Os labirintos da esquerda brasileira
Natal, RN 20 de abr 2024

Os labirintos da esquerda brasileira

14 de fevereiro de 2022
4min
Os labirintos da esquerda brasileira

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Inauguramos a nossa coluna na agência Saiba Mais, a quem agradecemos pelo espaço aqui cedido, neste início de 2022 cercado por uma ainda persistente crise no Brasil. Desde 2013, quando o movimento de massas entrou em cena nas insubmissas jornadas de junho, lembrando a este país de herança colonial e escravagista que as classes sociais existem e têm interesses socialmente antagônicos [1], a Nova República vive em estado terminal. É neste regime político combalido que o velho agoniza, tentando reabilitar-se, e o novo ainda não pôde nascer.

Nisso tudo, sem dúvidas, há uma tarefa histórica que recai sobre os nossos ombros, a partir da qual se organizam todas as demais: derrotar o bolsonarismo. Embora haja unidade ao redor da necessidade de derrotar Bolsonaro, os caminhos escolhidos pela esquerda brasileira não são os mesmos. De um lado estão os que apostam exclusivamente na via eleitoral e preparam uma “consertación" [2] à brasileira para vencer as eleições e governar o país. Trata-se de unir os pilares de sustentação da Nova República, conservando-a, em torno de um programa político social-liberal, que não pretende superar os problemas estruturais brasileiros. O símbolo de maior força disso é a aventada chapa Lula e Alckmin. De outro lado se encontram os que apostam na reorganização da esquerda, um caminho que não termina aqui e agora, tampouco é simples, mas que precisa acumular forças e se apresentar para existir. Daí vem a necessidade de construir um programa anticapitalista para o Brasil apoiado na mobilização popular.

Fato é que, como diz a música de Milton Nascimento, “nada será como antes”. O primeiro caminho é um velho conhecido. Acontece que esta provável reabilitação acontece sob condições absolutamente distintas das quais se viabilizou anteriormente, isto é, o país com o qual Lula reencontrar-se-á 12 anos depois não é mais o mesmo. O período econômico mais expansivo, assentado sobretudo nas commodities, que permitiu ao seu governo pôr em marcha a estratégia da conciliação de classes, se desmanchou no ar com a crise de 2008 - reposicionando o Brasil na sua conhecida inserção periférica e dependente na divisão internacional do trabalho. Agora, além disso, Lula depara-se com um setor social organizado sob o bolsonarismo e a extrema-direita. Enganam-se os que pensam que a derrota eleitoral de Bolsonaro joga uma pá de cal sobre o bolsonarismo. Sem uma verdadeira mudança na correlação de forças, a qual se muda com mobilização popular e não se aliando aos que nos trouxeram até este abismo, cresce a hipótese de fortalecimento do bolsonarismo.

O caminho da reorganização da esquerda, com a construção de uma alternativa política radical, anticapitalista e independente, é tão necessário quanto urgente. Trata-se de romper com a melancolia do “melhorismo”, cujas expectativas rebaixadas organizam derrotas sucessivamente. O Chile, por exemplo, mostra o caminho: Bóric é parte da geração do “estallido social”, tornou-se uma liderança a partir das ruas e dos movimentos sociais. Sua vitória explica-se também pela aposta na polarização e radicalização contra Kast, o Bolsonaro chileno. Aqui no Brasil, portanto, é preciso acumular forças ao redor de uma candidatura da esquerda anticapitalista que não tenha medo de dizer seu nome, defendendo um programa que revogue a Emenda do Teto de Gastos, a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, a taxação sobre grandes fortunas, lucros e dividendos, a Reforma Urbana e Agrária, a renda universal, a auditoria da dívida pública, entre outros temas com os quais apenas uma candidatura assim se comprometeria.

Não há atalhos na política. O caminho mais rápido nem sempre é o melhor. Temos um longo caminho pela frente, que não seja um enorme passado pela frente, como dizia Millôr Fernandes. Para que isto não aconteça, sem dúvidas, é preciso construir uma alternativa radicalmente comprometida com a demolição deste modo de produção e organização social, que tem a barbárie como principal aliada. Sem fórmulas e sem caudilhos, mas acreditando na força da nossa própria classe e na tarefa histórica para a qual ela se dirige.

Danniel Morais é Presidente do Diretório Estadual do PSOL-RN e Pré-candidato ao Governo do RN.

[1] Segundo o DIEESE, o Brasil teve em 2012 o maior número de greves em 16 anos.

[2] Coalização que governou o Chile por 20 anos.

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