A Câmara Municipal aprovou um projeto que autoriza a prefeitura de Nata a construir um hospital numa Zona de Proteção Ambiental (ZPA). O município alega que o terreno não possui função ambiental. A decisão foi classificada por especialistas como sendo mais um ataque do chefe do Executivo ao Plano Diretor da Cidade, em desrespeito às leis do próprio município.
A construção do prédio próprio para o Hospital Municipal de Natal foi apresentada pelo prefeito Álvaro Dias como sendo uma das saídas para a falta na disponibilidade de leitos médicos na cidade. No entanto, o terreno no qual a prefeitura pretende levantar a unidade é caracterizado pelo Plano Diretor como sendo uma Zona de Proteção Ambiental, que se divide em áreas de preservação, conservação e uso restrito.
O projeto foi repassado para recolhimento de assinatura em caráter de urgência, somente com a informação que se destinava à construção de uma nova unidade hospitalar para o município. No entanto, ao analisar o texto, a vereadora Divaneide Basílio (PT) notou que o projeto tratava a sede como sendo a região da Zona de Proteção Ambiental 1, conforme delimitada pelo Plano Diretor da cidade. A área fica entre as áreas de Candelária, Pitimbu e Cidade Nova.
De acordo com a legislação ambiental de uso dos espaços urbanos, Zona de Proteção Ambiental é classificada como uma área na qual as características do meio físico restringem o uso e ocupação, visando a proteção, manutenção e recuperação dos aspectos ambientais, ecológicos, paisagísticos, históricos, arqueológicos, turísticos, culturais, arquitetônicos e científicos.
"A prefeitura alegou que nessa área não há mais função ambiental, pois tem pouca vegetação e está antropizada, ou seja ocupada pela presença humana, mas isso não é tão simples assim", explica a advogada Érica Guimarães, membro do Fórum do Direito à Cidade.
De acordo com a advogada, a proteção ambiental discutida não se refere apenas à vegetação ou a fauna porque a área se trata de uma zona de proteção ambiental caracterizada pela presença de um complexo de dunas, que é "fundamental para o abastecimento de água da população da cidade, pois garante a recarga do aquífero".
Emendas derrubadas
A votação se deu em caráter de urgência e em tempo recorde porque, segundo o prefeito, era necessário apressar para que não houvesse perda de verba. Entretanto, a legislação ambiental do município regula que projetos como esses devem, previamente, serem analisados por órgãos de consulta, como Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e pelo Conselho Municipal de Planejamento Urbano e Meio Ambiente (Complam), para "garantir a gestão democrática da cidade e o controle social dos cidadãos", explica a advogada.
A vereadora Divaneide Basílio (PT) chegou a apresentar quatro emendas para que a votação fosse feita nos ritos normais e assegurando toda a legalidade, de maneira a não haver nenhum dano socioambiental. As emendas apresentadas tinham como intenção apenas mudar o local da construção e promover a discussão nos conselhos competentes, mas foram negadas pela Casa.
Danos ambientais
Segundo Lucas Bullio e Erica Guimarães, o problema envolvido na construção do hospital não envolve somente as questões legais definidas a partir da legislação municipal. A região ainda apresenta problemas em relação à ausência de estrutura de saneamento básico, chegando até a ser recomendado pelo Ministério Público Estadual (MPE) que não fosse licenciada nenhuma edificação enquanto não houvesse conclusão do esgotamento.
Segundo o texto da proposta, somente a construção do hospital é prevista, não havendo nenhuma garantia de ampliação ou retomada das obras da rede de saneamento básico e nem outro projeto relacionado. "Não há rede de esgoto instalada nessa região ainda e a obra que está em andamento não tem data próxima para ficar pronta", explica Lucas Bullio, advogado e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil.
"Além disso, ao se permitir a construção de um hospital em cima de uma área de recarga de aquífero há o risco direto de contaminação química do lençol freático e isso é explicado pelos especialistas na área, como o Engenheiro Sanitarista Aldo Tinôco, uma referência nessa temática em Natal", explicam os advogados.
O MPE chegou a recomendar à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) que nenhuma construção fosse autorizada no entorno dessa região enquanto não fossem concluídas as obras de saneamento que ainda restam. O problema se dá pelo risco de contaminação do lençol freático da região pelos efluentes domésticos das fossas sépticas. "Enquanto a rede de esgoto não estiver efetivamente em operação, o funcionamento do hospital somente irá agravar a situação, intensificando, inclusive, com o despejo de efluentes químicos", denuncia a advogada e também membro da Comissão de Direito Humanos da OAB, Erica Guimarães.
Única região possível, diz prefeito
Conforme o projeto apresentado pelo prefeito Álvaro Dias, a região da zona ambiental foi defendida como a "única possível" para construção do hospital. O chefe do Executivo municipal e a equipe da Semurb justificam que a região não possui função ambiental por ser "dotada de pouca densidade de vegetação" e ter um trecho "ocupado por invasão", o que caracterizaria o processo de antropização no terreno propriamente dito e no entorno.
"A prefeitura e a maioria dos vereadores parece não se preocupar com esses riscos e modifica uma legislação que garantia um tratamento de conservação para uma determinada área para uso restrito. A dúvida que paira no ar é: se há outros terrenos de grande porte públicos na cidade, por que a prefeitura entendeu que só poderia construir o hospital nesse local?", questiona Guimarães.
O projeto ignora a existência de diversos estudos feitos por técnicos e profissionais até mesmo própria Semurb e pesquisadores sobre a existência de vazios urbanos em Natal. "São áreas públicas, abandonadas e localizadas em regiões da cidade com acesso a transporte público que poderiam ser utilizadas para a construção do hospital sem a necessidade de modificar uma lei para flexibilizar as regras de proteção ambiental", conclui a advogada.