Os primeiros dias de 2019 nos mostraram que esse não será exatamente um ano fácil, tal como nunca foi para a classe trabalhadora. Muitos de nós puderam prever a letalidade das medidas que o governo Bolsonaro pudesse tomar, mas talvez não imaginássemos a rapidez com que seriam implementadas. 17 dias já foram suficientes para que uma verdadeira avalanche de retrocessos nos acometesse em áreas fundamentais (educação, segurança, economia, direitos humanos, etc.). O menino dos olhos do neofascismo não tardou em estalar o chicote nas costas do povo e anunciar para que veio e, sobretudo, a quem serve o seu governo.
Um show à parte do circo de horrores ficou por conta de Damares Alves, comandante do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Damares conseguiu neste primeiro momento ser a expressão mais legível do que o governo federal reserva às mulheres brasileiras. Tão logo o novo presidente foi empossado, uma série de declarações estapafúrdias da ministra somaram-se ao seu já extenso histórico de polêmicas. O que há de mais velho na política e nos costumes ressurgiu então sob as vestes dos disparates “meninas usam rosa, meninos usam azul” e “feministas não gostam de homens porque são feias”.
Declarações assim, triviais e pequenas na aparência, não só carregam consigo uma realidade de décadas de identidades genéricas impostas para homens e mulheres, bem como uma resposta reacionária (de onde o próprio Bolsonaro saiu) que nasce também da ascensão das lutas democráticas, das quais as mulheres e o movimento feminista tem sido linha de frente. Em outras palavras, são sintomas da gestação de um novo regime (nas palavras de Damares, uma nova era) que não esconde suas bases fundacionais: bebe tanto do autoritarismo, quanto da misoginia, da homofobia, do racismo e tudo que há de mais perverso para garantir que o chicote permaneça latejante.
Os mais conservadores acreditam que a nova mulher da era Bolsonaro seja, finalmente, o espelho de um passado em que o limite mãe/esposa não pudesse ser ultrapassado. Eu diria que essa mulher segue cada vez mais indomável, imparável e nada disposta a bancar o papel subserviente mais uma vez. Ela foi forjada pela primavera feminista que percorreu o mundo nos últimos anos e as duras condições da classe lhes empurraram para a luta.
Os que desejam aprofundar ainda mais o fosso entre nós e uma vida digna de direitos talvez também se surpreendam e não possam contar que – tomando emprestada uma expressão de Fernando Pessoa – até mesmo no apodrecimento há fermentação. À nova ordem ainda mais destrutiva uma nova mulher ainda mais combativa sendo fermentada. A minha aposta para 2019 é que o movimento feminista explodirá o modus operandi da política brasileira.