Campanha política, uma piada ? – Parte 2
Natal, RN 29 de mar 2024

Campanha política, uma piada ? - Parte 2

29 de outubro de 2020
Campanha política, uma piada ? - Parte 2

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Enquanto o Chile nos dá uma grande lição sobre democracia e direitos civis, aqui no Brasil seguimos com nossa disputa político-partidária para eleger “novos representantes” nas prefeituras e câmaras de vereadores dos 5 570 municípios do país.

Assim, as campanhas eleitorais seguem a todo o vapor e eu também prossigo me dedicando ao que pode decorrer disso em termos de uma discursividade em particular: o humor.

Amig@s e alun@s enviam-me vários casos que ilustram a relação entre humor e política, nos mais diversos gêneros: memes, charges, vídeos-paródia etc. O episódio escatológico envolvendo o senador e vice-líder do governo Chico Rodrigues (DEM-RR), por exemplo, rendeu uma infinidade de textos explorando trocadilhos, duplos sentidos e ambiguidades em geral. Acredito que isso se deve ao fato de que, além de ser trágico, o episódio é também cômico e sugere várias possibilidades humorísticas.

É partindo desse mote – a política – que me pego a pensar em diferenças entre o cômico e o humorístico. Sigmund Freud tratou disso no livro traduzido em português como Os chistes e sua relação com o inconsciente: o cômico é de ordem puramente subjetiva, o que se atrela a duas pessoas em cena: uma que parece risível para uma outra que ri; já o humorístico, ligado ao chiste, implica um exercício consciente e calculada de evocação do cômico, implicando, por sua vez, três pessoas: uma risível, uma que ri e também uma terceira pessoa que estrategicamente evoca essa comicidade.

Para ilustrar essa distinção, vou tomar como exemplo uma das crônicas que encontro no volume 2 do livro “Só rindo”, de Carlos Santos (Mossoró, Sarau das Letras, 2011). Subintitulado “a política do bom humor do palanque aos bastidores”, a história que reproduzo a seguir permite distinguir comicidade de humor, mas adianto que só será capaz de compreender o “gatilho” do texto quem conhecer previamente as figuras (e mais, as aparências físicas) dos nomes citados:

Os trapalhões

A publicitária Ana Cláudia Matos atravessa apressadamente uma sala da agência de propaganda do empresário João Ururahy. A tiracolo leva uma criança de pouco mais de quatro anos de idade, sua filha, para acompanhá-la em seu trabalho na empresa.

No trajeto, sentidos atentos, a criança fixa o olhar numa imensa fotografia reproduzida à parede, como um grande painel, onde aparecem o presidente Tancredo Neves, governador Geraldo Melo, o próprio Ururahy e outro personagem.

Sem pestanejar, a menina “identifica” seus ídolos da comédia na televisão e cinema:

– Olha “Os Trapalhões”, mãe!

De modo geral, pode-se dizer que a comicidade do episódio reside na atitude da criança que equivocada e inocentemente se confunde inocentemente entre personagens políticas e personagens humorísticas (aqueles que criam estrategicamente o risível, como os comediantes referidos ou o próprio autor do livro em que a história foi compilada e que explora a comparação cômica).

E é nessa esteira que se pode dizer que certos candidatos dessa temporada eleitoral se mostram cômicos e risíveis (e ridículos) sem que obrigatoriamente tenham planejado isso. Mas há também aqueles que francamente se “esforçam” por parecer “engraçados”, tentando agir cômica e humoristicamente para talvez assim conquistar a atenção do público e angariar votos (sim, tem gente que age pela tentativa de “inculcação” de um número e legenda).

Em Teresina, por exemplo, o candidato a vereador Quem Quem faz uma parodia de Michael Jackson, com direito à imitação da clássica dancinha de “Thriller”. Antes, porém, a tática foi de se apresentar como “super-herói”:

https://www.youtube.com/watch?v=bMC0A9I_7tk

Isso sem falar na quantidade de candidatos que já apelam para o humor e comicidade por meio de nomes bizarros como Alceu Dispor ou ainda Wolverine:

(disponível aqui )

Não é de hoje que a política e o humor se relacionam intimamente, de modo que nem dá para distinguir mais o que é cômico e o que é humorístico. Observando esses candidatos e suas propostas, penso que até mesmo Sérgio Porto, celebrizado pelo pseudônimo Stanislaw Ponte Preta e autor de Febeapá – Festival de Besteira que Assola o País, certamente iria se surpreender.

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