60 anos para uma mulher ocupar a liderança da UBE/RN
Natal, RN 28 de mar 2024

60 anos para uma mulher ocupar a liderança da UBE/RN

17 de janeiro de 2022
5min
60 anos para uma mulher ocupar a liderança da UBE/RN

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Por Ana Cláudia Trigueiro

Em janeiro de 2020, sessenta anos após a criação da seção norte-rio-grandense da União Brasileira de Escritores, finalmente uma mulher assumiu sua presidência. Se o fato  é irrelevante para alguns, certamente não o é para as escritoras que fazem parte da renomada agremiação. Quando a romancista Tereza Custódio assumiu esse lugar, ela cruzou uma fronteira e inspirou outras a seguirem seu caminho.

Mulheres capazes e desejosas a assumirem cargos em agremiações literárias existem desde sempre, mas o apoio a elas, o incentivo e o estímulo, não. O resultado é que, por muito tempo, considerou-se normal que ocupassem apenas posições de auxílio às chefias masculinas.

Poucos homens se movimentaram em favor da causa e me pergunto o que isso significa. Conservadorismo? Falta de conhecimento sobre os debates acerca da igualdade de gênero? O certo é que expressa uma desatenção que, ainda hoje, obscurece as entidades literárias país afora. Nélida Piñon só foi eleita presidente da ABL em 1997, cem anos após sua fundação. Antes dela, 43 homens ocuparam a posição.

Tereza Custódio de Queiroz, cearense (assim como Rachel de Queiroz, primeira mulher a ser eleita pela Academia Brasileira de Letras, oitenta anos depois da sua criação) romancista premiada, autora dos ótimos “O bálsamo” e “O baú de Filomena”, é um nome de peso para a instituição e mostrou que sua eleição – após uma indicação visionária de Eduardo Gosson – foi um avanço.

A atitude que a nova presidente teve de reativar e ampliar a UBE nas redes sociais e de apresentar seus escritores em lives sobre literatura foi essencial para divulgar a entidade e mantê-la atuante durante a pandemia. Hoje, a UBE/RN tem um perfil ativo no Instagram, outro no Facebook e um canal no Youtube utilizado com frequência. A professora e produtora cultural Carla Alves foi seu braço direito nesse projeto muito bem sucedido, deixado de herança para a nova gestão.

Tereza Custódio foi a primeira presidenta da história da União Brasileira de Escritoras do RN / foto: Divulgação

Tereza também conseguiu regularizar as contas da UBE, negociando dívidas e deixando a entidade com um saldo orçamentário que permitiu financiar toda a edição da nova coletânea publicada em sua administração.

A romancista encerrou sua liderança, publicando a edição comemorativa dos sessenta e dois anos da UBE/RN, intitulada Biografias literárias. Muito bem organizada pelo escritor José de Castro, a coletânea reúne 22 autoras e autores da atualidade em textos biográficos sobre escritoras e escritores que marcaram a história da literatura feita no RN. A obra está um primor, com artigos muito bem escritos e capa contendo uma pintura em aquarela do artista plástico, poeta e contista, João Andrade.

Não se trata de uma guerra dos sexos. Escritores precisam ser politizados e, se o são, devem admitir que representatividade importa. As novas gerações carecem de se ver simbolicamente nesses lugares. Alice Walker escreveu que “As mulheres precisam se encher de coragem para alcançar seus sonhos adormecidos”. Quem melhor do que outra mulher para inspirar essa coragem?

Não só as brancas, mas as negras e indígenas devem ocupar espaços de liderança. Não se pode continuar a pensar questões de gênero com as ideias coloniais que consideravam normais a sucessão de homens e mulheres brancas no poder. Se pensamentos arcaicos ainda valessem, eu nem estaria escrevendo esta crônica. Se o mundo não desse voltas, Fátima Bezerra nunca seria governadora.

Antes que se pense neste texto como um ataque à nova diretoria, dou os parabéns a Aluísio Azevedo, um nome digno de ocupar o lugar. Nada contra ele, nem contra todos os antecessores que representaram e defenderam nossas letras de modo competente e incansável, em especial Eduardo Gosson, que me recebeu calorosamente na entidade em sua gestão. É preciso deixar claro que essa luta não é contra pessoas, mas contra uma cultura conformista. Não é suficiente que uma mulher ocupe a presidência após sessenta anos. O que desejamos para o futuro da UBE/RN são mais candidaturas femininas e mais alternância na presidência. Que o assunto tenha relevância e lugar.

E se você argumenta que faltarão candidatas, sugiro duas formas de apoiar e encorajar mulheres nesse sentido: leia documentos sobre igualdade de gênero; estimule e defenda a eleição de mulheres dentro da entidade.

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