Livro: objeto emocional, afetivo, estético, político…
Natal, RN 29 de mar 2024

Livro: objeto emocional, afetivo, estético, político…

15 de abril de 2022
9min
Livro: objeto emocional, afetivo, estético, político…

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Por Wani Pereira Fernandes

No contexto político atual do país, a leitura e seu suporte, o livro, ganham uma importância desmedida como estratégias de resistência à toda forma de barbárie e de negacionismo. É preciso lembrar que a partir de 2016, com o golpe parlamentar que destituiu o mandato da Presidenta da República Dilma Rousseff, todos os aparatos e instituições que tratam da educação e cultura em geral encontram-se num processo de desmonte sem precedentes.

Além dos cortes de verbas radicais para esses segmentos, em abril de 2021 a Frente Parlamentar de Incentivo à Leitura, Leitores, Editores e representantes de segmentos vinculados ao universo livreiros, se somaram à campanha #DefendaOLivro. Parlamentares e convidados rechaçaram qualquer espécie de tributação sobre os livros ao debater na Comissão de Educação, um projeto do Poder Executivo (PL 3887/20) que naquela data encontrava-se em análise na Câmara dos Deputados. Desde a Constituição de 1946, por iniciativa do escritor e na época deputado constituinte Jorge Amado (1912-2001), os livros são imunes a impostos no Brasil. Em 2004 também se tornaram isentos de algumas contribuições sociais. A Constituição de 1998 garantiu a imunidade tributária ao livro com o objetivo de assegurar a democratização do acesso aos livros, jornais e outras publicações.

A leitura, o livro e sua inserção nas culturas, derivam de um longo processo sócio-histórico, a partir da criação de signos, símbolos, interpretações e linguagens, desde as inscrições rupestres nas paredes das cavernas, nas peles de animais (estelas), na argila (tabuinhas cuneiformes), nas plantas (rolos de papiro) passando pelo códex, pelo livro contemporâneo, às telas dos computadores e textos eletrônicos.

O ‘historiador da escrita’ como se intitula Roger Chartier (1988), reconhece que “a revolução iniciada com o volumen (livro composto por cadernos), que substitui o códex (composto de folhas dobradas costuradas ao longo de uma aresta, considerado o precursor do livro) - é antes de tudo uma revolução dos suportes e formas que transmitem o escrito”. Para o autor, a leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção; ela é um engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação consigo e com os outros. Uma história da leitura, diz Chartier, deve extrapolar nossa maneira contemporânea de ler em silêncio e com os olhos, e descreve performances no ato da leitura nos séculos XVI e XVII, constituída numa ‘oralidade’, onde a leitor aparecia como “um ouvinte da palavra lida”. Nesse sentido podemos nos reportar ao triângulo formado pela relação entre o texto, o livro e a leitura - onde os leitores, sob o solo da linguagem, são viajantes: circulam sobre as terras de outrem..., como nômades através dos campos que não escreveram... A escrita acumula, estoca, resiste ao tempo pelo estabelecimento de um lugar, e multiplica a sua produção pelo expansionismo da reprodução.

É bom lembrar que a cada nova tecnologia surgida, sempre se propaga o desaparecimento de uma anterior. Por exemplo, quando do lançamento da TV, do vídeo cassete, decretou-se a morte das salas de cinema. Apesar de todas as previsões escatológicas acerca de seu desaparecimento’, anunciada em 2018 em Davos, o livro, essa memória vegetal assim denominada por Umberto Eco (2014), conta com 566 anos de existência, se tomarmos como referência o livro impresso mais antigo, a Bíblia de Gutenberg, no ano de 1455.

Na sociedade contemporânea, os livros representam os velhos sábios e narradores das sociedades ancestrais. Umberto Eco ao reconhecer a perenidade dos livros, contradiz estatísticas de que se lê cada vez menos, que os novos meios de informação decretarão a morte dos livros.

Se “a morte dos livros foi decretada”, como explicar um fenômeno na contramão, deste vaticínio diante do acontecimento dos Clubes de Leituras que em 2018 apareceram pela primeira vez na lista ―, com 1,08% do mercado no ano passado? O Brasil conta atualmente com dois milhões de assinantes de clubes de leitura, uma empreitada encabeçada pela TAG no país desde 2014. “A crise não é de leitor. É do mercado do livro”, diz, em entrevista ao jornal eletrônico El País em 27/12/201, Arthur Dambros, diretor de marketing da TAG, que fechou seu primeiro ano, em 2015, com apenas 100 assinantes e hoje conta com 45.000.

Acontecimento semelhante ocorreu também na cidade do Natal. No final de 2020, em plena pandemia, 26 grupos e clubes de leitura criados entre 2016 e 2020, participaram de um encontro online, atendendo ao convite do Coletivo Mulherio das Letras Zila Mamede. Naquela ocasião, foi apresentada a proposta de criação de uma Rede de Leitores. Dado um prazo para envio dos dados de identificação dos grupos, a Rede de Leitores é registrado como projeto de extensão na UFRN, contando coma a adesão 09 grupos: Clube De Leitura Mulheres Lendo Mulheres. Natal/RN, pertencente ao coletivo feminista literário Mulherio das Letras Zila Mamede; Mulherio, Voz e Leitura. Parnamirim/RN; Clube de Leitura Viramundo. Natal/RN, que atua junto à Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer - SEC/RN; Leia Mulheres Natal, integrante do projeto nacional @_leiamulheres, 1º Grupo originário de S. Paulo; Banquete de Livros, registrado no Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas - DELEM/Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes; Projeto Picnic Corpo e Mente. Bairro de Nova Parnamirim/ Parnamirim/RN; Bolo de Chocolate – Natal/RN; Candeeiro; Clube do Livro Escrevivências, Leituras & Linguagens. Campus Mossoró Mossoró/RN. Ainda no contexto dos IF’S, “saindo do forno” o Clube “Abrace o seu Romance”, cuja primeira edição ocorreu no dia 8 de outubro de 2021.

Já o mercado livreiro no Brasil vem desde 2016 registrando uma queda nos negócios, ampliado pela crise das grandes marcas como o grupo Livraria Cultura e Saraiva. Com a pandemia e a obrigatoriedade do Lockdown, as portas das Livrarias foram cerradas. Aqui em Natal não foi diferente. A Livraria da Cooperativa Cultural ficou fechada por mais de 120 dias. O serviço do Delivery, a campanha #APOIEACOOPERATIVA, doações, editais direcionados ao Setor Livreiro e a Lei Aldir Blanc, além das parcerias firmadas com o ADURN Sindicato e SICOOB-RN foram as saídas encontradas pela administração da livraria e no mês de junho de 2020 e a livraria foi aberta parcialmente.

Em 2021, com a campanha de vacinação, ainda que com todos os impedimentos e atrasos com que o país se deparou, nossos leitores retomam seu convívio com a Livraria, intensificando-se a frequência após a aplicação da segunda dose das vacinas disponíveis. Projetos presenciais foram adaptados às plataformas virtuais, foi instalada a Loja Virtual, ampliamos o acesso às mídias de comunicação.

Foi indiscutível a contribuição das ferramentas digitais para a venda e aquisição dos livros impressos. Novas livrarias de rua, surgiram em plena pandemia e fizeram uso das mídias eletrônicas para disponibilizar seus títulos no período do lockdown. As próprias editoras instalaram lojas virtuais o que contribuiu para um aquecimento do mercado editorial. Uma matéria da Veja, registra que uma pesquisa feita pela Nielsen, em parceria com o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), apontou um aumento de 46% na venda de livros entre os primeiros semestres de 2020 e 2021. Os expressivos 998,5 milhões de reais somados indicam que, para além do arrefecimento da pandemia, a junção de esforços comerciais entre livrarias físicas e comércio digital não só permitiu um cenário favorável, mas também superou marcas no mesmo período de 2019.

O último Relatório Retratos da Leitura no Brasil (Instituto Pró-Livro, 2019), registra ‘a preferência dos leitores pelo livro em papel, que muitos títulos impressos foram adquiridos após pesquisas em mídias eletrônicas, que se lê por gosto, e os maiores incentivadores da leitura são os educadores’. Entretanto o mesmo documento registra uma redução do número de leitores em geral. E no segmento analisados “formação de leitores na escola os modelos de formação dos currículos escolares aparecem como deficitários”, assim como a “formação literária do professor, a seleção das obras literárias lidas, e as não lidas na escola”, registrado no percentual dos alunos na transição entre o Ensino Fundamental e o Ensino Médio - quando mudam as razões e o modo como se lê literatura na escola –, “formação literária do professor” aparece como uma das principais explicações para o desinteresse desses leitores.

Certamente o próximo relatório Retratos da Leitura no Brasil, trará um cenário bem mais promissor, na medida em que o segmento Clube de Leitores merece uma atenção muito especial. “Não contem com o fim do livro”, é uma declaração de amor desmesurada a esta memória vegetal enunciada por Eco, em defesa do ciclo virtuoso formado em torno desse objeto emocional, afetivo, estético, político e seus inúmeros rizomas: a música, a literatura, a poesia, artes plásticas, o Livro!

* Wani Pereira Fernandes é professora aposentada da UFRN e atual vice-presidenta da Livraria Cooperativa Cultual

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Sugestões de leituras

CARRIÓN, Jorge. Contra a Amazon. E Outros Ensaios sobre a Humanidade dos Livros. São Paulo: Editora Elefante, 2020.

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. Roger Chartier. São Paulo: Editora UNESP, 1999.

ECO, Umberto, CARRIÉRE Jean-Claude. Não contem com o fim do livro. Rio de Janeiro: Record, 2010.

ECO, Umberto. A memória vegetal: e outros escritos sobre bibliofilia. Rio de Janeiro: Record, 3ed., 2014.

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Para adquirir as indicações e outros livros e utilizar os serviços de copiadora, papelaria e da cafeteria, visite a Livraria da Cooperativa Cultural, no Centro de Convivência da UFRN das 8h às 18h, ou acesse o site https://cooperativacultural.meusitenouol.com.br/. A Livraria também atende por delivery pelo WS 9864-1991.

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