Tatuagem de Caracas: jornalista transformou mochilão para a Venezuela em romance
Natal, RN 25 de abr 2024

Tatuagem de Caracas: jornalista transformou mochilão para a Venezuela em romance

14 de março de 2022
8min
Tatuagem de Caracas: jornalista transformou mochilão para a Venezuela em romance

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O mochilão do jornalista Renato Batista até a Venezuela seria a sua tentativa de fuga da rotina exaustiva e da depressão, mas grande parte dos momentos que viveu, entre o final de 2018 e janeiro de 2019, foram parar no seu primeiro livro. O romance Tatuagem de Caracas será lançado na próxima sexta-feira (18) pela Editora Astrolábio, no Mahalila Café & Livros, às 18h.

Renato, hoje com 29 anos de idade, é recifense radicado em Natal. Ele conta que partiu também com o desejo de ajudar na fronteira durante a crise humanitária da Venezuela. Não foi o que conseguiu. Acabou algumas vezes precisando de ajuda. Com medo, pouco dinheiro, de ônibus e carona, ele viveu uma história parecida com a de Chico, protagonista da obra.

A narrativa é atravessada por importantes fatos políticos que contornavam os problemas sociais vividos pelos nativos e por quem chegasse ali. Apesar disso, o foco é a aventura da viagem.

Foto: Renato Batista

Confira entrevista com o autor:

O que é verdade e o que é ficção na história?

Felizmente ou infelizmente, nenhum leitor vai ter essa resposta. Só vai ter certeza do conteúdo quem realmente conviveu comigo na época. Quando voltei, conversei com muita gente que vai acabar reparando nos episódios que são reais. O que posso responder é que a imensa maioria é real. Se fosse colocar em porcentagem, diria que é 85%. Os outros 15% foram para dar um pouco mais de emoção e juntar partes que não tinha precisão. Todo ele baseado na minha história.

Por que escolheu “Tatuagem de Caracas” como título?

É uma tatuagem que fiz em Caracas. Quando eu estava no processo da escrita queria algo que chamasse atenção. A imagem tem uma rosa dos ventos, que representa a Venezuela; o Cerro Ávila, que divide a cidade de Caracas; e Maracaibo, maior lago da América do Sul.

Por que o leitor vai se interessar pelo seu livro?

O público que gosta de livro de aventura, de viagem e até mesmo de imersão cultural, vai acabar se aprofundando muito bem na história. Quando fui para lá, muita gente chegava a mim e perguntava se faria uma reportagem, um curta, um registro jornalístico. Eu tinha ido justamente para fugir do Jornalismo. Estava querendo sair da profissão, inclusive, estava muito puto com a minha vida na época. Estava na faculdade e tinha três trabalhos, dois freelas fixos e um estágio.

De início, registrei muito pouco da viagem. Não gravava nenhuma entrevista, apesar de conversar com o máximo de pessoas que encontrava. Eu pegava ônibus, carona. Registrei muito na minha cabeça e tenho pouco registro material. Então, o livro não é um registro analítico sobre a crise na Venezuela. O que tem lá é descritivo, o que o personagem Chico viu. Não tem análise do porquê é desse jeito, mostra como é e não há nada pra dizer que não é como foi visto.

É para quem gosta de aventura. Foi um percurso complicado. Doze mil quilômetros, com dinheiro contado. Eu tinha um aplicativo no celular em que registrava tudo que gastava, uma média de 28 reais, incluindo tudo: alimentação, estadia e até a extorsão da polícia venezuelana.

Como essa extorsão aconteceu?

Eu tava voltando de Maracaibo para entrar no Brasil e o ônibus foi parado na Base Militar da Guardia Nacional Bolivariana. Isso acontecia constantemente. Todo transporte é parado o tempo todo em barricadas policiais. (Dez vezes mais do que a Polícia Rodoviária Federal para os transportes no Brasil.) Esse pelotão era diferente dos outros porque tinha um raio-x, feito pra pegar alguém na estrada.

Todo mundo colocou a bolsa no raio-x. Eu, por ter passaporte brasileiro, um policial me levou até uma cabana por trás do local e pediu pra eu retirar o sapato, a maia e a minha calça. Eu tinha aquelas bolsinhas anti-roubo, onde eu guardava alguns dólares. Era o dinheiro que eu ia voltar para o Brasil. Eu não tinha nada em banco pra sacar. Quando ele achou, pegou 10 dólares, que pra mim eram dois dias de consumo. Eu não pude fazer nada, ele tava com um fuzil, uma ak-73, de fabricação russa. Aquilo me marcou.

Foto: Renato Batista

Você teve alguma motivação política pra fazer essa viagem? Por que decidiu pelo mochilão para a Venezuela em meio à maior crise de lá?

Não tive motivação política, apesar de ser de esquerda e ter curiosidade pela política venezuelana. Eu tive uma motivação pessoal, porque sofria de depressão, tomava vários medicamentos. Não tinha mais interesse na minha vida à época. Lembro que um dia cheguei em um dos locais em que eu trabalhava e um rapaz estava vendo umas fotos de uma prima que estava fazendo ajuda humanitária em Pacaraima. Perguntei o que era e ela estava ajudando os imigrantes. Depois de algumas horas eu estava pesquisando as passagens para Boa Vista. Umas três semanas depois comprei para Manaus, que estava mais barata. Viajei depois de três meses. Esse primeiro trecho foi de avião, depois só ônibus e caronas.

Você teve medo?

Eu tive medo o tempo todo. Eu viajei de Recife. Estava na casa dos meus pais e como o voo era muito cedo, decidi dormir no aeroporto. Estava me preparando pra jantar e ir embora quando abri no celular uma notícia sobre um casal brasileiro que afirmava que tinha sido sequestrado em Caracas ao chegar no aeroporto. O taxista não levou eles para o hotel, levou para uma comunidade e saquearam. E nos comentários tinha uma galera falando que tinha passado pela mesma situação. Só o fato de você demonstrar que não tem o sotaque caraquenho já deixaria você visado diante desses criminosos. Eu comecei a refletir sobre isso e comecei a chorar, com muita preocupação. Eu sabia que passaria um tempo em Caracas, não conhecia ninguém. Passei por medo o tempo todo. Lá você vai se tranquilizando, mas ainda tive medo.

Foto: Renato Batista

Depois desse tempo e agora lançando um livro baseado na viagem, como você está hoje? Encontrou nessa aventura o que desejava?

Não consegui ajudar na fronteira, porque nenhuma ONG aceitou o tempo que estaria disponível. Eu passaria no máximo três semanas, tinha tempo e dinheiro contados. Ainda era estudante universitário. Eles queriam no mínimo um mês e meio.

A fronteira é no meio da savana, da mata. Fiquei em uma comunidade indígena, Manak-krü, observando a rotina deles. A gente andava muito pela mata, fui a vários lugares que eu nem planejava. Eu queria ajudar e fui ajudado. Parei de tomar medicamentos, como eu queria. Hoje me sinto muito melhor. Não sei se esse mochilão me deu o que esperava. Acho que me deu mais. Passei por muita coisa. Esse livro só existe por causa dessas histórias. Eu fui querendo não escrever, era um momento pessoal. Chegou uma hora, no início da pandemia, em que decidi escrever. E por sorte eu ainda lembrei de muita coisa. Os anos vão passando e você vai deixando pra trás detalhes.

Serviço | Lançamento do livro Tatuagem de Caracas   
Onde: Mahalila Café & Livros (Rua Dra. Nívea Madruga, 19, Lagoa Nova)
Quando: 18 de março (sexta-feira)
Hora: das 18h às 21h
Preço: R$ 42

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