O exterminador de futuros
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O exterminador de futuros

16 de julho de 2019
O exterminador de futuros

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Vivemos um tempo de naturalização do absurdo. De retrocessos humanos e civilizacionais. É nesse contexto que o presidente do Brasil aparece como exterminador de futuros e nos faz questionar se teremos algum. Depois de décadas de grande esforço mundial para erradicar o trabalho infantil, que persiste no mundo, principalmente nas regiões mais pobres, o presidente brasileiro vem a público dizer que trabalho infantil não causa nenhum mal. E que ele teria trabalhado desde os 9 anos de idade, no que foi prontamente desmentido pelo próprio irmão. Poderíamos creditar essa declaração de Bolsonaro apenas à ignorância, não fizesse ela parte de um conjunto de declarações e medidas que levam nosso país a décadas de retrocesso.

A declaração de um presidente, por mais imbecil que seja, sempre tem muita repercussão. E depois da fala infeliz sobre a naturalidade do trabalho infantil, não faltaram depoimentos de “celebridades” atestando o quanto o “trabalho” na infância lhes fez bem. A deputada que vendeu brigadeiro para pagar aulas de tênis, o juiz que trabalhou numa loja da família e ganhava todo mês um salário mínimo, e por aí vai.

Essas pessoas não têm a menor noção do que é o trabalho infantil. O trabalho infantil é internacionalmente entendido como a atividade, onerosa ou não, inadequada ou nociva ao desenvolvimento pleno da criança e do adolescente. Conforme o marco jurídico do Brasil, o trabalho infantil é a atividade realizada pelas crianças e ou pelos adolescentes que estão abaixo da idade legal mínima permitida para figurarem como sujeitos da relação de emprego. A denominação trabalho infantil é um conceito negativo e que designa o trabalho degradante da condição humana da criança e do adolescente. Distingue-se assim entre o que é o trabalho infantil e o que é a Atividade Voluntária Educativa.

O trabalho infantil, também chamado de infantojuvenil, é o termo que serve para designar o trabalho nocivo, por se reportar à atividade prejudicial ao bem-estar e ao desenvolvimento das crianças e adolescentes. Não se trata de discutir aqui sobre o trabalho de caráter livre, cooperativo, educativo e socializador, como, por exemplo, aquele realizado pela criança ou adolescente em seu próprio lar, de forma não ostensiva, com a finalidade solidária de repartição igual e adequada das tarefas, sem afetar a sua integridade e sem comprometer negativamente a sua saúde, o tempo de estudo e de lazer. Ou seja, o que fazia a deputada que queria pagar aulas de tênis ou do ministro que ajudava na empresa da família, nada tem a ver com trabalho infantil.

O trabalho infantil a que muitas crianças e adolescentes são obrigados é o que deixa meninos e meninas com as mãos queimadas por ácido e perdem as digitais dos dedos no processo de quebra da castanha de caju, como mostrou uma reportagem do jornal Folha de São Paulo, ainda em 2013, no Rio Grande do Norte. Ele está relacionado à evasão escolar, à falta de alternativas e de futuro.

A proteção à infância é um dos direitos sociais garantidos na Constituição Federal e teve avanços importantes nesses 30 anos desde sua promulgação, no combate ao trabalho infantil. A exploração de mão de obra de crianças foi fortemente reduzida, enquanto o trabalho ilegal de adolescentes também virou alvo de ações governamentais. O novo desafio é manter o ritmo da queda, coisa que não vamos conseguir se depender das declarações do presidente.

Diz o artigo 6º da Constituição Federal: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

As infelizes declarações do Presidente da República são dignas de indignação de qualquer um que realmente defenda o direito à vida e dignidade do povo brasileiro. Num país com tamanha desigualdade é no mínimo absurdo e bizarro o Estado abrir mão da defesa do direito ao sonho, esperança e educação da juventude.

Quem realmente defende “Brasil acima de tudo” e preza pela soberania do nosso país sabe que não há soberania popular maior do que todas as crianças brasileiras terem casa pra morar, comida pra comer, escola pra estudar e sonho pra sonhar.

Lutamos para que o slogan “as crianças são o futuro do Brasil” não seja apenas discurso e sim realidade. Delas e de nossa luta depende se realmente teremos um futuro.

Pedro Gorki é estudante e presidente da UBES.

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