O lado B do Brics
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O lado B do Brics

24 de março de 2021
O lado B do Brics

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Desde a segunda metade do século 20, alguns países asiáticos, africanos e latino-americanos – a maioria ex-colônias de países centro-europeus no século 19 – tentam construir uma cooperação internacional. Mas, até a primeira década do século 21 os resultados dessa união de esforços foram lentos e desencontrados.

No entanto, essa cooperação favoreceu a inclusão de outros países na reivindicação do seu lugar no sistema multilateral (quando vários países têm poder de decisão), instigados pelo confronto com o poder unilateral dos países centro-europeus e, depois da Segunda Guerra, também contra os EUA.

Até meados da década de 1990 era comum o uso de uma nomenclatura para identificar os países de “primeiro mundo” (desenvolvidos/ricos), de “segundo mundo” (países neutros/bloco socialista) e de “terceiro mundo” (em desenvolvimento/pobres). Isto já indicava o tamanho das desigualdades civis, políticas, econômicas, sociais, ambientais e culturais entre si.

Na primeira década deste século, precisamente em 2006, os ministros das Relações Exteriores do Brasil, Rússia, Índia e China reuniram-se na Organização das Nações Unidas com o propósito de cooperar, no sentido de resolver os problemas comuns de seus países, os mais populosos do mundo.

No ano de 2009, em grande parte graças ao apoio brasileiro, essa reunião passou a ter o grande vulto que a acompanha até os dias atuais. Além da participação de um país latino-americano (Brasil), europeu (Rússia), dois asiáticos (Índia e China), o bloco integrou um país africano em 2010, a África do Sul (South Africa). Assim, formou-se o BRICS.

Dez anos mais tarde, na atualidade temos um quadro muito diferente no que tange à participação do Brasil no BRICS. É possível dizer que o Brasil passou a atuar como um lado B do BRICS a partir de 2019, quando desceu do posto de potência emergente para ser a colocação de país menos competitivo em trabalho, tecnologia e inovação, segundo dados da Confederação Nacional de Indústrias (CNI).

Recentemente, a pandemia de Covid-19 agravou os problemas econômicos e sociais brasileiros. O ataque ideológico de cunho negacionista à ciência, direcionado às instituições públicas e privadas científicas brasileiras, veio acompanhado de redução do financiamento da pesquisa na área da Saúde e extinção de bolsas de pesquisa CNPq e CAPES.

Em setembro do ano passado, alguns países ricos começaram a comprar antecipadamente às empresas biofarmacêuticas a quantidade de vacinas já disponíveis, a fim de imunizar a sua população. As pesquisas e o desenvolvimento das vacinas, entretanto, dependem em grande medida da produção que acontece nos países do BRICS.

Em novembro, a 12ª cúpula do BRICS aprovou na Declaração de Moscou que os países trabalhariam em cooperação para a prevenção, contenção e interrupção da transmissão de Covid-19. No entanto, por afinidades ideológicas ao então Presidente dos EUA, Donald Trump, o Brasil já havia sabotado as relações diplomáticas com a China. Por idiossincrasias ideológicas, o país deixou de negociar a tempo com a Índia a compra do imunizante.

O fato é que dentre as vinte vacinas existentes hoje, a China produz pelo menos seis, a Rússia produz duas e a Índia outras duas. De fato, esses três países tornarem-se nações emergentes que desenvolvem seus próprios imunizantes. A África do Sul e o Brasil ainda não criaram sua própria vacina. É de se estranhar a posição do Brasil quanto a isso, pois em 2017 o país era uma referência mundial na pesquisa biofarmacêutica latino-americana com as pesquisas do Instituto Biomanguinhos/Fiocruz e do Instituto Burantã).

Na prática, a decadência do Brasil no BRICS começou em fins 2013, com uma sucessão de fatos políticos que levaram a uma instabilidade econômico-financeira que agora afeta o investimento na ciência. Em 2020 o Brasil investiu R$ 3,7 bilhões em financiamentos à pesquisa científica na saúde. Três anos antes o investimento havia sido de R$ 41,2 bilhões, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Estima-se que em 2021 este patamar esteja ainda mais abaixo, em R$ 2,8 bilhões.

Em resumo, o alinhamento dos países em desenvolvimento/emergentes aparentemente tem se tornado uma realidade, pautada no multilateralismo e na cooperação entre os países do BRICS. Porém, o Brasil andou para trás, demolindo a escada que construía desde 2006. De modo que o Brasil atual é o lado B do BRICS, no pior sentido da expressão.

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