Como garantir e exercer cidadania no 9º país com maior concentração de renda no mundo?
Natal, RN 20 de abr 2024

Como garantir e exercer cidadania no 9º país com maior concentração de renda no mundo?

4 de setembro de 2021
Como garantir e exercer cidadania no 9º país com maior concentração de renda no mundo?

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Já não é novidade o fato de que o Brasil está entre os países mais desiguais do mundo. Eu mesma, assim como deve ter sido com você, caro (a) leitor (a), cresci ouvindo essa frase. O problema, é quando a sociedade se acostuma com isso, o que pode resultar numa pequena ilha de prosperidade para alguns pouquíssimos abastados cercados, porém, por um mar de problemas como violência, miséria e injustiças que violam os mais básicos direitos de cidadania.

Um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com dados do Banco Mundial, feito no final de 2020, mostra que o Brasil é o 9º país mais desigual do mundo, ficando atrás até do pouco conhecido Botsuana, país vizinho da África do Sul. Outro dado alarmante é que apenas a parcela de 1% dos mais ricos do Brasil concentra 49,6% da riqueza de todo o país, segundo uma outra pesquisa realizada pelo banco Credit Suisse, em seu relatório sobre a riqueza global.

Foto: Vítor Santos/Sempre

Esse é o pior resultado apresentado pelo Brasil em 20 anos. Em 2000, o 1% mais rico era dono de 44,2% das riquezas do país. Em 2010, o índice de concentração de renda chegou até a cair, quando o 1% mais rico ficou com 40,5% da riqueza nacional, menor índice apresentado até hoje. Mas, daí pra frente a concentração de renda seguiu numa reta crescente. Em 2019, por exemplo, o 1% mais rico deteve 46,9% da riqueza total do país.

Viver num ambiente agradável, andar com segurança pelas ruas a qualquer hora do dia ou da noite, ter acesso à saúde, educação, lazer, esporte, cultura e a um presente descente o suficiente para não implodir a construção de dias melhores parece uma aspiração distante demais para quem, na maioria das vezes, precisa gastar toda sua energia diária para garantir a própria sobrevivência e a dos seus. No Brasil, o ano de 2021 começou com mais miseráveis do que há uma década. Em janeiro, 12,8% da população começou a viver com menos do que R$ 246 ao mês, segundo levantamento da Fundação Getúlio Vargas. As reformas trabalhista e previdenciária também ajudaram a cavar esse fosso e enterrar alguns direitos adquiridos a muita custa.

Mural de grafite usa cores para falar sobre miscigenação

Mas, quais seriam as consequências práticas dessa concentração num país onde direitos básicos não são respeitados e outros tantos são atacados? A Agência Saiba Mais, que completa quatro anos em 2021, escolheu a CIDADANIA como uma das cinco áreas que norteiam o foco de interesse a ser pautada, junto com DEMOCRACIA, CULTURA, TRANSPARÊNCIA e TRABALHO. Ao longo desta semana de aniversário da agência, cada jornalista da equipe escolheu um desses temas para trabalhar em uma entrevista e tentar traduzir a importância da área para o Brasil de hoje e de amanhã.

Quem vai nos ajudar nessa tarefa hoje, é Mariana Mazzini Marcondes, professora adjunta de Administração Pública e Gestão Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Confira:

Mariana Mazzini Marcondes I Foto: cedida

Saiba Mais - O que é ser, hoje, um cidadão?

Mariana Mazzini Marcondes - Para responder a esta pergunta, primeiro precisamos entender o que é cidadania. A cidadania não tem uma única definição. Para refletir sobre ela, podemos iniciar buscando as primeiras ideias que associamos a esta palavra. Quando dizemos “sou uma cidadã brasileira” a primeira ideia que estamos associando à cidadania é a de nacionalidade. Nesse sentido, a cidadania vincula uma pessoa a um país.

É possível, ainda, pensar sobre ela nos seguintes termos: “eu, como cidadã, vou votar nas próximas eleições”. Associar a cidadania ao exercício do direito-dever político de votar (e poder ser votada) é também uma compreensão bastante recorrente. Uma outra possibilidade seria a seguinte formulação: “eu, como cidadã, tenho direito a me sentir segura nas ruas da minha cidade”. A cidadania, de fato, é bastante associada ao que denominamos de direitos civis, ou seja, aqueles que envolvem as liberdades individuais.

"Quando analisamos os dados de violência, acesso à educação e saúde, moradia e emprego, dentre outros, percebemos que há uma distância expressiva entre pessoas brancas e negras no Brasil"

Finalmente, podemos pensar o tema nos seguintes termos: “eu tenho direito a me vacinar pelo SUS porque sou cidadã”. A compreensão da cidadania como associada aos direitos sociais é mais recente, mas é profundamente poderosa, porque permite associar a cidadania ao atendimento das necessidades humanas básicas (educação, saúde, moradia, etc.) e, assim, vinculá-la à igualdade e à justiça social. A cidadania é, assim, a combinação de cada uma dessas ideias. É um vínculo de pertencimento a uma comunidade que gera uma expectativa de que os direitos civis, políticos e sociais serão respeitados e garantidos.

Quem garante a cidadania?

O Estado, direta ou indiretamente. A garantia direta ocorre, por exemplo, no caso da vacinação no SUS. A indireta, quando o Estado, usando de seu poder de polícia, proíbe que uma pessoa viole o direito da outra de ir e vir pela rua sem sofrer um ato de violência, por exemplo. Há, contudo, um abismo que separa a “expectativa” da “concretização” de direitos, especialmente em sociedades profundamente desiguais como a brasileira.

No Brasil, há cidadania para quem?

Para responder a esta questão, podemos fazer um novo exercício de reflexão. Quando analisamos os dados de violência, acesso à educação e saúde, moradia e emprego, dentre outros, percebemos que há uma distância expressiva entre pessoas brancas e negras no Brasil, por exemplo. Até mesmo o direito à vida de jovens negros não é garantido no Brasil e contribui expressivamente para isso as mortes causadas pelo próprio Estado. As desigualdades (de raça, gênero, classe, regionais, urbano-rural) produzem obstáculos reais para que as “expectativas” que a cidadania gera de garantia de direitos efetivamente se concretizem.

A cidadania é um direito a ser conquistado? Como é essa luta?

A cidadania possui um sentido que é dado (“eu sou cidadã, logo, tenho direitos”), mas também possui um sentido de luta para sua efetivação. E, para isso, é necessário que o Estado e a sociedade como um todo assumam um profundo compromisso com a garantia da efetivação da cidadania, por meio de um esforço coletivo para enfrentar todas as formas de desigualdades. Sem enfrentar as desigualdades, portanto, só existem expectativas de cidadania, e não concretização de forma universal.

Quais são as principais portas que abrem os caminhos da cidadania?

São justamente as lutas sociais, em um processo contraditório, ambíguo, cheio de idas e vindas. Nesse processo, é importante pensar a cidadania nas bases mais ampliadas, inclusivas e transformadoras possíveis.

"É necessário pensar como crianças e adolescentes podem participar de forma ativa das decisões políticas do país, entendendo-as não como “cidadãs do futuro”, mas como sujeitos de direito no presente"

Primeiro, é fundamental aliá-la ao enfrentamento às desigualdades, como já mencionamos. Depois, é necessário atribuir a ela um sentido ativo. Isso porque seu sentido político vai além do “votar e ser votado”. Para isso, podemos discutir a ideia de uma cidadania ativa, que envolva um exercício cotidiano da participação nos debates políticos e nas decisões coletivas. Participar de conselhos e conferências, associações de bairro, ONGs, partidos e sindicatos... Em terceiro lugar, é fundamental ir além da relação cidadania-nacionalidade, porque essa compreensão não incluir imigrantes e pessoas refugiadas. Por fim, é necessário pensar como crianças e adolescentes podem participar de forma ativa das decisões políticas do país, entendendo-as não como “cidadãs do futuro”, mas como sujeitos de direito no presente.

Confira nossas outras reportagens nesse especial de 4 anos da Agência Saiba Mais:

TRANSPARÊNCIA:

Transparência é o desafio de políticos e instituições brasileiras “mostrarem a cara”

DEMOCRACIA:

Manifestações contra a democracia: “ninguém sabe se vai ser um fiasco ou uma ameaça real”, avalia filósofo

CULTURA:

Henrique Fontes: “A Arte não salva. Ela aponta saídas. Quem se salva é o povo”

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