Como eu sou ingênuo!
Natal, RN 20 de abr 2024

Como eu sou ingênuo!

20 de janeiro de 2019
Como eu sou ingênuo!

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Quando a senadora Fátima Bezerra (PT), em quem sempre votei, ganhou a eleição para governadora do RN eu comecei a alimentar o sonho de ver o nosso esporte  tratado mais decentemente, e não de forma secundária, supérflua, como aconteceu em todos os governos anteriores. Claro, é cedo para qualquer crítica mais dura, mas o fato de não termos, ainda, um secretário executivo de esportes (e nem sei se teremos) depois de todos os outros escolhidos é motivo sim para o desabafo. Imaginei que o professor Lerson Fernandes, naturalmente, ocuparia o cargo para, com tempo e condições, promover a revolução que queríamos.

Conversamos, sonhamos juntos (conheço o professor Lerson Fernandes e confio, desde os tempos em que jogamos juntos no Independente de Edival Burro Preto, da Cidade Alta) e até participei de uma reunião de professores, acredito que, muitos deles, também acreditando que as coisas poderiam mudar. Viram? Como sou ingênuo.

Voltando muitos anos no tempo, levo vocês aos meus tempos de atleta profissional (joguei por muitos anos no Alecrim Futebol Clube). Lembro de todas as vezes que meu contrato acabava, e os dirigentes, neste período, se tornavam atenciosos, simpáticos, até amorosos quando me chamavam para tratar da renovação. Uma meia hora, pelo menos, era reservada aos elogios à minha garra, raça, futebol, entrega... e reforçavam que eu era patrimônio do clube, a cara do Alecrim e coisas do tipo. No fim, aliciado, enganado, sempre assinava por menos do que imaginava que merecia. E não passava um mês, perto dos campeonatos começarem, eles faziam as contratações que os colocavam na mídia. Chegavam as contratações de "medalhões" ganhando até dez vezes mais que eu. Para esses, os cartolas nem regateavam. E todos sabiam que, no final das contas, na hora do "pega", seria titular os jogadores da terra, pois esses "craques" de grande currículo, disponíveis no mercado,  vinham machucados ou somente para fazer turismo, aliás, como ainda hoje. Mas não pensem que eu ficava quieto, nunca. Era briga certa e feia. Mas como eu era ingênuo...

Lembro, com tristeza, e até uma certa revolta, de um treinador. Na verdade, um “conversador", pois de futebol ele não entendia nada. Esse cara, que conheci ainda nos meus tempos de Atheneu, se tornou pra mim uma espécie de espelho, quem eu gostaria de me tornar. Foi meu treinador, até me prejudicou, e muito, na carreira, me fazendo apenas marcador, quando eu tinha potencial de criação eu nem notava). Briguei por ele, defendi-o sempre e até me expus certa vez quando ele foi demitido do Alecrim. Concedi dura entrevista à imprensa atacando meus empregadores, defendendo-o. E olha que eu, 19 anos, só tinha esse emprego de jogador, ele já era independente, professor de vários colégios. Ainda profissional da bola, soube depois que, certa vez, treinando outro clube da cidade, grande também, o meu mestre "amigo", mesmo depois desse histórico todo acima, vetou minha contratação. Briguei com a pessoa que me narrou o fato, na época, não poderia acreditar. Passou o tempo. Eu, jornalista, independente, como sempre fui, continuei fazendo dele um treinador que, na verdade, nunca foi, defendendo-o e escrevendo  matérias destacando suas conquistas. Me tratava como velho amigo, abraços, tapinhas, conversas reservadas e tudo mais, até o dia em que o critiquei... uma vez, duas, três, por ele não dar chance à base, coisas que, estupidamente, eu testemunhava desde os primórdios, mas era o tempo que ainda estava cego e ficava alheio às reclamações, várias, de colegas da bola.  Sabe o que mais? Ele começou a dar entrevistas, sem citar meu nome, pois era caluniador e como tal, covarde, dizendo que eu fazia parte de uma “banda podre" da imprensa e que recebia dinheiro de um certo dirigente para falar mal dele. Viram? Sempre, sempre ingênuo.

E ainda teve minha amizade com um certo sujeito, promotor de eventos “beneficentes", e eu crente, absolutamente certo de que era meu amigão do peito. O cara só queria aparecer, passando para mim a imagem de defensor dos jogadores. Isso, acreditem, só enquanto esse dito atleta fosse famoso, quando o atleta virava ex e  caía no esquecimento dos holofotes da mídia, claro, ele nunca mais lembrava. Fui quase um assessor de imprensa desse camarada, até o dia em que descobri o quanto ele era falso e aproveitador.  Idiota ingênuo que fui uns bons anos.

No futebol, todos sabem minha bandeira pelas categorias de base. Os bons jogadores da terra, aqueles que acredito, defendo, elogio, faço, muitas vezes, não nego, lobby pesado para que joguem e tenham boas chances, até porque sei bem o que sofri. Um tempo atrás, surgiu no ABC a promessa real de craque. Vi sua qualidade de atacante e logo comecei a elogiar (do mesmo modo que sempre elogiei e defendi Rodriguinho, por exemplo). O tempo passou, o menino magricela ficou famoso e profissional de grandes clubes. Certa vez, no campo do ABC, depois de um treino, jogo, não lembro bem, ia saindo conversando na companhia de Souza, mito do América. O rapaz, de férias em Natal, encostado no seu carrão, olhou na nossa direção, abriu um sorriso para o colega Souzinha, o chamou para uma conversa particular e sequer me cumprimentou. Viram? Até os mais ingênuos e tolos tiravam partido de minha ingenuidade.

Se eu for enumerar, com nomes, datas, o número de pessoas do esporte que me enganaram e fizeram parceiro com seus projetos, atestados de idoneidade, amor ao esporte...um monte de dirigente de federação que eu era capaz de brigar defendendo o “amor" deles pelas modalidades que presidiam...vontade de rir.

Quantos pilantras me processariam se eu pudesse contar as histórias cabeludas, pois a maioria só pensava mesmo em se locupletar. Eles me elogiavam, muito, depois é que descobri o motivo: é que meus colegas da imprensa, que tinham, vamos dizer, a mesma influência que eu, não “trabalhavam" de graça e desinteressadamente. Claro, claro, existem, também, as exceções que, diria, nesse caso, como já são décadas vivendo o esporte,  nem são poucas. Tem gente de meu meio, desportistas, até jornalistas, que mereciam uma estátua de reconhecimento.

Por fim, vocês pensam que a gente muda? O ingênuo vai ser a vida toda. Só que, hoje, não me aproximo mais, fico de longe, ou pelo menos tento - treinadores, dirigentes de futebol profissional e outros esportes -, mas , às vezes, ainda cometo os mesmos erros, que não acho que seja, em defesa dos nossos abandonados meninos das bases, mesmo sabendo que quando famosos, e isso não importa mesmo, não vão lembrar das "batalhas" que travei por eles contra colegas da imprensa, torcedores e dirigentes. Encerrando esse meu texto de domingo, eu confesso, confesso abestalhado: sou tão ingênuo que  trabalhei, ajudei, defendi, acreditando que José Vanildo da Silva, presidente da FNF desde 2007 e  garantido até 2022,  faria uma grande gestão à frente de nosso futebol. Que ele seria diferente de Nilson Gomes, Pio Marinheiro e companhia. Viram? Como eu sou ingênuo!

As mais quentes do dia

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.