O Estado de exceção híbrido
Natal, RN 19 de abr 2024

O Estado de exceção híbrido

12 de setembro de 2021
O Estado de exceção híbrido

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Por Lázaro Amaro

Estou recorrendo à lógica para discorrer um pouco sobre o infame 7 de setembro de 2021. Não é por pedantismo que sugiro que as pessoas leiam acerca das “Guerras Híbridas”, senão por acreditar que estamos vivenciando uma guerra híbrida, no Brasil, patrocinada e promovida pelos Estados Unidos da América. Os golpes de estado são característicos dessas guerras não convencionais. Nossa cultura é ainda arraigadamente autoritária. Sua base é constituída por valores escravagistas, colonialistas, patriarcalistas, coronelistas e populistas. Todes sabemos disso. Temos ainda muita gente que conversa apontando o indicador para a face das outras pessoas, como se isso não significasse nada demais. Amamos uniformes, títulos e renomadas, muito mais do que as próprias ideias, um tanto à esquerda, um tanto à direita. Ainda somos muito bajuladores. Em razão disso, somos mentalmente condicionades à absorção, à reprodução, em vez de à elaboração e à criatividade. Voltando às guerras, pois, vamos conceituá-las como os atos que objetivam a destruição das potencialidades econômicas de uma nação por outra (pode ser no plural), afastado aqui o conceito meramente mercadológico de economia.

Os Estados Unidos, nas últimas décadas, têm resgatado, dos ensinamentos de Sun Tzu, n”A Arte da Guerra”, a modalidade de guerra em que se utilizam as próprias forças nacionais para destruir um país. Os métodos são complexos mas bem reconhecíveis. No nosso caso, começou quando o famigerado coletivo ministerial então titular do STF, sob a batuta de Joaquim Barbosa, violentou a ordem democrática, rifando o princípio da presunção de inocência e o próprio devido processo legal, ao admitir, na Ação Penal 470, a condenação sem provas, sob a falsa aplicação da teoria do domínio do fato, levando José Dirceu para a cadeia (para prazer e convencimento dos fascistoides), iniciando-se ali a formação do contexto jurídico-político para o desenvolvimento do lavajatismo, do impeachment de Dilma, sem qualquer crime, e das condenação e prisão de Lula, sem crime nenhum. Retornando à questão cultural, nossa cultura jurídica, sendo autoritária, determina que se ensine nas universidades que direito é norma.

Numa hipótese desse diapasão, um trabalhador braçal mal assalariado que consiga comprar uma motocicleta bastante usada para se deslocar de casa para o trabalho e do trabalho para casa, esperando diminuir um pouco sua fadiga, suando sangue para comprar gasolina e fazer a manutenção do veículo, pode, eventualmente, ter seu meio de transporte apreendido numa batida policial, por estar com os tributos atrasados.

Como alguém com uma mínima noção da realidade pode compreender isso como direito e não como abuso de poder do estado? Mas está na lei. A desculpa idiota é “a lei pode ser injusta, mas é a lei”, ou, mais empoladamente, dura lex sed lex, como diria Temer. Enfim, tratamos regras como princípios e princípios como meras faculdades. Fato é que a mesma mentalidade infeliz que concebe direito como norma, e por causa dessa condição, somente admitirá que se encontra num regime de exceção se houver repressão em alto grau, com censura, prisões, torturas, mortes, exílios e impossibilidade de sufrágio universal e livre.

Vamos, então, fazer um paralelo com a guerra híbrida para afirmar que estamos num estado de exceção híbrido, onde as instituições funcionam de acordo com a democracia oligárquica, numa conjuntura em que a direita deu um golpe e a extrema direita está ameaçando dar um golpe no golpe. Lembro-me, agora, de um trecho do Evangelho em que está escrito, referindo-se à fala de Jesus, em Lucas, Capítulo 7, Versículos 31 e 32: “E disse o Senhor: A quem, pois, compararei os homens dessa geração e a quem são semelhantes? São semelhantes aos meninos que, assentados nas praças, clamam uns aos outros, e dizem: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes.”

Chama-se diversionismo uma das táticas, que não são estratégias, que o bolsonarismo tem adotado com muito êxito, num favorecimento a seu governo, agora destruído, ao mercado, especialmente aos bancos e ao agronegócio, e à direita em geral. Com que propósito nos iludimos, buscando análises que se repetem em cascata, fugindo do fato de que estamos num regime de exceção, há vários anos?

Usei o texto bíblico para dizer que não estou querendo chamar a atenção. Sublimei suficientemente os erotismos. Mas afirmo, há cinco anos, que as Forças Armadas estão significativamente divididas, embora suas divisões sejam todas de direita e pouco democráticas, sendo um dos lados bem menos democrático que o outro. Estamos, grosso modo, no meio de uma disputa entre as oligarquias de raízes varguistas e as de raízes integralistas. De tal arte, não podemos nos surpreender com a postura aparentemente de conivência dos membros do STF com os ataques e as ameaças às instituições e à democracia. Não é mera aparência! Eles estão entre os protagonistas do estado de coisas infernal em que o país foi mergulhado. Eles nunca foram diferentes disso. Apenas não são deselegantes e são menos truculentos do que Bolsonaro e os bolsonaristas. Meu nome não é Eneias.

Natal, em 08 de setembro do Ano da Graça de 2021.

*Lázaro Amaro é advogado e filiado ao Partido dos Trabalhadores

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