Juventude indígena aposta na comunicação para fortalecer laços e conquistar espaços junto às lideranças tradicionais
Natal, RN 29 de mar 2024

Juventude indígena aposta na comunicação para fortalecer laços e conquistar espaços junto às lideranças tradicionais

14 de abril de 2022
10min
Juventude indígena aposta na comunicação para fortalecer laços e conquistar espaços junto às lideranças tradicionais

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Mitã nasceu no território indígena Xipaya, na região de Altamira, sul do Pará, estado que concentra aproximadamente 60 aldeias de povos originários. Uma das lideranças emergentes da juventude indígena brasileira, o paraense de 22 anos é um exemplo de como a comunicação virou estratégia essencial para o fortalecimento do movimento relativamente novo de jovens indígenas que buscam diálogo e espaço junto aos caciques e demais lideranças tradicionais.

Focado nas áreas de audiovisual, fotografia e atuante na 18ª edição do Acampamento Terra Livre, que começou dia 4 de abril e termina nesta quinta-feira (14), em Brasília, Mitã divulga informações sobre o ATL e outras pautas indígenas em seu próprio canal no instagram, o @marikayu_xipaya, e também para o Xingu + , rede formada pelas aldeias e comunidades que fazem parte do Corredor Xingu, e duas organizações que também apoiam e estimulam a cobertura de ações e eventos indígenas: a Federação dos Povos indígenas do Estado do Pará (Afepipa) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiabe):

- Se a gente parar para ver, a maioria da galera que está trabalhando com comunicação no ALT, que é a maior mobilização dos povos indígenas do mundo, é indígena. São jovens e outras pessoas com mais experiência. Eu mando material para três coletivos, que fazem comunicação para quem está no território e precisa ver o que está acontecendo aqui e em outros lugares do país”, destacou.

No movimento de povos originários, jovens e as organizações indígenas já entenderam a importância estratégica da comunicação. Em 2022, no maior ATL já realizado em 18 edições, com mais de 8 mil indígenas acampados em Brasília, foram quase 200 comunicadores, entre indígenas e não indígenas, e mais de 120 veículos independentes, participando de uma cobertura colaborativa.

Pandemia acelerou inclusão digital nas aldeias

Comunicadores indígenas cobrindo o Acampamento Terra Livre 2022 / foto: reprodução

A comunicação ganhou um peso maior para o movimento com a pandemia. Em razão do isolamento social, e sendo o movimento indígena essencialmente presencial, as mídias sociais passaram a ter mais relevância =para divulgar as pautas e chamar a atenção da sociedade para frear os ataques de invasores e do próprio governo Bolsonaro aos povos originários.

Ferramentas de comunicação também estão sendo usadas para amplificar as vozes da juventude junto às lideranças tradicionais, já que nem sempre a receptividade é tranquila. Durante uma das plenárias realizadas no ATL 2022, um jovem indígena chegou a comparar as diferentes formas de luta ao lembrar que “enquanto os antigos lutavam com arco e flecha, nós usamos os maracás”, uma referência ao instrumento indígena usado em cerimônias religiosas e de guerra:

"O movimento indígena vem sendo modernizado, há novas ferramentas de luta. A gente entende que nossas lideranças tradicionais já conseguiram muita coisa para nós, agora é papel da juventude interagir na luta, fortalecer aqueles direitos que já foram conquistados e avançar na conquista de mais direitos. É muito bom quando você abre a Constituição e vê aqueles direitos bonitos, mas infelizmente aquilo não é executado. Queremos falar, ocupar espaços. Não queremos conflitos com as lideranças nem tomar as lideranças dos mais velhos. Queremos estar ao lado, não à frente”,

Mitã Xipaya, comunicador e liderança entre jovens indígenas

- Não queremos impor que as lideranças aceitem nossa forma, mas ajudar que eles entendam esse novo momento. Não gostamos de usar a palavra “integrar”, como os homens brancos usam muito, mas precisamos adquirir o conhecimento não indígena para combater os ataques contra nós”, explicou.

“Hoje temos nossa voz e as ferramentas de mídia”, diz indígena da aldeia Arara

A jovem Sabrina Arara tem avaliação semelhante e diz que a geração atual conta com outras formas de levar a mensagem até os demais parentes:

- Antigamente era uma luta corporal de resistência, mas as ferramentas de hoje são diferentes. Hoje não usamos o arco e a flecha pra lutar. Hoje temos nossa voz e as ferramentas de mídia. Muita gente acha que o povo indígena tem que andar com seus trajes 24 horas e arco e flecha na mão. E não é assim. Vamos evoluindo”, diz.

Sabrina é originária do território Arara, de Rondônia. Só naquele estado são 52 povos e 38 línguas diferentes. O censo mais recente revela que mais de 26 mil indígenas vivem na região, sendo quase 4 mil só no território Arara. Ela também é entusiasta do uso de tecnologias para replicar a pauta do movimento:

- Qualquer indígena possui um aparelho celular, e essa é uma ferramenta importante para a gente denunciar as invasões que acontecem nos nossos território, a criminalidade que acontece no geral. Nos propomos a filmar, gravar e também ensinar a população brasileira que o indígena não é o que ensinam nas escolas, aquela pessoa que bate na boca e faz uhu. Eles não sabem nossa cultura, a sociedade tem uma ideia bem diferente do que é ser indígena. Não somos uma coisa só. Até no meu Estado acham que é só um povo. Mas Rondônia tem 52 povos e 38 línguas”, contou.

Não é só pela terra: pautas da juventude priorizam educação, saúde mental e mudanças climáticas

ATL 2022 foi um marco para o movimento nacional de Juventude / foto: Rafael Duarte

A juventude tem pressa em se fazer ouvir. A pauta específica do movimento inclui as demandas tradicionais dos povos originários, como a demarcação de terras e o arquivamento de uma série de projetos que tramitam no Congresso Nacional com ataques aos indígenas, mas os jovens vão além.

Na plenária da Juventude, realizada no ATL, indígenas de vários estados brasileiros discutiram temas como Território e mudanças climáticas; o indígena no contexto urbano e sem território; saúde mental e deficiência física; educação; movimento de juventude de base; facções e perspectivas; comunicação; além de políticas públicas voltadas para os jovens.

A preocupação com a saúde mental dos parentes, por exemplo, é latente. O próprio Mitã Xipaya revela que já sofreu com crises a partir de pressões externas:

- A questão da saúde mental é bem pesado para a nossa geração. Estamos saindo de uma pandemia em que o índice de suicídio entre a juventude aumentou tragicamente, não só na Amazônia, mas nos territórios de um modo geral. Os invasores não deixaram de nos atacar. Os indígenas ficaram quietos em casa, mas os invasores não. E precisamos ter um acompanhamento de um profissional. Eu mesmo já tive várias crises porque sofremos muita pressão. Quando respondemos a um ataque de um governo ou de uma empresa grande sofremos muita pressão de pessoas de fora, somos ameaçado, corremos risco de vida, a família pede para que a gente volte pra não nos perder também. Eu penso: se eu for naquele palco falar, amanhã vou estar morto ? Temos muitas lideranças jovens perseguidas, torturadas, mortas, esse acompanhamento precisa ser pensado urgentemente e a comunicação ajuda nisso”.

Mitã Xipaya

Nacional

Sabrina Arara acredita que a partir da 18ª ATL o movimento da juventude indígena ganhe um caráter nacional, mais organizado:

- A gente quer abranger não só o nosso estado, mas o Brasil inteiro, queremos alcançar a juventude indígena em todos os cantos do país. A gente sempre vem acompanhando as lideranças mais velhas, mas não tinha esse espaço e hoje estamos nos organizando pra também somar com eles. Que cidadãos indígenas queremos formar para o futuro ? É nisso que precisamos pensar”, afirmou.

Juventude indígena do RN quer demarcação de terra e ampliação do mercado de trabalho

Eduarda e Leo são tapuias, moram na aldeia Tapará e lutam em nome da juventude / foto: Rafael Duarte

Eduarda Bezerra, 22, e Leo Tarairiú, 26, são os coordenadores do movimento de juventude no Rio Grande do Norte da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). No único Estado do país onde não há territórios indígenas demarcados, a urgência maior é pelo registro da terra. No entanto, a juventude também encampa outras frentes de luta. O restrito mercado de trabalho é uma das demandas prioritárias da pauta local:

- Muitas empresas pedem para que os funcionários trabalhem perto do emprego para não pagar vale-transporte. E como nosso território está localizado na zona rural isso dificulta muito

nossa situação. Se já complicado para quem não é jovem, imagine para nós”, diz Eduarda, que sonha também com mais cursos profissionalizantes para qualificação de jovens indígenas para o mercado de trabalho.

Tanto ela como Leo são originários do povo Tapuia e moram na comunidade Tapará, na região de Macaíba. Os dois participam do Conselho Comunitário Indígena local, formado em sua maioria por jovens e mulheres. O fórum debate uma vez por mês as demandas da comunidade e, diferente do que acontece em outros povos, Leo nota uma boa receptividade das lideranças mais velhas às pautas da juventude:

- O mundo gira em torno da comunicação hoje e a juventude quer ser ouvida. Em Tapará as lideranças nos ouvem, até as questões sobre o que eles vão fazer, discutem com a gente, querem saber nossa opinião. Há um diálogo muito bom entre a juventude e os caciques”.

Léo Tarariú, coordenador da juventude indígena no RN

Outra pauta em curso em Tapará é a luta por um escola estadual indígena, já garantida pelo Governo do Estado, mas que ainda não começou a funcionar. As escolas municipais de educação básica, em Macaíba e São Gonçalo do Amarante, tem problemas estruturais nos prédios usados pelas prefeituras.

Atualmente, Eduarda e Léo estão na expectativa de aprenderem a língua de origem deles, o Brobó. Uma professora da comunidade tem se empenhado em ensinar para os curumins da aldeia a língua-mãe dos Tapuias. Em breve, acreditam, será a vez deles:

- Colocamos sempre a questão de resgatar nossa língua. Uma professora está passando para os curumins o Brobó, nossa língua. Não temos ainda um grande entendimento, queremos que ela passe para a gente também”, encerraram

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