Carta aberta ao conselho estadual de Saúde do RN
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27 de junho de 2020
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Enquanto durar a pandemia ninguém pode fechar leito Covid

Prezados conselheiros:

Desde o início da epidemia, vinha trabalhando com a hipótese de que a Covid-19 iria recuar primeiro nos hospitais privados pelo fato de que ela se iniciou nos setores médios e privilegiados da nossa sociedade que a trouxeram da Europa e dos Estados Unidos. Nesses segmentos, a assistência à saúde é prestada pela rede privada.

Minha primeira hipótese se acrescentou de uma segunda, a de que, quando esse declínio da epidemia estivesse ocorrendo no setor privado da saúde, os leitos públicos estariam sendo pressionados por uma volumosa demanda de internamentos originada das periferias e do interior do estado, locais onde a epidemia chegou depois e iria embora por último.

Como o possível declínio da demanda dos setores médios produziria uma disponibilidade de leitos num momento de sobrecarga de demanda no setor público, eu, ao longo de todo esse período, monitorei, com atenção redobrada, a evolução da ocupação de leitos do setor privado.

Os dados dos Boletins Epidemiológicos do RN, publicados pela SESAP, mostram a seguinte evolução para os leitos clínicos privados:

Fonte: Rio Grande do Norte, Secretaria de Estado da Saúde Pública, Boletins Epidemiológicos do RN, Natal, Junho de 2020; disponível em https://portalcovid19.saude.rn.gov.br/medidas/boletinsepidemiologicos/

Como vemos, entre os dias 17 e 26 de junho, dez dias, o setor privado desmobilizou nada menos do que 65 leitos clínicos. Se mantiver essa tendência, em mais cinco dias terá desmobilizado 100 leitos.

Esse quantitativo de leitos desmobilizados, segundo os números do RegulaRN de hoje, permitiria absorver a totalidade dos pacientes com indicação de internamento em leito clínico que estão em fila de espera nas UPAs e pronto-socorros do RN e totalizavam 41 pacientes.

Porém, e é importante entender esse fenômeno, o que a redução dos leitos clínicos antecipa é a o declínio também da ocupação dos leitos ditos críticos (UTI e semi-intensivos), o que, embora ainda não tenha sido registrado pelos Boletins epidemiológicos, ocorrerá brevemente.

Peço a atenção para a seguinte dinâmica epidêmica: nos setores médios o declínio da epidemia deveria mostrar a sua face inicialmente no movimento ambulatorial. Isto não somente já se iniciou como é processo muito avançado que se reconfirma a cada dia nas policlínicas privadas. Recentemente a própria UNIMED divulgou vídeo onde sinaliza a redução do movimento Covid em sua rede. Ao mesmo tempo em que diminuem os pacientes Covid no ambulatório, caem também, por efeito imediato, os internamentos em leitos clínicos que são os de primeira retaguarda ambulatorial.

Essa onda de choque chegará, mas ainda não chegou, aos leitos críticos, ou seja, aos leitos semi-intensivos e de UTI. Por que ainda não chegou? Porque o internamento médio de um paciente Covid-19 em UTI dura 15 dias, o que significa que ele é o último elo que nos liga a um momento anterior da epidemia. Os pacientes em UTI são, por assim dizer, o testemunho de uma dinâmica epidêmica de 10 a 15 dias passados.

Quando desocuparem esses leitos críticos, a demanda originada dos leitos clínicos e do movimento ambulatorial, será muito menor, o que condicionará também uma redução da ocupação desses leitos de UTI e semi-intensivos e a sua consequente desmobilização se a autoridade sanitária não definir normas.

Quero acrescentar a isso, que os leitos Covid dos hospitais privados deixaram o registro do seu financiamento, ou seja, quanto custaram às operadoras de saúde (Unimed, Hapvida, Amil, bancos e seguradoras) e por quanto foi viável mantê-los em funcionamento.

Esse parâmetro é também importante para que, em nenhum caso, o leito cuja desmobilização tiver sido impedida pela Autoridade Sanitária, venha a ser contratado pelo setor público por preço superior ao que foi praticado pelo setor privado.

Conclamo, portanto, o Conselho Estadual de Saúde, com a autoridade sanitária de que está imbuído e complementarmente os Conselhos Municipais de Saúde dos municípios que têm hospitais privados com leitos Covid abertos, como Natal e Mossoró, que determinem que nenhum leito Covid possa ser fechado ou desmobilizado durante a pandemia sem a devida autorização da Autoridade Sanitária estadual, sob a qual recai a responsabilidade pela Regulação de leitos covid.

Esses leitos desmobilizados, cujas autorizações de desmobilização tiverem sido negadas deverão ser contratados pelo Poder Público por valores nunca superiores aos que foram praticados pelo setor privado assegurando internamento digno para o nosso povo.

Conclamo a Sociedade Civil e o Ministério Público estadual e federal para acompanharem essa matéria e que envidem todos os esforços para assegurar que o direito à vida, direito sobre o qual todos os outros se assentam, não seja enxovalhado no Rio Grande!

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