Isolado, Bolsonaro contraria recomendações mundiais, despreza vidas e recebe críticas
Natal, RN 28 de mar 2024

Isolado, Bolsonaro contraria recomendações mundiais, despreza vidas e recebe críticas

25 de março de 2020
Isolado, Bolsonaro contraria recomendações mundiais, despreza vidas e recebe críticas

Ajude o Portal Saiba Mais a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

O presidente Jair Bolsonaro dobrou a aposta na crise que comprou para si com um novo pronunciamento, em cadeia obrigatória de rádio e TV. Nesta terça (24), mantendo o tom desafiador, o mandatário contrariou as recomendações da Organização Mundial da Saúde, as previsões de especialistas e do próprio Ministério da Saúde que comanda e a todas as medidas de emergência adotadas por vários outros países. O presidente voltou a minimizar os riscos da doença, que já matou mais de 19.000 pessoas pelo mundo e 46 no Brasil, criticou o pedido para que todos que possam fiquem em casa e voltou a fazer ataques à imprensa, prefeitos e governadores.

Se o presidente marcou pontos com seus apoiadores mais radicais, foi alvo, pelo oitavo dia consecutivo, de panelaços em ao menos dez capitais. Seu discurso provocou reações negativas de todos os setores, inclusive simpáticos ao governo. As críticas ao presidente estiveram entre os assuntos mais comentados do Twitter. As hashtag #ForaBolsonaro e #BolsonaroGenocida apareciam na noite desta terça como os dois assuntos mais comentados da rede social em todo o mundo.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), que testou positivo para a Covid-19, afirmou, em nota, que o país espera uma liderança “séria, responsável e comprometida com a saúde e a vida da população”. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), foi ao Twitter dizer que “o pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública”. E afirmou que “o momento exige que o governo federal reconheça o esforço de todos ―governadores, prefeitos e profissionais de saúde― e adote medidas objetivas de apoio emergencial para conter o vírus e aos empresários e empregados prejudicados pelo isolamento social”.

Os governadores, com quem o presidente vinha mantendo reuniões por videoconferência em busca de um consenso nacional, também criticaram o discurso. Para o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), o “pronunciamento de hoje mostra que há poucas esperanças de que Bolsonaro possa exercer com responsabilidade e eficiência a Presidência da República. Os danos são imprevisíveis e gravíssimos”, afirmou. “Em respeito às vidas dos maranhenses, bem como em sintonia com cientistas e profissionais da saúde, manterei no Maranhão todas as providências preventivas e de cuidado em face do Coronavírus.”

Já a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), procurou tranquilizar o povo potiguar. “Nós vamos continuar trabalhando firmemente no combate e prevenção do #coronavirus. Tanto é que hoje anunciamos um novo decreto com medidas mais duras no que diz respeito ao isolamento social. Para Fátima, o pronunciamento de Bolsonaro “vai na contramão de todas as medidas defendidas pelos Estados e municípios em sintonia com o Ministério da Saúde e pela própria sociedade!”.

Em nota, os secretários da Saúde dos estados do Nordeste reagiram ao pronunciamento de Bolsonaro. "Percebemos, sem espanto, os graves desencontros entre o pronunciamento do presidente e as diretrizes cotidianas do Ministério da Saúde. Esta fala atrapalha não só o ministro, mas a todos nós", afirmaram em nota.

A colunista Hildegard Angel, familiar de desaparecido político, classificou de “loucura” o pronunciamento. ”Politicamente é complicado o impedimento do Presidente, mas é possível interdição por motivo de saúde (mental), os sintomas parecem evidentes. Já houve um presidente do Brasil interditado por insanidade mental, Delfim Moreira, 10º presidente do país”, disse.

O escritor Leonardo Boff também se manifestou. “O pronunciamento de hoje a noite do @jairbolsonaro mostra que se opõe ao próprio Brasil e ao mundo. Há motivos mais que suficientes para ser inabilitado. Não tem a liderança necessária para este momento grave,contradizendo seus próprios ministros”, afirmou.

Sem citar o nome do presidente, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), escreveu em sua rede social. “A pandemia do #covid19 exige solidariedade e co-responsabilidade. A experiência internacional e as orientações da OMS na luta contra o vírus devem ser rigorosamente seguidas por nós. As agruras da crise, por mais árduas que sejam, não sustentam o luxo da insensatez. #FiqueEmCasa.”

Artistas também se posicionaram. A cantora Gretchen se mostrou indignada e afirmou que seus filhos e sua mãe não sairão de casa, continuarão em isolamento. “Que irresponsabilidade. Que loucura. Que INSANIDADE!!! CHOCADA E ASSUSTADA COM ESSE PRONUNCIAMENTO.”

O baterista do grupo Paralamas do Sucesso, João Barone fez referências históricas. “Nasci depois do presidente Jânio Quadros, um biruta, mas testemunhei Fernando Collor, um maluco ególatra. Só nunca imaginei ver um presidente tão destemperado e sem noção como o atual, o Brasil não merece um personagem execrável desse tipo numa hora tão crucial”, disse o músico.

Desde o início da crise do coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro tem batido na tecla de que é necessário blindar a economia. Nos diversos anúncios, a ênfase maior tem sido no socorro às empresas. Nesta segunda-feira, o Planalto teve o mais nítido termômetro de que não será tão fácil aplicar a receita. O Governo baixou medida provisória que previa suspender por quatro meses os salários dos trabalhadores, mas teve de recuar.

Menos de um mês depois da confirmação do primeiro caso de coronavírus no Brasil, a Covid-19 já deixa um rastro de 46 mortes no país, onde ao menos 2.201 pessoas já foram diagnosticados com a doença. Se os cálculos de especialistas estiverem corretos, há mais de 33.000 brasileiros infectados, levando em conta que para cada contaminado confirmado há 15 assintomáticos ou que sofrem da doença com sintomas leves, confundindo-a com a gripe.

Ainda assim, o país de 209 milhões de pessoas desencoraja a medida preventiva da quarentena, como outras nações têm feito. Enquanto chefes de Estado foram à TV fazer apelos dramáticos —Angela Merkel, por exemplo, disse ao povo alemão que o coronavírus é o "maior desafio desde a 2ª Guerra Mundial"— Bolsonaro chamou a Covid-19 de “gripezinha”, numa referência a um vídeo antigo, de janeiro, gravado pelo médico Drauzio Varella. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria, ou seria quando muito acometido por uma gripezinha. Ou um resfriadinho, como diz aquele famoso médico.”

O coronavírus avança no Brasil e governadores vinham apertando mais o cerco contra a doença e cobrando uma postura mais arrojada do governo federal em dar ênfase à gravidade da doença. Enquanto isso, o Ministério da Saúde, que ainda não se pronunciou a respeito do discurso de Bolsonaro em cadeia nacional de rádio e tv, aposta na capilaridade do SUS para conter a transmissão. Isso num contexto em que a pasta não consegue abraçar a testagem em massa para fechar o diagnóstico.

Se o conflito faz parte do cardápio típico dos Bolsonaro, a estratégia parece dar sinais de desgaste. Uma pesquisa da consultoria Atlas Político aponta que a crise com a Covid-19 teve reflexo na popularidade do presidente, que vinha em recuperação. A gestão de Jair Bolsonaro sobre o surto de coronavírus é reprovada por 64%, e 45% se dizem a favor do impeachment do presidente, que vem enfrentando uma onda de panelaços em diversas capitais desde o dia 17 de março.

Apoiar Saiba Mais

Pra quem deseja ajudar a fortalecer o debate público

QR Code

Ajude-nos a continuar produzindo jornalismo independente! Apoie com qualquer valor e faça parte dessa iniciativa.

Quero Apoiar

Este site utiliza cookies e solicita seus dados pessoais para melhorar sua experiência de navegação.