As histórias que eu não contaria aos meus netos – parte II
Natal, RN 20 de abr 2024

As histórias que eu não contaria aos meus netos - parte II

19 de abril de 2020
As histórias que eu não contaria aos meus netos - parte II

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Um querido amigo fotógrafo, trabalhamos juntos por 14 anos no Diário de Natal, quando eu cheguei lá ele já estava, o Eduardo Maia, me sacaneia, brinca repetindo uma história que ele falava, às gargalhadas, na redação. Dizia que nunca tinha conseguido me fotografar nos meus tempos de jogador de futebol, pois quando chegava no Machadão, tirava o material, mostrava a carteira, se dirigia ao gramado, eu já havia sido expulso. Não era bem assim, mas tem um fundo de verdade. O diabo da injustiça sempre me incomodou demais. E quem jogou em Força e Luz e Alecrim sabe bem do que estou falando.

Bom, vamos continuar a minha saga. Passando a fase de atleta da escolinha de futsal do América, com o querido mestre Olinto Galvão, vem o meu tempo de jogador do Atheneu Norte-rio-grandense. O time juvenil de futebol de campo, de 15 a 18 anos incompletos, não tinha treinador, era o grande Pecado, o Manoel Filgueira, querido, saudoso amigo comunista que escolhia, escalava e  comandava os alunos na formação da seleção para a disputa dos JERNs. Na verdade, a gente decidia tudo. Eu era um de seus jogadores preferidos. Ele não abria mão de "PPO", o seu camisa 10, junto com Demolidor, Naelson, Fredson Nambu, Barão, João Maria Caveira, Jorginho, entre outros colegas. Era um bom time.

Treinávamos no 17º GAC (que nós chamávamos de RO) no bairro de Santos Reis, no caminho para a praia. Lembro que o Alecrim, isso quando já era profissional, o zagueirão cearense Lúcio Sabiá brincava, zombava, ele dizia que "em Natal o errado é o certo e o certo, o errado" e citava o exemplo do RO, quartel do exército na praia, enquanto a Marinha, citando o quartel que, antigamente, era na Hermes da Fonseca, se localizava em terra. Era lá que, todos os domingos, estávamos cedinho no grupamento para o nosso único treino semanal.

Naquele domingo, do acontecido, o infantil do Atheneu também ia treinar no RO. O treinador, um boçal que era professor da ETFRN, na época, naquele ano, até de forma surpreendente, acho que obrigado, pois era lotado no Estado, estava dirigindo os meninos até 15 anos. Ele tinha acertado um amistoso e pedira a Pecado o espaço. Depois da meninada, o treino nosso, o juvenil, um pouco mais tarde, tudo normal. O professor 'famoso', fiquei até surpreso, me chama para apitar. Legal, aceitei. A partida começou. Em poucos minutos, gritos, o tal "educador" querendo me intimidar. Cada coisa que marcava contra seu time  esbravejava, chegou a vir à beira do campo fazer ameaça, mandando eu apitar direito. Inchei e me enchi. Quando ele berrou de lá, mais uma vez, dizendo que eu não sabia apitar "porra nenhuma", corri na sua direção, joguei o apito aos seus pés, mandando-o à puta que o pariu e que arranjasse outro para ele tentar mandar e "fazer o que ele queria".

O valentão veio de lá com tudo, eu devia ter 17 anos, o encarei, ele ia me bater, certeza, mas Pecado, magrinho, magrinho, coitado, que era lento, andava devagar devido à doença (teve tuberculose) veio de lá com tudo e rápido, tomou minha frente, peitou o valentão e mandou ele sair, se retirar e "levar o infantil dele, pois ali ele não treinava mais". O arrogante ainda quis inchar, reclamar, discutir, mas Pecado ameaçou chamar a guarnição, e o brabo se aquietou e foi embora furioso, cuspindo fogo pela boca e pelas ventas, como se diz. Afirmo uma coisa dessa história: deveria ter aproveitado daquele dia em diante, aprendido a lição, e nunca mais ter falado com aquele sujeito, mas...

Bom, do Atheneu eu pulo para o Força e Luz. Claro, não posso contar aos meus netos de jeito nenhum essas doideiras, ainda mais que Filipinho, dia desses, num treino de futsal do seu colégio, teve um comportamento parecido com o avô.

Outro PPO, não! Já escrevi muita história sobre meu Forcinha, Força e Luz, o primeiro time federado que joguei, onde conheci o meu "anjo protetor" Ranilson Cristino, que me tirou de apertos, me compreendeu, e perdoou inúmeras vezes.

Fui num peneirão do ABC, treinei cinco minutos, nem peguei na bola, era menino demais, mais de cem se submetendo a um processo seletivo injusto. Desisti. Depois de algum tempo, influenciado por amigos do bairro fiz minha carteira no Força e Luz. Lá era bom demais, nem precisa de peneira, a gente era inscrito e ia jogar. Lêdo engano. Passamos uns dois meses, eu e um amigo, sem sequer ter chance de ficar no banco de reservas, sobrávamos da lista. O time era a base de um Vênus da Cidade da Esperança, o treinador também, e só jogavam, claro, os meninos que ele já conhecia. No dia que eu ia desistir, tinha prometido que seria a última vez de Força e Luz, aconteceu um imprevisto, coisa do destino mesmo. O treinador e metade do time faltaram. Eles, do Vênus, sete ou oito atletas, viajaram já no sábado para uma "excursão" no interior, e até mesmo o treinador, deixando o Forcinha na mão. O goleiro Bastos, às pressas, indicado por Ranilson, seria o treinador naquele dia. Minha sorte. E ele me conhecia das peladas da Régulo Tinôco, onde o time profissional tinha uma sede, e eu era "piolho" dos treinos deles. Bastos, portanto, me botou de titular. "PPO, tudo corre muito, sabe jogar, vai de volante, não tem volante, vai?", perguntou. E eu quase grito: "vou!"

Que emoção. Resumindo, joguei, e  muito bem, não é mentira não. Vencemos a forte equipe do RAC, formada por fuzileiros navais de 3 a 0. Quase não dormi naquele dia de felicidade. Estreei bem, no JL dos meus sonhos...

No domingo seguinte o Força e Luz (vixe maria!) ia enfrentar o ABC, no Machadão. Gente, íamos jogar no Machadão. Passei a semana pensando, antevendo, sonhando, narrando jogadas, repetindo elogios que os comentarias me fariam... Naqueles bons tempos a meninada juvenil fazia a preliminar dos profissionais, quase todas. Chegou o momento esperado. Cheguei cedo, mas o vestiário já estava lotado, tinha mais de 20 meninos, vieram, naquele dia, todos os inscritos e, claro, a rapaziada do Vênus, da excursão. Quem não queria jogar no Machadão, casa cheia, preliminar de um jogo do ABC? O treinador, Deda, era o nome dele, também reapareceu. Peguei meu material, chuteira Ideal bem velhinha, quase sem solado, a mesma do jogo passado (se não tivesse sido rápido, nem ela), peguei o meião, tinha um buracozinho no calcanhar, tinha nada não, e o calção. Me vesti apressado e fiquei esperando a camisa. A hora da entrega do principal, a blusa novinha tricolor, parecida com o uniforme do São Paulo. O treinador diria os que entrariam jogando, titulares e os reservas. Deda, desconfiado (claro que ele sabia que eu tinha sido destaque no jogo passado) veio na minha direção e me deu uma camisa. No primeiro momento coloquei nas costas e não olhei, disfarcei para ninguém notar minha ansiedade, o número.

Quando o treineiro se virou e foi completando a distribuição, eu tirei do ombro e olhei esperando ver o número cinco, ou mesmo o número oito. Ele havia me dado a 15. Me levantei de um salto, bati no ombro dele e perguntei: vou ficar na reserva? Ele, sem falar nada, apenas balançou a cabeça confirmando. Na mesma hora, o sangue subiu à cabeça, tirei chuteira, meião, calção e joguei a camisa nos peitos do treinador. "Vá pá puta que o pariu que eu não vou ficar na reserva, o time jogou bem venceu e a recompensa é ficar no banco, fico não, pode ficar com seu time, pois eu não preciso dessa porra, vá se fuder..." disse isso, atropeladamente, furiosamente e fui saindo, vestindo a roupa apressado, quase chorando.

Naquele momento, bobalhão, só pensava na malhação que seria na turma da rua que tinha vindo em peso me ver jogar, alguns, claro, "secar". Mas, na porta, quando ia saindo, quem chega? Ranilson Cristino. Ele me vê apressado, pega no meu braço, e pergunta: "Vai pra onde, PP?". Furioso, com lágrimas nos olhos, disse que ia embora e que não aceitava de jeito nenhum mais ficar na reserva. Ranilson me mandou voltar, e falou em alto e bom som: "o time que vai jogar é o mesmo de sábado que foi lá no Juvenal Lamartine, quem não quiser ficar pode ir embora, e até você, Deda", falou, se dirigindo ao grupo e ao treinador.

Joguei de titular, e muito bem de novo, perdemos de 2 a 1, numa partida que foi dura. Normalmente, esses duelos terminavam em goleada. Feliz da vida, depois, fiquei sabendo que,  naquele dia, tinha recebido vários elogios de Rubens Lemos, o maior comentarista esportivo da cidade. E foi assim meu primeiro, de tantos entreveros, brigas, choros,  maquerenças, como diria meu irmão Edmundo, que viriam na minha passagem no Forcinha. A partir daquele dia, PPO era titular absoluto do Força e Luz e começou a ser cogitado até para jogar no profissional, vejam só.

Semana que vem tem mais.

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