Feminicídio aumenta; mulheres já registraram 500 denúncias de agressão no RN
Natal, RN 24 de abr 2024

Feminicídio aumenta; mulheres já registraram 500 denúncias de agressão no RN

13 de maio de 2019
Feminicídio aumenta; mulheres já registraram 500 denúncias de agressão no RN

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*Nesta reportagem, nomes fictícios foram usados para preservar a identidade das vítimas.

Segundo dados do Observatório da Violência do Rio Grande do Norte, 11 mulheres morreram vítimas de feminicídio de janeiro até maio de 2019. O número é maior do que o registrado no ano passado, quando nove casos ocorreram, comparando com o mesmo período. Desde 2016, o número de mulheres assassinadas pela condição de gênero não aumentava no Estado. Apenas em 2015, o feminicídio foi incluído no rol de crimes hediondos, como estupro, latrocínio e genocídio.

O feminicídio também é o único crime de condutas violentas letais que não apresentou redução nos índices de homicídio. A maior queda aconteceu nos casos de latrocínios, o roubo seguido de morte, que diminuíram em 50%. Na sequência aparecem a lesão corporal seguida de morte (-41,3%), homicídios dolosos (-30,5%) e a intervenção policial (-6,5%). O número de femicídios, caracterizado pelo assassinato de mulheres em geral, também caiu. Foi de 38, em 2018, para 34, em 2019. Nos últimos cinco anos, o maior número de homicídios contra a mulher foi em 2017, quando 45 mulheres foram assassinadas.

As mulheres que mais denunciam os agressores têm entre 20 e 29 anos, são negras, estudantes e moradoras da Zona Oeste em Natal. Atualmente, Felipe Camarão é o bairro onde moram a maioria das violentadas.

Em 2018, a Justiça do Rio Grande do Norte produziu quase 4 mil sentenças de violência doméstica. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça,  11.261 casos ficaram pendentes de julgamento no Tribunal de Justiça do RN, um aumento de 13% em relação aos números de 2017, quando 9.932 casos ficaram na mesma situação.

Segundo a delegada Ana Paula Pinheiro, que atua na Delegacia Especializada em Defesa da Mulher, a delegacia da mulher é a que acumula os crimes que mais antecedem os registros de feminicídio, já que o agressor, em grande parte dos casos, já havia praticado algum outro tipo de conduta. Os demais crimes de feminicídio que não estão relacionados à violência doméstica são investigados pela Divisão Especializada em Homicídios e Proteção à Pessoa.

"Desde 2016, a DEAM assumiu a função de estar voltada aos procedimentos de violência doméstica, que é todo tipo de violência psicológica, moral, física, sexual e patrimonial que acontece dentro de casa", explica.

Delegada Ana Paula Pinheiro fala sobre atuação no DEAM

Mulheres já registraram mais de 500 boletins de ocorrência em 2019

Laura* foi violentada pelo irmão e teve a fechadura de casa trocada há cerca de duas semanas. Ela não soube precisar quantas vezes já veio à delegacia trazer atualizações da própria denúncia. "Foram muitas", garante. Dessa vez, trouxe capturas de tela de uma conversa no celular com fotos de um dos intimados a prestar esclarecimentos sobre o caso fazendo compras em um supermercado, apesar dele alegar não poder sair de casa para depor por questões de saúde. Como a delegada encarregada pelo caso está de férias, ela é informada que deve esperar por seu retorno e deixa a delegacia, nervosa.

"Tenho tido ataques de pânico e tenho medo de ficar sozinha. Também fui agredida pelo porteiro do condomínio, meu irmão falou pra ele não me deixar entrar lá", relata.

Ela é uma das 500 mulheres que registraram um boletim de ocorrência na DEAM somente em 2019. Desses, 111 foram feitos pelo policial civil Djair Oliveira, que atua na delegacia de proteção à mulher desde 2005. A maior quantidade de queixas registradas por ele durante o expediente foi de ameaça. Os outros tipos de ocorrências mais comuns são o de lesão corporal dolosa e de violência doméstica.

Na delegacia da mulher localizada no bairro da Ribeira, Djair explica que o processo começa com uma espécie de triagem, para que o tipo de violência sofrida seja identificada e registrada no boletim de ocorrência. Questionado se as mulheres se sentem à vontade para relatar suas histórias primeiro a um homem, o policial diz que algumas até o tem como preferência, embora também exista uma mulher que desempenha a mesma função e para onde podem ser encaminhadas as vítimas que não estiverem confortáveis.

Policial civil, Djair Oliveira atua em delegacias da mulher desde 2005.

Governo criou primeira delegacia 24 horas do Estado para atendimento à mulheres violentadas

Governadora Fátima Bezerra (PT) anunciou primeira delegacia de atendimento à mulher 24 horas no dia 8 de março

Em Natal, desde o dia 30 de março a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher da Zona Norte funciona em regime de plantão com atendimento 24h por dia, incluindo fins de semana e feriados. A ação é inédita no Rio Grande do Norte, já que nenhuma outra DEAM funciona nesse sistema.

"Estamos conseguindo garantir atendimento 24h para os casos de violência e estamos fortalecendo a rede de proteção dialogando com as demais pastas", comenta Arméli Brennand, que desde a semana passada é a primeira Secretária de Mulheres na história do Estado.

Segundo a promotora de Justiça aposentada, ainda não é possível ampliar o sistema de plantão para as outras delegacias por causa das restrições financeiras do Estado. O Governo do RN também criou um núcleo de combate ao feminicídio, ligado à DHPP.

"Mesmo antes da secretaria ser criada, nós já vínhamos dialogando com outras pastas, como a Secretaria de Segurança, para avaliarmos políticas voltadas para o segmento de gênero e fortalecer as políticas voltadas para as mulheres", explica.

No Rio Grande do Norte, além das duas delegacias em Natal já citadas na reportagem, também operam em defesa da mulher outras três: uma em Parnamirim, na região metropolitana de Natal; em Caicó, na região Seridó; e em Mossoró, no oeste potiguar.

Durante as três horas em que nossa equipe permaneceu na delegacia, apenas Laura* procurou a DEAM. Outros três acusados estiveram no local para serem ouvidos, além de um denunciado ter ido esclarecer a queixa feita pela ex-mulher, mesmo sem ainda ter sido notificado para depor.

Segundo o policial civil, as mulheres não precisam de provas para registrar queixa. Depois da denúncia, as vítimas também podem solicitar uma medida protetiva de afastamento do agressor.

"Essa medida procura defender a integridade física e o direito de ir e vir sem ser constrangida pelo agressor. As mulheres também podem solicitar espaço nas nossas casas de abrigo", pontua.

Caso o agressor ultrapasse a decisão judicial, a vítima deve ligar para o 190 ou 180 e informar a situação. Nesses casos, o acusado deverá ser preso de forma preventiva para assegurar que o processo penal ocorra de forma adequada.

Segundo a Lei, a delegacia tem 48h para encaminhar o relato ao juiz que, por sua vez, tem 48h para apreciar. Durante o processo, também são feitas diligências que a delegacia julgue necessárias. O procedimento acaba quando o juiz indicia ou não o acusado.

Quase 75% dos crimes são cometidos por arma de fogo

Audiência pública promovida pela Assembleia Legislativa em celebração dos 12 anos da lei Maria da Penha, em 2018

Conforme mostra um levantamento feito pela própria DEAM, a arma de fogo é o instrumento mais usado para atingir a vítima. São quase 75% dos boletins de ocorrência que registram o uso da arma na situação de violência doméstica, seguida de asfixia mecânica, arma branca, queimadura e espancamento. Na semana passada, o Presidente Jair Bolsonaro estendeu o porte de armas a outras 20 categorias.

"É preciso lembrar que toda morte decorrente da violência doméstica é caracterizada como feminicídio", diz o policial.

Um agravante comum na continuidade das queixas é a possibilidade de retirar a denúncia do agressor a qualquer momento, com exceção válida para o crime de lesão corporal. Segundo o delegado, a dependência emocional das mulheres tem sido o principal fator de desistência do processo. Ana*, de 20 anos, viu a mãe voltar atrás da denúncia por diversas vezes:

"Meu pai proibia que minha mãe saísse de casa sem ele, tivesse redes sociais, fizesse faculdade e trabalhasse fora dos negócios da família, além de ameaçá-la usando uma arma, caso ela pensasse em separação. Bateu nela diversas vezes e dormia com a empregada doméstica em casa. Minha mãe denunciava os abusos na delegacia e retirava a queixa quando a situação se estabilizava. Depois, era pior."

Na última denúncia, a própria delegacia convenceu a mulher violentada a manter a queixa, depois de vários retornos. Na época, o agressor chegou a ser condenado, mas pagou fiança. Depois, foi Também teve de fazer trabalho voluntário. "Não ficou preso nem um único dia", conta.

Canais de denúncia de violência contra a mulher

Disque 180 - Central de Atendimento à Mulher
Disque 190
Disque 100 - Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.

Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher da Zona Norte - 24 horas.
Av. João Medeiros Filho, Potengi, em frente ao nº 2.100

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