seu violão/guitarra é singelo como ele mesmo sempre foi. E é curioso que alguém de voz tão “pequena” tenha a usado para derramar sentimentos tão íntimos em suas palavras e melodias. E a música permanece, como quem deixa uma mensagem sem destinatário.

Eu ouço Elliott Smith como quem recebe uma carta dessas sem destino. E encontro a beleza incompleta que só é possível encontrar no mundo.

 

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Ana Clara Dantas é jornalista e escreve às sextas-feiras