Nos últimos anos as mulheres estiveram no centro de uma série de mobilizações políticas em todo o mundo. O caráter cada vez mais internacionalista de suas demandas (que rompe as fronteiras geográficas e sociais do patriarcado) e a força com que cresce a organização do movimento feminista tem indicado um cenário otimista para aquelas e aqueles que dedicam suas vidas à luta contra a desigualdade de gênero, mas também com um importante papel irradiado no combate à toda desigualdade social.
2018, portanto, não foi diferente e entrou para a rota do que algumas teóricas já consideram ser mundialmente uma “Terceira Onda do Feminismo”.
Vejamos a seguir uma breve retrospectiva de alguns dos principais eventos impulsionados pela luta das mulheres que marcaram este ano, com destaque para o que aconteceu no Brasil. “Se muito vale o já feito, mais vale o que será”.
Janeiro – “Women’s March”
No dia 21 de janeiro, as nossas companheiras norte-americanas construíram a segunda edição da histórica “Marcha das Mulheres”, que nasceu em 2017 e levou centenas de milhares às ruas para protestar contra a posse do misógino Donald Trump como presidente dos Estados Unidos. Em 2018, as mulheres seguiram se levantando contra a agenda ultraconservadora de Trump, além se somarem às denúncias dos numerosos casos de assédio no âmago da poderosa indústria cinematográfica do país.
Fevereiro – Carnaval
No Brasil, o mês de fevereiro é consagrado com uma das maiores manifestações culturais do mundo: o Carnaval. Em 2018 a efervescência da situação política nacional imprimiu elementos da política de maneira ainda mais direta nas festividades, expressos especialmente no desfile da escola de samba “Paraíso do Tuiuti”, que trouxe a tona o debate acerca da falsa liberdade ventilada pelos 130 anos da abolição da escravatura e a condição de marginalização das pessoas negras no país. Além disso, pipocaram campanhas contra o assédio e em defesa do direito ao corpo das mulheres.
Março – Dia Internacional das Mulheres e morte de Marielle Franco
Em Março, o Dia Internacional das Mulheres (08) seguiu reunindo um número expressivo de lutadoras no mundo inteiro em uma única voz por mais direitos. Na Espanha, houve uma importante greve geral de mulheres que teve amplo apoio dos principais movimentos sociais e sindicatos do país. Pouco depois (14), fomos surpreendidas no Brasil com a triste notícia do assassinato de Marielle Franco, vereadora no Rio de Janeiro pelo PSOL e ativista incansável pelos Direitos Humanos. Novamente, milhares de pessoas ocuparam as ruas em diversos países pedindo justiça para Marielle.
Abril – Acampamento Terra Livre: resistência das mulheres indígenas
O Acampamento Terra Livre, que acontece anualmente desde 2016, é um dos principais eventos nacionais do movimento indígena. Em 2018, com forte participação das mulheres indígenas, o Acampamento denunciou, entre outros desmontes, a desapropriação das terras dos povos originários por parte do governo federal, conduzido então por Michel Temer, e da bancada ruralista no Congresso.
Maio – Ocupações feministas no Chile
No Chile, maio foi o mês das "tomas" (ocupações) feministas. As chilenas colocaram na ordem do dia dos principais meios de comunicação as ocupações que ganharam as universidades contra os casos de assédio (que já superam a marca de 100 denúncias por ano) e a violência sexista no sistema de educação superior do país, exigindo reparações imediatas nos canais de denúncia internos e punição aos culpados, mas também avanços em todo debate estrutural e programático que envolve a educação no chilena.
Junho – Legalização do aborto na Câmara da Argentina e Copa do Mundo
Ainda na América Latina, foi a vez da Argentina aprovar na Câmara dos Deputados uma das principais pautas históricas do movimento feminista: a legalização do aborto. Pressionada pelas mobilizações das mulheres, a Câmara sinalizou positivamente uma vitória importante que abre janelas para o debate em outros países latino-americanos. Meses depois, a votação no Senado da Argentina não obteve o mesmo êxito, mas a luta de nossas hermanas certamente acumulou forças para um futuro próximo. Também em junho, a Copa do Mundo foi palco de discussões democráticas que colocaram em cheque a retrógrada legislação russa acerca dos direitos das mulheres e das pessoas LGBTs.
Julho – Marcha das Mulheres Negras e Liberdade de Ahed Tamini
A Marcha que aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro denunciou a precariedade das condições de vida das mulheres negras (que são acometidas gravemente pelo feminicídio) e teve como uma de suas principais reivindicações justiça pela morte de Marielle Franco. Ainda em julho, Ahed Tamimi, presa por oito meses depois de agredir um soldado de Israel, foi finalmente libertada. A jovem Tamimi se tornou um símbolo da resistência contra a ocupação de Israel nos territórios da Palestina e declarou no dia em que foi solta: “estou feliz, mas ficarei mais feliz quando todas as mulheres palestinas forem libertadas das prisões da ocupação israelense”.
Agosto – ADPF 442 e luta pela descriminalização do aborto no Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil promoveu em agosto uma audiência pública em torno do tema da descriminalização do aborto, em razão da ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) 442 protocolada pelo PSOL e pelo Instituto ANIS. A ADPF defende que a criminalização do aborto fere principalmente o direito à vida das mulheres brasileiras promulgado pela Constituição de 1988. A ADPF, ainda não tenha chegado às vias de fato de sua votação, representa um passo importante na luta pelos direitos reprodutivos das mulheres.
Setembro – Eleições no Brasil e movimento #EleNão
Em Setembro, o Brasil passou por uma campanha eleitoral que provocou grande impacto nos rumos da política do país. Se, por um lado, ganharam força importantes alternativas progressistas (especialmente para os cargos proporcionais), por outro, tivemos que enfrentar a ascenção do conservadorismo, liderado pelo então candidato presidenciável Jair Bolsonaro (PSL). No primeiro turno, a indignação das mulheres com a descarada misoginia do candidato forjou o principal ato de rua de toda eleição. O movimento #EleNão, que explodiu inicialmente nas redes sociais, irrompeu nas ruas de todo país no dia 29 de setembro e demonstrou, mais uma vez, a capacidade de mobilização da luta das mulheres.
Outubro – Vitórias e derrotas das eleições no Brasil
O segundo turno da campanha eleitoral no Brasil acirrou a polarização na situação política nacional. Em condições pouco democráticas (sem debate entre os candidatos e com o maior índice de abstenção desde as eleições de 1989, por exemplo), venceu nas urnas o projeto da direita, que ataca severamente os direitos das mulheres, das pessoas LGBTs, negras e toda a classe trabalhadora. Em contrapartida, tivemos vitórias de representantes imprescindíveis para a disputa que se avizinha, inclusive de uma forte bancada feminista no Congresso Nacional.
Novembro – Eleições nos Estados Unidos
No coração do capitalismo mundial, as fileiras de oposição a Donald Trump foram reforçadas pela eleição de Alexandria Ocasio-Cortez para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. De origem latina, Ocasio-Cortez, que costumava ser garçonete em um bar de Nova Iorque, desbancou nas eleições primárias de seu partido um forte representante do establishment e se tornou a mais jovem mulher congressista dos EUA com uma campanha em defesa das minorias políticas e pró-imigração e em uma eleição que teve um número recorde de mulheres competindo na disputa. Junto a Alexandria, ainda foram eleitas importantes mulheres indígenas, muçulmanas, latinas e negras.
Dezembro – Legalização do aborto na Irlanda
Fechamos 2018 com uma excelente notícia trazida pelos ventos europeus: o parlamento da Irlanda aprovou neste mês a legalização do aborto até a 12ª semana de gravidez. Em maio, um referendo popular atestou que cerca de 70% da população irlandesa aprova a legalização, mesmo se tratando de um país bastante conservador, que ainda contava com uma das legislações mais restritivas da Europa em torno do tema.