MP abranda crime e denuncia comerciante que agrediu quilombola por lesão corporal. Juiz acata
A Justiça do RN aceitou a denúncia do Ministério Público Federal pelo crime de lesão corporal contra os acusados de agredir um quilombola em setembro deste ano, no município de Portalegre. A decisão é da Vara Única da Comarca de Portalegre e foi assinada pelo juiz Edilson Chaves de Freitas.
Mas a denúncia apresentada pelo Ministério Público não seguiu a linha da investigação da Polícia Civil, que havia apontado crime de tortura. O promotor Rodrigo Pessoa de Morais optou da outra tipificação ao crime.
O comerciante Alberan de Freitas Epifânio e o servidor público André Diogo Barbosa Andrade foram denunciados pelo Ministério Público por lesão corporal contra o quilombola Francisco Luciano Simplício. Em cima da denúncia, o Juiz intimou os dois e afirmou que "o colhimento de provas não está esgotado".
A mudança na tipificação da denúncia - de tortura, para lesão corporal - muda as possíveis penas que possa ser aplicadas. o crime de tortura pode gerar uma pena de até oito anos de reclusão. Já a lesão corporal é de, no máximo, um ano de prisão.
Lembre o caso
A Polícia Civil remeteu, no início de outubro, o inquérito que investiga as agressões praticadas pelo comerciante Alberlan de Freitas Epifânio contra o quilombola Luciano Simplício, na cidade de Portalegre, interior do Rio Grande do Norte. No inquérito, anunciado com exclusividade pelo Saiba Mais, apontava o crime de tortura.
Além de Alberlan, um amigo do comerciante que estava no local, André Diogo Barbosa Andrade, e que teria participado das agressões, também foi indiciado pelo crime de tortura. Pelo relatório da Polícia Civil encaminhado à Justiça, Luciano teria se aproximado de Alberlan, que fazia um churrasco na calçada de casa, e pedido uma dose de cachaça. O comerciante teria recusado o pedido e chamado o quilombola de vagabundo. Um amigo do comerciante, então, teria dado um pedaço de carne a Luciano, que foi novamente chamado de vagabundo pelo comerciante, que não teria gostado da atitude do amigo em dar um pedaço de carne à vítima.
Foi depois de ter sido chamado de vagabundo pela segunda vez, que Luciano foi até o mercadinho de Alberlan e jogou uma pedra numa das portas do comércio. Alberlan conseguiu alcançar Luciano, amarrou o quilombola com uma corda, o chicoteou nas costas e praticou outras agressões, como socos e chutes.
Mesmo depois de ser imobilizado e jogado ao chão, Luciano continuou sendo agredido. Uma câmera de segurança de um estabelecimento próximo ao local também flagrou o momento em que André, amigo do comerciante, agride Luciano. Apesar dos registros em vídeo, em seu depoimento, Alberlan disse que tinha, apenas, imobilizado Luciano até a chegada da Polícia Militar.
Outras pessoas, que estavam no local no dia do ocorrido, chegaram a pedir ao comerciante que parasse com as agressões, mas ele tentou justificar a barbárie dizendo que “para defender seu patrimônio, poderia até matar”. Em suas redes sociais, Alberlan demonstra ser um defensor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A perícia feita na porta do mercadinho do comerciante aponta a ocorrência, apenas, de alguns arranhões.
Luciano Simplício tem apenas 23 anos. Seu caso é acompanhado pela Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) e pela Coordenadoria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Rio Grande do Norte (Coeppir). As imagens da agressão circularam todo o país e chocaram pela semelhança às práticas da escravidão e ao racismo cotidiano que ainda persiste na atitude de algumas pessoas que se sentem no direito de promover o linchamento público de jovens, negros e periféricos.