Médicos recusam laudo de obesidade para vacinação contra covid-19 e militantes organizam mutirão
O IMC (Índice de Massa Corpórea) de alguém pode ser conhecido por meio da divisão do peso pelo quadrado da altura. Muitos sites disponibilizam a calculadora da taxa que define se a pessoa está desnutrida, tem peso médio ou está obesa.
Mas a comunicadora e militante antigordofobia Cecília Oliveira denunciou nas redes sociais a dificuldade que enfrentou para um conseguir um laudo que atestasse o que é visível, sua obesidade. Ela precisava do documento para se vacinar contra a covid-19.
Entre os grupos prioritários para imunização estão as pessoas com IMC maior ou igual a 40, que caracteriza obesidade tipo 3, grave ou mórbida. Mas para ter direito à vacina, é preciso apresentar laudo, relatório médico, declaração ou prontuário que conste peso e altura.
“Eu tive que lidar com um sistema gordofóbico pra poder conseguir ter meu direito assistido. Eu achava que seria fácil, porém, ledo engano”, disse em vídeo gravado para o seu perfil no Instagram, após cinco tentativas e finalmente ter recebido a primeira dose da Astrazeneca/ Oxford, na UBS de Emaús, em Parnamirim.
Cecília procurou inicialmente o seu clínico geral, que pediu exames para avaliar a condição geral de saúde, mas ao solicitar a declaração atestando que tem IMC maior que 40, ele demorou a dar resposta.
Angustiada porque se aproximava a vacinação do seu grupo, ela decidiu procurar a unidade básica de saúde do seu bairro, que estava sem atendimento médico.
“Faltava um dia pra começar minha etapa de vacinação. Foi batendo o desespero, porque a gente ainda tem a possibilidade de faltar vacina. Aí marquei consulta com outro clínico geral e durante e disse qual era a minha motivação, falei do meu peso, da minha altura, da minha condição de saúde. Ele se negou a dar. Disse que só o endocrinologista poderia”, contou.
Cecí Oliveira, tentou então marcar com um especialista, que teria vaga apenas na semana seguinte, seis dias depois de iniciada a vacinação para sua idade/comorbidade.
“Estou falando de um lugar de privilégio, de quem tem acesso a informação, de quem tem plano de saúde. É um direito que a gente tem, mas o sistema gordofóbico tem impossibilitado. E estamos falando de uma questão de vida ou morte. Como você dificulta o acesso ao direito à vida, ao direito à vacina?”, reclamou.
Na quinta tentativa, ela conseguiu. Ligou para um médico que lhe atendeu no mesmo dia. Mas Cecí disse decepcionada que enquanto esse endócrino assinava o documento perguntou se ela queria fazer cirurgia bariátrica, de redução do estômago.
“Tudo é indicação de bariátrica para a pessoa gorda. Mas aí eu disse a ele que eu amava meu corpo, não tinha nenhum problema de saúde e não precisava de bariátrica. Peguei aquele documento e fui-me embora. E desde então, choro. Chorei com o documento em mãos, chorei quando cheguei em casa, chorei na fila da vacina, chorei durante a vacina [na terça-feira, 25], chorei depois, chorei postando foto. Foi tanto choro, que eu tô até meio desidratada”, brincou.
A comunicadora denunciou ainda que não é a primeira vez que se depara com o preconceito e, com base no que vive, assegura que não será a última: “A cada consulta e tratativa em busca do meu laudo eu tinha que me preparar mentalmente para lidar com uma gordofobia médica eminente. É tão violento, que isso afasta as pessoas gordas do acesso à saúde, que é um direito básico, e deveríamos ser tratados de forma humanizada, como qualquer outro paciente. O que temos visto a nível local e nacional é uma dificuldade de acesso e mais uma vez, uma negação de direito”.
O primeiro médico, aquele que Cecília já conhecia, lhe enviou o laudo 10 dias depois, quando já estava vacinada, com um erro.
“Ainda veio errado, configurando assim um caso de negligência. Ele colocou uma alteração metabólica como CID que não é válida como prioridade da vacina. Então, eu teria chegado com este laudo no ponto de vacinação e não teria tido acesso à vacina”, lamentou a paciente.
Ação para gordos e gordas
Cecília Oliveira conta que, além do vídeo-denúncia, se juntou ao Movimento Fora do Padrão para articular um mutirão de laudos para que mais pessoas gordas possam se vacinar. A ação é inspirada numa iniciativa da militante cearense Carol Zaaca, que, junto com médicos, conseguiu garantir o direito a mais de 100 pessoas.
“A ideia é que as pessoas preencham o formulário para que a gente levante o quantitativo real de pessoas que ainda não conseguiram seus lados aqui em Natal e Parnamirim e possa articular a logística. Nos próximos dias, nós marcaremos a ação presencial para pesar, medir, calcular o IMC e fazer o laudo na hora, dessa forma a gente garante que não haverá fraude”, detalhou.
Há um movimento nacional. O perfil do Saúde sem Gordofobia compartilha as informações.
No RN+ VACINA, observou que apenas 16 pessoas, entre 86 cadastradas na plataforma com IMC maior ou igual a 40 se vacinaram em Natal e Parnamirim. “Fica a pergunta: porque essas pessoas ainda não foram se vacinar? É por falta de laudo?”, questionou.