As histórias que eu não contaria aos meus netos – Parte IV
Natal, RN 28 de mar 2024

As histórias que eu não contaria aos meus netos - Parte IV

17 de maio de 2020
As histórias que eu não contaria aos meus netos - Parte IV

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Caiu mais um ministro. O Nelson Teich ficou apenas 28 dias na pasta. Ainda, acho eu, tempo demais para suportar as idiotices e insanidades de um louco desvairado genocida presidente. Nesta mesma sexta-feira, em editorial, a Folha de S.Paulo chama Bolsonaro de estúpido, de cretino e pede sua queda. "Está em curso, isso sim, a completa e justificada desmoralização do governo nacional, a cada dia nublado pela mesquinharia e pela estupidez de Jair Bolsonaro", diz o jornal. Nas redes sociais, os dementes bolsominions repetem o seu mantra das "dezenas de ministros demitidos pela 'anta' Dilma e pelo 'pinguço' Lula" como justificativa por todos os absurdos que vivenciamos.

Triste Brasil, enquanto eu, cá no meu canto, em meio a essa crise louca que ameaça nossos empregos, reduz nossos salários e nossas esperanças, tento escrever, me manter fiel ao saibamais contando "as histórias que não contaria aos meus netos". Hoje me concentrei, tentei esquecer o coronavírus e as dificuldades, medos, incertezas  para narrar duas confusões ainda no começo de minha carreira de boleiro profissional. O dia em que tentei ser o cabeça de uma greve de jogadores com os salários em atraso; e minha quase briga com o maior craque da história de de nosso futebol, Alberi José Ferreira de Matos. Sim, Alberi jogou também pelo Alecrim!

Deixa eu começar pela greve. Fazia, creio, menos de um ano que estava de contrato assinado com o Alecrim Futebol Clube, estávamos em pleno Estadual de 1979. Naquela semana estava completando um mês e 45 dias que não recebíamos salários, somente vales, e no sábado, nem isso. O dirigente Joilson Santana ficou de comparecer à sede e fazer esse repasse que serviriam para aliviar as contas. Esperamos de 11 até às 14h (o treino foi de manhã) e nada, ele nem justificou a ausência. Eu, solteiro, morando com minha família, nem tinha tantos problemas financeiros, mas, indignado, resolvi tomar à frente e numa reunião rápida (sede situada à época no primeiro andar de um prédio da Avenida 6) convenci os colegas e ficou decidido que não iríamos domingo ao Machadão para a partida contra o Riachuelo.

Domingo em casa. Havia saído à noite, tomado algumas cocas na companhia de Ranilson Cristino que, a todo momento, me aconselhava a não faltar ao jogo. "Não sou covarde", respondia pra ele. Ranilson, experiente, afirmava, lembro até hoje: " só quem vai se prejudicar é você, eu conheço essa turma", eu teimava e firmava posição. O tempo passava lento, de tarde, já quase na hora marcada, agoniado, ligo o rádio, começo a escutar os repórteres indo aos vestiários para as primeiras entrevistas e informações. Nervoso, desliguei. A partida marcada para às 17h, claro, já teria começado, quando criei coragem para ver a repercussão da "greve". Para meu espanto, uma narração normal, achei que se tratava do campeonato carioca, me concentrei para escutar melhor. Não tive mais dúvidas, era mesmo Alecrim e Riachuelo. Incrédulo, indignado, fui escutando os nomes dos colegas que firmaram posição pela greve. Fiquei arrasado, desnorteado, imaginei que seria dispensado, já comecei a cogitar minha volta para o futebol de salão do América, claro, também lamentando a perda de meu bom salário, que estava atrasado, mas era considerável. Desliguei o rádio.

À noite, como fazia sempre, fui para a nossa esquina. A turma já estava toda lá. Assim que apontei me transformei no centro das atenções, todos queriam saber porque não fui jogar, comentavam as críticas de narradores, de comentaristas, enfim, meus amigos exageravam um pouco, mas foi grave. Fiquei sabendo que o Alecrim, para piorar, pensei naquele momento, havia perdido de 2 a 0, o que era certeza de crise. Segunda-feira. Logo cedo, toca o telefone, uma de minhas irmãs atende e me chama. Atendi. Era Assis de Paula, da Rádio Trairi que, na época, comandava o programa de maior audiência do rádio potiguar às segundas-feiras, à noite. Ele me convidava a participar do debate. Seria minha primeira aparição num programa ao vivo. A rádio funcionava, na época, numa casa grande, adaptada, na avenida Presidente Quaresma, como quem se dirige à Base Naval.

De noite, antes da hora marcada, estava lá. Muita gente na calçada. Incrível como o futebol era centro de atenções. Os outros convidados eram Rocha, centroavante, autor dos dois gols da vitória do Riachuelo, eu, o rebelde sem causa, e Joilson Santana, dirigente do Alecrim que, apesar dessa briga, depois, nos tornamos grandes amigos. Por incrível que possa parecer, estava tranquilo (como é bom quando você não tem responsabilidades maiores na vida). Bom, resumindo, foi fogo quente. Assis não poupava dirigentes, me questionou sobre a veracidade dos salários em atraso, gostou quando me viu assumir que havia tomado a iniciativa da greve, nem deu atenção ao Joilson,quando ele me chamou de "subversivo" e a galera, pendurada nas janelas escutando e vendo tudo, vibrou quando eu disse que ele "chamasse o exército", e isso em plena ditadura, começo do governo do último general, o João Batista Figueiredo.

Bom, encerrando, a torcida do Alecrim, pelo encaminhamento dado no programa, ficou quase toda do meu lado. As críticas à diretoria foram imensas e continuadas durante toda a semana. Bastos Santana, pai de Joilson, impediu que eu fosse punido e, naquela semana, para minha alegria e massagem de ego enormes, os salários dos atletas e os meus foram postos em dia. Realização total para um cara que, novo, iniciando a carreira, conquistava o respeito e ficava cheio de moral entre os colegas veteranos, alguns inclusive me pediram desculpas, alegando que ficaram com medo de ter seus contratos suspensos. Entendi, perdoei, a maioria tinha família, contas para pagar e tiveram receio. Fui reintegrado ao elenco, sem problemas, e no domingo seguinte vencemos o Ferroviário de 3 a 0, o time fazendo as pazes com a torcida e não se tocou mais no assunto.

PS: como me alonguei nessa história da greve, deixo a minha "briga" com Alberi para a semana que vem.
PS II: aproveitando a agência Saiba Mais aviso que tem vídeo novo a partir do meio dia deste domingo no IGTV do meu instagram, acessem @sinedinoedmo.  Conto a história do dia em que Bora Porra pensou, fizeram ele crer, que maldade!, que estava com Aids.

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