“A Lei da Anistia não pode ser um instrumento para estabelecer a amnésia, o esquecimento”. A reflexão é da pesquisadora e jornalista potiguar Jana Sá, diretora do documentário “Não foi acidente: mataram meu pai”, com lançamento previsto para 2022 em data ainda a ser divulgada. O filme revela vários pontos ainda não esclarecidos sobre a morte do militante comunista Glênio Sá, único norte-rio-grandense a lutar na mítica guerrilha do Araguaia.
Preso e torturado, sobreviveu à barbárie e morreu em 1990 num acidente automobilístico ainda cercado de mistério quando voltava de uma atividade de campanha.
Jana falou sobre a perda do pai e a produção do documentário ao público neste sábado (2), durante o 7º Encontro Norte-Nordeste de Comitês e Comissões por Memória, Verdade e Justiça, evento realizado entre 1º e 3 de abril, em Teresina (PI).
– Foi difícil rever as histórias e revisitar os arquivos. Costumo dizer que esse filme não é sobre a história do meu pai, é sobre a história do Brasil que, infelizmente, ainda precisa ser disputada para não ser contada à moda dos opressores. A morte de painho se soma à morte dos que tombaram pós-período de democratização e que não estão contabilizadas ainda”.
Jana Sá, pesquisadora, jornalista e diretora do documentário “Não foi acidente: mataram meu pai”
Pré-candidato ao Senado, Glênio voltava para Natal a bordo de um fusca com outros três companheiros do PCdoB quando bateu de frente em uma Opala, de placa fria, no interior do Rio Grande do Norte. A família nunca teve acesso ao laudo técnico do acidente, mas encontrou nos arquivos oficiais do Estado brasileiro – abertos por força da Comissão Nacional da Verdade – uma série de indícios que reforçam a tese de que a tragédia que abateu a família Sá não foi um acidente.
De acordo com informações do próprio Exército brasileiro, Glênio Sá foi monitorado pelos militares por pelo menos 10 anos após a promulgação da lei de Anistia, em 1979. Outro mistério está relacionado a um assalto na casa da família Sá, após a morte dele, em que apenas documentos e fotografias foram roubados. Pouco antes de morrer, Glênio também recebeu ameaças por jornais da cidade ou através de bilhetes deixados no portão de casa.
O documentário de Jana também revê o pai amoroso que ela perdeu quando tinha apenas 6 anos de idade:
– O melhor que um comunista sabe fazer na vida é amar. E meu primeiro artigo escrito sobre meu pai foi sobre isso e teve como título “Comunista por opção, pai por amor”. É assim que eu ainda o vejo”, declarou.
Bastante aplaudida pelo público do encontro, Jana Sá terminou o relato pedindo uma reflexão sobre a vida e a luta por mudanças na sociedade:
– Nossa luta é por outro modelo, é para derrotar o capitalismo, é pelo socialismo. Não podemos ter vergonha ou medo dos nossos símbolos, como o da união que é a foice e o martelo. Não podemos aceitar o comunismo como forma de xingamento. Esse encontro deve reforçar a necessidade da gente fortalecer nossas instituições pela democracia”, disse.