“A democracia no Brasil é um processo em constante crise”, afirma curador do Festival Goiamum Audiovisual
Natal, RN 16 de abr 2024

"A democracia no Brasil é um processo em constante crise", afirma curador do Festival Goiamum Audiovisual

9 de agosto de 2021

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Com a democracia sob constante ameaça, o Festival Goiamum Audiovisual será realizado neste ano de 2021, em sua 10ª edição, com o tema “Cinema é Política”, em formato virtual.

A programação se estende de 16 a 20 de agosto e conta com um bate-papo online “Cinema contra o autoritarismo: ontem e hoje”, transmitido pelo Youtube do Goiamum, e a mostra “Cinema de Contestação”, formada por oito filmes brasileiros dos diretores Andrea Tonacci, Eryck Rocha, Thiago Mendonça, Adirley Queirós, exibidos na plataforma Embaúba Play, e também pela SPCINE, no caso dos filmes de Tonacci.

O evento é promovido pela Casa de Produção, com direção de Keila Sena e a curadoria da mostra é do diretor, crítico e roteirista Thiago B. Mendonça, paulista que estreia parceria com o Rio Grande do Norte, e também mediará o debate.

O bate-papo será realizado no dia 18 de agosto, às 20h, no canal do Goiamum no Youtube e aproxima os realizadores contemporâneos Cristina Amaral, Adirley Queirós, Eryck Rocha, que possuem suas produções liga-das de alguma forma ao cinema de contestação, realizado nos anos 1960 e 1970, pensando o lugar do cinema na reflexão do passado e do presente.

Thiago, que também é bacharel em Ciências Sociais e mestrando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA – USP, explica que a ideia inicial foi estabelecer diálogo sobre cinema e ditadura, mas que o grupo organizador concluiu que seria mais interessante neste momento apresentar filmes contemporâneos que refletem sobre o autoritarismo no presente e as heranças do período ditatorial.

“Neste momento em que os militares voltaram ao poder e ameaçam a democracia cotidianamente, chantageando os demais poderes e a população civil com repetidas ameaças de golpe de Estado, é fundamental debater sobre o autoritarismo brasileiro. A democracia entre nós, como escreveu no passado Sérgio Buarque de Hollanda, nunca passou de um mal-entendido. Ela é estruturada em bases frágeis e é um processo em constante crise. A eleição de Bolsonaro talvez marque o fim da Nova República, marcada pela constituição cidadã de 1988”.

Thiago Mendonça, cineasta

Thiago Mendonça é cineasta e se debruça sobre a relação do cinema com o autoritarismo / foto: cedida

Da programação

Dois filmes do cineasta italiano naturalizado brasileiro Andrea Tonacci integram a mostra de contestação.

“Blá Blá Blá” (1968) mergulha nas relações de poder e crise política por meio da história de um ditador (Paulo Gracindo), que em um momento de grave crise nacional, confrontado na cidade e no campo por revoltas e guerrilha, na busca de uma paz ilusória, faz um longo pronunciamento pela televisão. Ambos os filmes de Andrea Tonacci serão exibidos exclusiva-mente pela plataforma streaming da SPCINE.

O segundo é “Serras da Desordem” (2006), que acompanha a história de Carapiru, um indígena nômade que após escapar do massacre de seu grupo familiar, em 1977, perambula sozinho pelas serras do Brasil central. Dez anos depois, é capturado a 2 mil quilômetros de seu ponto de partida. Levado para Brasília pelo sertanista Sydney Possuelo, torna-se manchete nacional e centro de polêmica criada por antropólogos e linguistas quanto à sua origem e identidade.

Thiago Mendonça classifica a obra como um marco:

“É uma das obras do cinema brasileiro mais importantes deste século e que apontava de forma pioneira as continuidades da ditadura no período de redemocratização. Neste sentido, ele se aproxima muito de “Edna”, o mais belo filme brasileiro que assisti em 2021, dirigido por Eryk Rocha.”

Eryk é filho de Glauber Rocha. “Edna”, presente no Goiamum, apresenta uma personagem que vive à beira da rodovia Transbrasiliana, na Amazônia brasileira e passa a ser testemunha de uma terra em ruínas construída sobre massacres. Criada apenas pela mãe, vivencia no corpo e em seus descendentes as marcas de uma guerra que, segundo ela, nunca acabou. Esse filme terá dias e horários específicos para exibição, no período de 17/8 a partir das 12h até às 12h do dia 19/8, na plataforma Embaúba Play.

O curador da mostra também apresenta seu filme “Jovens Infelizes ou um Homem que Grita não é um urso que dança” (2016), que narra a história de artistas que tentam construir uma consciência revolucionária. De acordo com Thiago, o trabalho foi rodado em 2014 e exibido pela primeira vez na Mostra de Cinema de Tiradentes de 2016, onde recebeu o prêmio de melhor filme. O roteirista lembra que foi “justamente no ano em que um golpe travestido de impeachment tirava a presidenta Dilma do poder”.

“Hoje sabemos que os militares que hoje nos governam participaram intensamente desta conspiração, em conluio com parlamentares, juízes e parte da imprensa. O filme em 2014 intuía a ascensão da extrema-direita, mas não nestes moldes grotescos. Mas em 2014 Bolsonaro já fazia ilegalmente campanhas pelos quartéis brasileiros, com o apoio das altas patentes militares. Naquele momento eu não tinha ideia de que Bolsonaro fosse uma alternativa para a direita”.

Continua a programação, “Procura-se Irenice” (2016), de Marco Escrivão e Thiago B. Mendonça. Essa produção faz um resgate de uma personagem silenciada. Uma atleta esquecida, cuja história foi apagada pela ditadura.

Também integra a seleção “A Guerra dos Gibis”, de Thiago B. Mendonça e Rafael Terpins. Nos anos 60 surge uma criativa produção de quadrinhos eróticos no Brasil. Mas a censura conspirava para seu fim. Satã, Chico de Ogum, Beto Sonhador, Maria Erótica e outros personagens unem-se aos quadrinistas nesta batalha contra a ditadura neste documentário onde a pior ficção é a realidade.

“A Cidade é Uma Só”, de Adirley Queirós, reflete sobre os 50 anos de Brasília, tendo como foco a discussão sobre o processo permanente de exclusão territorial e social que uma parcela considerável da população do Distrito Federal e do Entorno sofre, e de como essas pessoas restabelecem a ordem social através do cotidiano. O ponto de partida dessa reflexão é a chamada Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), que, em 1971, removeu os barracos que ocupavam os arredores da então jovem Brasília. Tendo a Ceilândia como referência histórica, os personagens do filme vivem e presenciam as mudanças da cidade.

No mesmo cenário ficcional, porém em 1959, Adirley Queirós apresenta “Era uma Vez Brasília” (2017), sobre o intergalático WA4 que ao ser preso por fazer um loteamento ilegal e é lançado no espaço, recebe uma missão: vir para a Terra e matar o presidente da República, Juscelino Kubitschek, no dia da inauguração de Brasília. Esse filme ficará disponível por 24 horas na plataforma da Embaúba: de 17/08 a partir das 12h até às 12h do dia 18/08.

O evento tem patrocínios governamental, por meio da Lei Aldir Blanc e de empresas locais.

SERVIÇO | Festival Goiamum Audiovisual - 10ª edição

16 a 20 de agosto, virtual, com programação de mostras exibidas pela plataforma Embaúba Play
Informações: [email protected] e [email protected]
Instagram: @festivalgoiamumrn
Facebook: Festival Goiamum Audiovisual
Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCneicrqqpU-vnZH0MWzomIw

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