A branquitude, as eleições presidenciais e a UERN: o racismo nosso de cada dia
Natal, RN 23 de abr 2024

A branquitude, as eleições presidenciais e a UERN: o racismo nosso de cada dia

1 de outubro de 2021
A branquitude, as eleições presidenciais e a UERN: o racismo nosso de cada dia

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“Quando chegar a hora, vou virar e você tira minha foto, beleza?”. Não percebe-se de imediato, mas por trás da emissão dessa frase eu estava eufórico, ansioso e com um grito de liberdade preso na garganta. Não à toa. Essas foram minhas palavras recheadas de adrenalina e felicidade imensa, quando estava prestes a receber minha tão esperada e sonhada vacina, e ainda foi aquela da dose única no meu psicológico, a da Janssen. Sim, sou um dos poucos milhões que teve acesso a esse unicórnio dos unicórnios. E mais: Minha alegria foi potencializada pela técnica de enfermagem. Poderia se dizer que era deus/a. E era, uma mulher negra. Ela se pôs ao meu lado, posou e deixou o meu registro mais simbólico ainda.

E qual a importância desse ato? O que encontramos nele a ponto de receber no meu “direct” do Insta comentários de quem não comenta nada de mim nas redes sociais, tipo: “Não vejo nada demais você citar uma mulher negra, Tobias”. “Não vejo negro ou negra, vejo seres humanos”. A foto dessa cena com a minha alegria causou muitos incomôdos na minha, digamos, “seguidora”. E, se pudermos resumir esse acontecimento na minha bolha algorítmica afroncentrada teríamos como resposta: “coisas da branquitude” ou “Nada de novo no front, racistas sendo racistas”.

Concordo com a minha “seguidora”. Essa foto, literalmente, a incomoda e na alvez da sua pele e das suas ações simbólicas de branca, ela tem razão. Por que? Porque quem não vê raça, não vê racismo. Se você não vê racismo, tudo está a mil maravilhas. Só que não, cara amiga da cara pálida.

Esse mesmo argumento utilizei logo após as eleições do genocida. O querido professor, infelizmente derrotado nas urnas, Fernando Haddad postou uma foto-montagem no dia 30 de novembro com vários rostos da esquerda protagonista em 2018, incluindo alguns nomes que perderam disputas. Lá, tínhamos Guilherme Boulos, Manuela Dávila, Marília Arraes e o próprio Fernando Haddad e mais, precisamente, 15 pessoas. No texto o comentário do representante do PT, era: “O Brasil que a gente quer!” (clique aqui). Repostei a imagem nos “stories” e digitei: “Encontre o erro”. Se você abstrair um pouco agora e tentar imaginar e, ao mesmo tempo, não ver nenhum problema em querer um Brasil com nomes representativos e respeitados na (centro) esquerda, lamento trazer maus presságios e um espelho: Você tem sérios problemas - o principal dele é o racismo.

Sueli Carneiro e Cida Bento ajudam a entender melhor essas dinâmicas que vieram com mais potência nas minhas inquietudes ao visualizar a foto (clique aqui e aqui) da nova gestão da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Recebendo a visita da governadora Fátima Bezerra a recente empossada Reitora Cicilia Maia posa ao lado de sua equipe. Nesse grupo, alguns poucos novos nomes a ocupar um cargo de poder simbólico e político e mais outros tantos nomes a repetir a figurinha do álbum da última gestão, muitos dos quais tenho apreço e respeito. Como também orgulho-me em habitar e poder cooperar com o serviço público em uma instituição pública com cotas sociais e cotas raciais (ainda faltam cotas para pessoas trans!). Inclusive, vale salientar, participei ativamente, desde setembro de 2017, juntamente a outros movimentos e entidades a inclusão de cotas raciais para todxs ox discentes (faltam cotas raciais para docentes e técnicos!), ação essa que me levou também a compor a primeira Comissão de Heteroidentificação de uma instituição de ensino no RN. Por essas e por outras, não há como negar que a UERN é decisiva na vida de dezenas de milhares de estudantes localizados no interior do RN, algo que inclusive, leva a universidade a gabar-se em repetir que é uma instituição “socialmente referenciada”. Faz sentido. Em partes!

Ligando os pontos não é difícil de localizarmos o núcleo da degradação humana nesses fatos. Pois, tanto a nova gestão universitária da UERN, a esquerda partidária e até aquela “seguidora” racista estão alinhados, conectados e pertencem a mesma estrutura. E, vale salientar e evocar a nossa grande Sueli Carneiro ao nos referirmos à política: “Somos seres humanos como os demais, com diversas visões políticas e ideológicas. Eu, por exemplo, entre a esquerda e direita, continuo preta”.

O letramento racial é inexistente nesses três exemplos, a racialidade não é enxergada. Em nenhum deles temos imagens/fotos de pessoas negras. Em nenhum deles, incluindo a repercussão da equipe da gestão universitária em alguns blogs (clique aqui), cita, ao menos uma pequena citaçãozinha que seja, sobre a representatividade negra: “Reitora da UERN anuncia equipe com 50% dos cargos de primeiro escalão ocupados por mulheres”. Excelente notícia, pero no mucho!

Enfim, temos aqui uma instituição “socialmente referenciada” a repetir a prática da branquitude do Insta, como ocorreu comigo; Temos uma instituição responsável por formar quase 90% do corpo docente do ensino médio público do Oeste Potiguar a desejar o mesmo Brasil existente na fotomontagem de Fernando Haddad, um Brasil sorridente e... lamento informar: branco.

O racismo lança seus tentáculos também no pseudo lugar da neutralidade - que de neutro não tem nada. A humanidade, nesses casos, é branca e ao ocupar campos de comando e de poder não é questionada, porque o “pacto narcísico da branquitude”, como nos mostrou Cida Bento, se encarrega de blindagem automática, principalmente nas instituições.

Luto para ultrapassarmos a visão colonial da branquitude e, principalmente, afronto a branquitude para que entendam que não é necessário justificar a importância e a representatividade de uma mulher negra enfermeira. Desejo uma esquerda progressista com uma política inclusiva e com ações e desejos de dá outros tons a/os suas/seus protagonistas, bem como, faço desse campo de voz textual meu alerta para que a representatividade institucional não se configure como um token* e, que de fato, contemplem pessoas negras e suas complexidades. Quem sabe, lá no futuro poderemos finalmente afirmar a plenos pulmões que somos referência para uma sociedade plural, justa e inclusiva.

* O tokenismo é uma prática superficial, como também simbólica, em transmitir a sensação de inclusão e diversidade para grupos minoritários.

** Tobias Arruda Queiroz é professor de Jornalismo e do Programa de Serviço Social e Desenvolvimento Social/UERN

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