Hoje é o dia nacional da Caatinga. Mas e no RN, o que temos para comemorar?
Natal, RN 25 de abr 2024

Hoje é o dia nacional da Caatinga. Mas e no RN, o que temos para comemorar?

28 de abril de 2022
5min
Hoje é o dia nacional da Caatinga. Mas e no RN, o que temos para comemorar?

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Assinam: 
João Paulo Tavares Damasceno – Doutor em Ecologia pela UFRN;
Paulo Henrique Dantas Marinho – Biólogo, Mestre e Doutor em Ecologia pela UFRN; professor de Biologia do estado do Ceará;
Damião Valdenor de Oliveira – Biólogo, Mestre em Ecologia pela UFRN; professor de Biologia do estado do RN.

O Nordeste brasileiro é constituído por um dos biomas semiáridos mais característicos no cenário mundial, especialmente por existir única e exclusivamente em nosso país e em nenhum outro lugar. São quase 900 mil km² de área, ou ainda 70% de todo o território nordestino (com uma pequena parte cobrindo também Minas Gerais), uma sazonalidade climática definida por um período seco longo e outro chuvoso mais curto, e uma riqueza de espécies de plantas e animais adaptadas aos desafios de uma das regiões mais áridas e sazonais do país. Outra característica marcante da Caatinga é a grande resiliência do seu povo, que aprendeu a sobreviver conforme os regimes de chuva da região e que, por isso, possui um patrimônio cultural de grande relevância nacional. A data marca, portanto, a conscientização da sociedade sobre os aspectos culturais únicos e a importância biológica e climática da Caatinga para o equilíbrio ambiental, através de seu uso sustentável visando o desenvolvimento socioeconômico das regiões onde o bioma se apresenta.

Contudo, especialmente no Rio Grande do Norte, não há muito o que comemorar! Isso porque o RN, um estado que possui mais de 90% do seu território recoberto pela Caatinga, apresenta apenas 0,8% do bioma protegido em Unidades de Conservação (UCs), a pior marca dentre todos os estados nordestinos. Esse descompasso com a sustentabilidade ambiental também é observada quando avaliamos a forma como as áreas de Caatinga têm sido licenciadas para exploração econômica. São incontáveis os hectares de terra, em sua grande maioria cobertos por vegetação natural, convertidos para se tornarem áreas de mineração, parques eólicos e solares, além dos seus extensos acessos e linhas de transmissão. Além do impacto visual causado pela instalação de parques eólicos, por exemplo, e do impacto social causado pelo funcionamento de maquinários e intensa movimentação de trabalhadores, tais atividades também promovem a degradação e a fragmentação de áreas naturais e a mortalidade da fauna, incluindo espécies ameaçadas de extinção e raras no estado. Um exemplo é a última população de arara-maracanã (Primolius maracana) do Rio Grande do Norte, que corre o risco de ser extinta em solo potiguar por conta do avanço desenfreado de parques eólicos na já restrita área de distribuição, localizada no município de Cerro Corá e seu entorno.

Mesmo o recém-criado Geoparque Seridó, que deve ser devidamente comemorado, fruto do intenso trabalho do grupo de pesquisa do professor doutor Marcos Nascimento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, não garante a efetiva proteção do rico patrimônio natural, cultural e arqueológico da região, já que não existe legislação protetiva específica para essas áreas reconhecidas pela UNESCO no Brasil. Contudo, isso pode acontecer com a associação do Geoparque a uma política de criação de áreas protegidas previstas no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, como acontece no famoso Geoparque Araripe do Ceará, que conta com pelo menos uma Área de Proteção Ambiental, uma Floresta Nacional, dentre outras UCs municipais e reservas particulares. No entanto, no sentido oposto, o que vemos na região Seridó, além da histórica exploração predatória para a indústria ceramista, é o avanço da liberação de extensos parques eólicos nas suas serras através de processos de licenciamento questionáveis, feitos apenas com estudos simplificados e sem audiência pública.

Em linhas gerais, o estado tem adotado uma política exclusivamente desenvolvimentista em termos de ocupação de áreas sensíveis e indicadas como prioritárias para conservação, inclusive naquelas onde o processo de desertificação tem se intensificado ano após ano, como o Seridó, tema que foi capa do jornal The New York Times recentemente. Além disso, a estagnação no processo de criação de áreas protegidas e na política ambiental do estado, que não acompanha nem de longe o avanço dos empreendimentos sobre áreas biológicas, paisagística e culturalmente relevantes, é preocupante e tem sido alertada por pesquisadores, ambientalistas e ativistas sociais há mais de cinco anos. Isso ocorre mesmo com toda a compensação ambiental prevista tendo em vista os inúmeros empreendimentos instalados ou em processo de licenciamento, que se utilizados de forma econômica e ecologicamente estratégica, poderiam colocar o estado numa posição de vanguarda, como líder na produção de energia por fontes renováveis ao mesmo tempo que compatibiliza esse desenvolvimento com a conservação da natureza e a justiça social. No entanto, o que vem acontecendo é um descaso socioambiental que vai em desacordo com o que cientistas locais e do mundo todo têm pregado em termos de desenvolvimento econômico sustentável, prezando pelo respeito às populações locais e ao meio ambiente, e privilegiando a preservação de áreas e estimulando programas de reflorestamento e de fomento ao turismo de natureza e de interior. Atrelando preservação ao turismo, por exemplo, é possível incrementar a renda de moradores locais da Caatinga, algo bem mais duradouro que certos ventos passageiros!

Finalmente, é urgente que o estado do RN repense sua política ambiental e implemente políticas capazes de garantir a conservação da biodiversidade potiguar e do nosso patrimônio histórico, cultural e natural para as presentes e futuras gerações.

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