Com medidas restritivas mais brandas, RN pode enfrentar cenário semelhante ao de Manaus em seu pior momento
Em um ano, a covid-19 matou no Rio Grande do Norte o equivalente a oito anos de doenças infecciosas e parasitárias. O novo coronavírus também matou duas vezes mais do que as doenças isquêmicas no ano de 2019 e é a doença que mais matou pessoas no Brasil em 2020. Os dados foram apresentados durante a coletiva de imprensa do Governo do Estado com pesquisadores que fazem parte do Comitê Científico, que fizeram uma espécie de diagnóstico da atual situação do estado na pandemia da covid-19.
O RN enfrenta um terceiro pico maior que o primeiro e sem sinal de baixa. Já são quase 180 mil casos (179.824) e mais de 3 mil óbitos (3.857) provocadas por covid-19. O estado apresenta curvas parecidas com a de outros estados, que também nunca conseguiram baixar os índices da doença. Em fevereiro, o número de casos voltou a subir passando de uma média semanal de 250 para 986 novas infecções por dia, sem qualquer indicativo de baixa, o que foi considerado muito grave pelos cientistas.
“Imagine o acúmulo disso, porque o paciente de covid-19 precisa de assistência médica por muito tempo. A cada dia mil pessoas novas entrando no sistema, temos o colapso da rede assistencial”, adverte Ângelo Roncalli, epidemiologista e membro do Comitê Científico.
O secretário de saúde, Cipriano Maia, lembrou que esse é um dos momentos mais graves da pandemia, e que as medidas restritivas previstas até o dia 17, podem ser estendidas por mais tempo, caso a média de infecções não baixe.
“Adotar medidas mais rígidas, como as que estão previstas no decreto estadual, é o que estão fazendo em outros países e estados. Por isso, o toque de recolher é importante, para evitar aglomerações onde há consumo de bebidas alcóolicas, que possam induzir a um comportamento de desrespeito às regras de distanciamento”, defendeu Cipriano.
Roncalli também alertou para o cenário atual da pandemia no mundo com mais 118 milhões de doentes e dois milhões de mortes, estando o Brasil em 2º lugar em número de óbitos e o 3º em número de casos. Ele também apresentou, em nome do Comitê Científico, o Indicador Composto, uma nova forma de avaliar a pandemia não apenas pelo número de casos e óbitos, mas levando em conta nove varáveis. Com ele, cada município poderá ser classificado conforme a gravidade da situação que esteja enfrentado de acordo com uma cartela de cores que vai do verde ao vermelho, numa gradação crescente.
Legenda para o Indicador Composto:
1: Situação confortável
2:Inspira cuidados
3: Grave
4: Mais grave
5: Gravíssima, com todas as varáveis acima do esperado.
A maioria dos municípios do Rio Grande do Norte estão entre o amarelo e o verde. Dois municípios enfrentam a pior situação possível e nenhum município da região metropolitana está na situação verde. Pau dos Ferros e São José de Mipibu, são as cidades que apresentam situação um pouco melhor.
Um ano depois da pandemia, os pesquisadores também fizeram um inquérito sorológico. O levantamento mostrou que a cada um paciente, dois não foram detectados. E as pessoas mais vulneráveis e com menor poder aquisitivo foram as mais infectadas. Também chamou a atenção a quantidade de crianças entre zero e nove anos que tiveram covid-19 no estado, assim como os índices da doença entre pessoas que fizeram ou não o isolamento social. Entre aqueles que seguiram restrições mais rígidas, 7% teve covid, já entre aqueles que não adotaram medidas de isolamento, a incidência do novo coronavírus foi de 12,7%.
Os pesquisadores do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (Lais/UFRN), também revelaram que a mortalidade nos leitos de UTI em todo o estado chega a ser de 70% e que o RN tem hoje, o dobro de pacientes que tinha na metade do ano passado, com o agravante de lidarmos agora com a falta de vagas em, praticamente, todos os hospitais.
“Por isso, só abrir leito não resolve. É preciso evitar as internações, claro que é preciso garantir a assistência médica às pessoas, mas ter mais leitos de UTI mão significa que o paciente vá sobreviver. O importante é parar a transmissibilidade, por isso as medidas restritivas são importantes para evitar o contágio. A demanda de pacientes exige muitos insumos, o que a longo prazo, é inviável. É importante lembrar que o SUS está concorrendo com hospitais privados por esses insumos”, argumenta Ricardo Valentim, membro do departamento de Engenharia Biomédica e Coordenador do Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde (LAIS)/UFRN.
Valentim também estima que o RN passe da média de 30 óbitos diários nos próximos dias, que devem vir da região metropolitana de Natal, onde há maior número de pacientes internados em UTI e na fila de espera.
“Se houver aglomeração agora, o cenário que enfrentamos agora pode ser ainda maior, algo com o que não estamos acostumados a ver, que foi o que houve em Manaus. A divergência entre decretos não pode acontecer e seguir as medidas mais rígidas é o que deve prevalecer”, aconselhou Ricardo Valentim, numa clara alusão à decisão da Prefeitura de Natal em publicar um decreto divergente e menos restritivo do que o que foi publicado pelo Governo do estado, que prevê toque de recolher a partir das 20 horas, entre outras medidas.