Os silêncios do capitalismo
Natal, RN 20 de abr 2024

Os silêncios do capitalismo

28 de janeiro de 2019
Os silêncios do capitalismo

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No twitter, Guilherme Boulos relembrou Eduardo Galeano: “Se a natureza fosse um banco, já teria sido salva”. Nem a natureza nem a vida de centenas de pessoas que viviam ao redor das minas de minério de ferro da Vale, em Brumadinho, foram salvas. Na televisão, um grupo de moradores busca parentes e vizinhos perdidos no meio da lama – dia e noite. Um deles, relembra que a produção de minério de ferro não para. As minas funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana, todos os dias do ano. A economia não pode parar.

As buscas aos possíveis sobreviventes, não!

Só acontecem de dia e graças aos bombeiros militares do estado de Minas Gerais – aqueles, sustentados pela “enorme” carga tributária de que tanto os executivos da Vale reclamam.

Che Guevara estava mesmo certo quando discursou na Organização das Nações Unidas em 1964. “O capitalismo é o genocida mais respeitado do mundo”.

Lá no Twitter de Guilherme Boulos, ele relembra o crime ambiental de Mariana – que contaminou todo o leito do Rio Doce, de Minas ao Espírito Santo, matou 19 pessoas no distrito de Bento Rodrigues e ainda deve matar outros pela contaminação – que muitos especialistas prometem ser inofensiva. Ninguém foi preso, as vítimas ainda buscam indenizações na justiça e das 68 multas aplicadas à Vale do Rio Doce somente uma foi cobrada da empresa – em suaves 59 prestações (assim, nem nas Casas Bahia).

Agora, pensem como um capitalista: vale a pena gastar milhões para recuperar as barragens de rejeitos, fazer a manutenção de sistemas de segurança e alarme, reduzir o impacto ambiental e social da atividade de mineração, garantir condições seguras e dignas de trabalho para todos os “colaboradores” da empresa?

Claro que não. Mesmo depois do rastro de morte e destruição deixados pela companhia, ela vai continuar sendo respeitada como grande capitalista, geradora de empregos e renda, grande pagadora (e também sonegadora?) de impostos. E que ainda financia projetos sociais, ações culturais e museus de Norte a Sul do país.

Na televisão, no rádio e na internet, poucos jornalistas (ou empresas jornalísticas) questionam a responsabilidade da Vale. A busca por culpados está focada nos gestores estaduais – que ainda por cima eram petistas até dezembro – e no Governo Federal – cujo mandatário-mor prometia nas eleições reduzir a fiscalização ambiental para garantir mais produtividade aos capitalistas.

Falar de má gestão em uma empresa privada ainda enfraquece o discurso das privatizações das empresas estatais, da necessidade de enxugar o estado, de acabar com a corrupção de estado (sem que ninguém lembre a corrupção privada – elemento fundamental do capitalismo). Sem falar que a Vale, assim como as grandes empresas capitalistas, são ótimos anunciantes em jornais impressos, revistas, rádio, televisão e internet.

Onde estava o jornalismo em Minas Gerais depois do desastre de Mariana? Por que não cobrou fiscalização em todas as barragens do estado? Onde estavam os repórteres na reunião no Conselho de Meio Ambiente que aprovou o licenciamento da barragem que estouraria cerca de um mês depois?

Jornalismo rebelde não agrada o respeitável capitalismo, que deixa de fornecer dinheiro para sustentar as coberturas. E assim, o jornalismo se cala aos desmandos do capital.

Pobres estudantes, que entram no curso de jornalismo para mudar o mundo. Na verdade, o jornalismo serve mesmo para garantir que o mundo continue do jeito que está. E cada vez pensamos menos nisso.

Vamos olhar para a mídia potiguar. Será que algum jornalista já foi atrás de saber se as mineradoras potiguares têm barragens semelhantes aqui no estado? Será que a população que vive no entorno das minas potiguares corre algum risco? E olha que as mineradoras que atuam por aqui nem são boas anunciantes na nossa mídia.

Grandes empresas como a Guararapes – e a Riachuelo e o Midway Mall – a Inframérica - que administra o aeroporto de Natal –, ou a Neoenergia – que comanda a Cosern – mal precisam se preocupar com a imprensa. Qual veículo vai pautar as violações dos direitos trabalhistas dos trabalhadores?

Até a queda de braços com o Ministério Público do Trabalho, ninguém sabia, pelos jornais, como funcionavam as facções contratadas pela Riachuelo no interior do Estado. E os jovens da periferia que são impedidos de entrar no Midway Mall por serem menores de idade, enquanto os menores de idade do Cei circulam livremente dentro do shopping? Quem apura as denúncias de cobrança irregular no pedágio do Aeroporto de Natal? E as demissões de funcionários antigos da Cosern? Será que são regulares?

Nada disso foi pauta na imprensa potiguar. Será que todas essas empresas funciona tão bem assim?

Cada vez que vejo um anúncio de página inteira num jornal impresso, vejo ali mais uma caixa preta que vai guardar os silêncios ensurdecedores da realidade capitalista, enquanto um jornalista começa o dia na redação reclamando que não tem pauta nesta cidade.

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