Ausência de Justiça de Transição é uma das razões para celebração da ditadura pelo Estado brasileiro
Natal, RN 19 de abr 2024

Ausência de Justiça de Transição é uma das razões para celebração da ditadura pelo Estado brasileiro

1 de abril de 2022
7min
Ausência de Justiça de Transição é uma das razões para celebração da ditadura pelo Estado brasileiro

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A Justiça de Transição, segundo a literatura política, prevê quatro tarefas: a reforma das instituições, a preservação da memória, a reparação histórica pela verdade, além do julgamento e punição dos culpados por crimes políticos e violações de direitos humanos. Países como Argentina, Chile e Uruguai, por exemplo, venceram essa etapa ao responsabilizar boa parte dos militares por sequestros, torturas e mortes de milhares de latino-americanos.

No Brasil, a ausência de Justiça de Transição dominou a abertura do 7º Encontro Norte-Nordeste de Memória, Justiça e Verdade, evento que acontece até domingo em Teresina (PI). Na mesa, dois ex-presos políticos e vítimas do regime militar, o paulista Adriano Diogo e o pernambucano Edival Nunes Cajá destacaram que a celebração dos crimes cometidos durante a ditadura pelo próprio Estado brasileiro é fruto da não responsabilização dos militares pelos assassinatos, torturas e mortes registrados entre 1964 e 1985.

Tanto Diogo como Cajá citaram a nota da Ordem do Dia divulgada e distribuída nos quarteis pelo ministro da Defesa, general Braga Netto, classificando a ditadura como “marco histórico da evolução política brasileira”.

- O Brasil inteiro ficou em choque com o texto da Ordem do Dia distribuído pelo ministro da Defesa reafirmando os crimes da ditadura. Aqueles papeis foram enviados aos quartéis, o que mostra o grau de desespero dessas pessoas ao ponto de, na véspera de uma eleição, divulgar um documento oficial reafirmando a tortura, o assassinato e a necessidade que eles têm que esse tipo de regime se perpetue no Brasil”,

Adriano Diogo, ex-presidente da Comissão da Verdade de São Paulo Rubens Paiva.

Adriano Diogo é ex-presidente da Comissão da Verdade de São Paulo Rubens Paiva / foto: Jana Sá

Ele destacou duas fases do regime militar nos últimos 60 anos. A primeira, entre 1964 e 1985, “muito mal investigada e nunca julgada”. Já a segunda fase, na visão do ativista, começa “na guerra híbrida de 2013, se consolida com o golpe de 2016 e chega ao bolsonarismo de 2022”. Segundo Adriano Diogo, o que mais impressiona neste “novo regime militar” foram os filhos da pandemia, e é por eles que Bolsonaro será cobrado:

- São mais de 660 mil mortos, além da subnotificação. O que o povo está querendo saber é se o tratamento dado pelo governo brasileiro foi um homicídio doloso ou culposo. Querem saber se o genocídio foi intencional ou um descaso, acidente. É isso que o povo vai cobrar na campanha e é essa resposta que teremos que estar preparados para responder”, disse.

A latrina é a dimensão dos torturadores, diz ex-preso político

Último preso político tortura e liberto após a lei da anistia o sociólogo Edival Cajá pede que o Brasil adote postura semelhante a do governo da Argentina, que puniu mais de 800 oficiais das Forças Armadas, alguns deles com prisão perpétua:

- Estamos apenas exigindo, tentando instaurar uma Comissão da Verdade, da Memória e da Justiça que nos dê o direito de punir, encarcerar, julgar, levar os réus aos bancos e para a cadeia, lugar onde muitos devem morrer, na latrina, como Jorge Videla, porque essa é a dimensão dele”, disse.

Edival Cajá foi um dos últimos presos políticos liberados pela ditadura após a lei da anistia / foto: Jana Sá

Cajá classificou de “insulto à consciência de toda a cidadania brasileira”, a nota divulgada pelo ministro da Defesa em comemoração à ditadura:

- O que o ministro da Defesa fez ontem é demonstração de cinismo, mentira, negacionismo. Foi um insulto à consciência de toda cidadania brasileira, um deboche, um documento que quer subverter a constituição brasileira. Estão cavando o caminho do novo golpe militar”, previu.

Para os participantes da mesa, o número de mortos oficiais divulgados pelo Estado brasileiro é maior que os quase 500 vítimas. Para eles e outros estudiosos que se debruçam sobre o tema, mais de 10 mil pessoas morreram entre 1964 e 1985, onde incluem-se entre as vítimas também os indígenas e os mortos nas ligas camponesas.

- Só estamos reunidos por causa do famigerado golpe de 1964. O que aconteceu antes não vale a pena investigar ? O que fizeram com nossos ancestrais não vale, não ? Temos que ficar de olho, e sempre lembrar”, afirmou Adriano Diogo.

Encontro regional homenageia mortos e desaparecidos pela ditadura das regiões Norte e Nordeste

Assim como acontece na abertura de todo encontro regional, cada estado das regiões Norte e Nordeste indicam uma vítima da ditadura para ter o nome lembrado e acolhido pelo público.

Em razão dos 100 anos celebrados em 2021, o Centro de Memória Popular e Direitos Humanos do Rio Grande do Norte indicou de Luiz Ignácio Maranhão Filho.

Outras vítimas também foram lembradas e tiveram seus respectivos nomes lembrados, com fotos em cartazes e uma salva de palmas ao final.

Cobertura independente

A cobertura do 7º Encontro Norte-Nordeste de Memória, Verdade e Justiça está sendo realizada em parceria e de forma colaborativa por quatro veículos de mídia independente do país, a Agência Saiba Mais e a Pós-TV DHnet, ambas de Natal (RN); a TV Pororoca Cabana, de Belém (PA); e a Teia TV, sediada em Vitória (ES).

Confirma a programação deste sábado

https://youtu.be/ob9pW5Vfeec

9h - Painel: A Violação dos direitos dos Povos Indígenas, ocupação das suas terras pela ditadura de 1964 e sua brava resistência até hoje

Expositor: Gersem Baniwa, pertencente ao povo Baniwa da Amazônia, antropólogo e professor da UFAM.

Mediação: Wilson Reis (CMVJ-AM) e Fernanda Rocha (CMVJ-PB)

10h30 - Painel: A ditadura de 1964, a violação dos direitos dos camponeses e assassinato de suas lideranças e seus advogados

Expositores: Gilney Viana e José Calistrato

Mediação: Paulo Rodrigues (MOCAP-PA), Allana Santos (CMVJ-SE) e Jackson Marinho (CMVJ-MA)

14h - Painel: O que impede a aplicação da Justiça de Transição no Brasil e a punição dos torturadores e aos golpistas de 1964 e quais as perspectivas

Expositores: Diva Santana e Marcelo Santa Cruz

Mediação: Francisco Leonam Gomes (Comissão de Anistia Wanda Sidou/CE) e Lúcia Guedes (Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia)

15h Troca de Experiências - Trabalhos dos Comitês e Comissões Representantes dos Comitês, Comissões, entidades e movimentos

Mediação: Thiago Santos (CMVJ-PE), Ellica Ramona (CMVJ-PI) e William Santos (CMVJ-BA)

20h - Ato Político-Cultural e Homenagens

Lançamentos de livros e músicas de resistência à ditadura em homenagem aos nossos heróis e heroínas indicados por cada estado, pelos quais homenagearemos à todos e todas

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