Cacique Luiz Katu: “Bolsonaro retoma o decreto de Marquês de Pombal para extinguir os indígenas e torná-los indigentes”
Natal, RN 29 de mar 2024

Cacique Luiz Katu: “Bolsonaro retoma o decreto de Marquês de Pombal para extinguir os indígenas e torná-los indigentes”

10 de abril de 2022
12min
Cacique Luiz Katu: “Bolsonaro retoma o decreto de Marquês de Pombal para extinguir os indígenas e torná-los indigentes”

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Luiz Katu, 46 anos, é uma das principais lideranças indígenas do Rio Grande do Norte, único estado do Brasil sem território demarcado em nome dos povos originários da região. Ele é cacique do território Potiguara Katu, onde moram 273 famílias da aldeia Catu, nos limites dos municípios de Canguaretama e Goianinha. O Estado potiguar, cujo nome do povo remete à principal nação indígena do litoral sul do país, se soma aos demais 25 estados da federação na maior mobilização indígena já realizada nas últimas duas décadas.

O 18º Acampamento Terra Livre, que começou em 4 de abril e segue até dia 14, em Brasília, deve atrair mais de oito mil indígenas, representando as 305 etnias que ainda existem e seguem resistindo no país.

A Agência Saiba Mais cobre o ATL 2022 a partir deste domingo (10) e segue até o final da mobilização. As barracas estão montadas no complexo da Fundação Nacional de Cultura (Funarte), a poucos metros da Esplanada dos Ministérios.

No dia 14 está prevista a votação no Congresso Nacional do PL 191/2020, que regulamenta a mineração nos territórios indígenas. A proposta é apontada pelos povos originários como um dos maiores ataques à existência indígena. A outra pauta-bom, já em análise pelo Supremo Tribunal Federal, é a chamada PEC do Marco Temporal, que considera território indígena apenas terras ocupadas até a data da promulgação da Constituição de 1988, o que abre uma brecha enorme para mais ataques e expulsões de indígenas das terras hoje ocupadas por eles.

Do Rio Grande do Norte, vieram ao ATL 54 indígenas das aldeias Catu (Canguaretama/Goianinha), Sagi-Trabanda (Baía Formosa), além de representantes do território Tapuia, da comunidade Tapará, na região de Macaíba e São Gonçalo do Amarante. Três etnias ainda resistem no Estado potiguar: os potiguaras, os tarairiús e os paiacús.

Luiz Katu compara o governo Bolsonaro à gestão do ex-ministro Marquês de Pombal, responsável pela edição em 1755 do chamado Diretório dos Índios, decreto que definiu o Português como a única língua falado no Brasil, extinguindo o Tupi; proibiu a nudez e as habitações coletivas; obrigou os indígenas a adotarem sobrenome português; e adotou uma política para incorporar os indígenas à sociedade dos brancos, ao mesmo tempo em que estimulava a mestiçagem.

Nesta entrevista especial concedida na manhã de hoje já no acampamento, em Brasília, Luiz Katu fala das perspectivas do movimento nacional, da brutalidade do governo Bolsonaro contra os povos originários e da insegurança e os perigos que cercam os indígenas do Rio Grande do Norte pela falta de demarcação do território. Para ele, já passou da hora dos povos originários ocuparem espaços na política para avançar na luta por direitos.

Confira a entrevista:

Agência Saiba Mais: Luiz, qual o significado do acampamento Terra Livre em 2022 e quais as pautas mais urgentes do movimento hoje ?

Cacique Luiz Katu: O principal tema do acampamento Terra Livre 2022 é retomar o Brasil, demarcar territórios e aldear a política. É preciso que a nação indígena que ocupa todos esses territórios se una num propósito de lutar para que suas políticas públicas, suas formas de resistência possam ser consideradas nesse país. É importante que os povos indígenas em si retomem a pauta de luta conjunta, em todas as áreas, seja na demarcação de território, da educação, saúde, do etno-desenvolvimento... Então o tema central é esse: retomar o Brasil. Os indígenas precisam realmente mostrar suas caras, se inserir na política, por isso aldear a política, disputar as diversas áreas da política, seja municipal, estadual e federal, para defender seus direitos de fato. É necessário que o indígena defenda e legisle em prol dos seus direitos fundamentais.

Quantos indígenas estão sendo esperados até o final do acampamento e quantos povos serão representados ?

O ATL espera uma faixa de 8 mil indígenas no acampamento. Estamos aqui somando essa força, com a delegação do Estado do Rio Grande do Norte, representando 305 etnias ainda presentes no país. Algumas delegações já foram embora, mas ainda está chegando muitas delegações de todos os cantos do país, montando barraca e se somando ao movimento.

"Os indígenas precisam realmente mostrar suas caras, se inserir na política, por isso aldear a política, disputar as diversas áreas da política, seja municipal, estadual e federal, para defender seus direitos de fato. É necessário que o indígena defenda e legisle em prol dos seus direitos fundamentais".

Como a programação do ALT 2022 foi pensada, quais os eixos dos debates ?

Temos um grande palco principal montado para o ATL, então são várias plenárias, debates, palestras, com o protagonismo dos povos indígenas falando sobre educação, saúde, territorialidade, etno desenvolvimento, pautas que envolvem questão de gênero, o protagonismo dos jovens indígenas, tudo isso é tratado no ATL, além de caminhadas para mobilização rumo ao congresso nacional protestando contra a política do governo Bolsonaro.

O lema do ALT 2022 é “Retomando o Brasil: demarcar territórios e aldear a política”. Essa é uma sinalização de que, num ano eleitoral, os indígenas querem ocupar mais espaços na política do país ?

Sim, esse é um chamamento aos povos indígenas para que ocupem seus postos de direitos, é uma convocação para que concorram às eleições que estão vindo e as demais eleições seguintes. É importante ter indígenas decidindo e legislando, defendendo a pauta da causa indígena das câmaras municipais, à frente das prefeituras, do congressos nacional, nas assembleias legislativas, é importante que os indígenas estejam juntos, para poder, a partir daí, retomar o que é seu de direito: o direito à demarcação, o direito à saúde específica, o direito à educação específica e o direito ao etno-desenvolvimento.

Para Luiz Katu, o projeto do governo Bolsonaro é transformar indígenas em indigentes / foto: Rafael Duarte

Para os indígenas, o que diferencia o governo Bolsonaro dos governos passados ? Há um projeto de massacre dos povos indígenas em curso como o que havia na época da ditadura, por exemplo ?

O governo Bolsonaro superou as atrocidades de qualquer outro governo, ele se equipara às políticas que aconteciam antes da criação o próprio Sistema de Proteção ao Índio (SPI), um sistema integracionista. O governo Bolsonaro recobra, traz a ideia de não demarcar territórios indígenas, que é o que dizia o decreto do Marquês de Pombal, lá no passado, que era acabar com as aldeias, extinguir os povos indígenas, de tornar-nos não indígenas, mas indigentes. Essa é a politica do governo Bolsonaro. Todos os Projetos de lei, todas as propostas de emenda constitucional que a bancada que o apoia, apresenta segue essa linha, de genocídio, de extermínio dos povos indígenas. Diferente dos outros governos, que demarcaram poucas, mas demarcaram, o governo Bolsonaro tem uma política explícita de não demarcar, de abrir as fronteiras dos povos isolados, de abrir os espaços de ocupação garantidos constitucionalmente aos índios isolados, para o minério, para o garimpo, à retirada ilegal de madeiras, ao avanço do agronegócio em terras indígenas. E isso é uma política genocida para exterminar a população indígena brasileira, diluí-la na sociedade para depois ter um Brasil onde se diz, “olha, não há indígena, não há força do movimento indígena, não há mais povos originários. O Brasil é do agronegócio, é das multinacionais, o Brasil pode agora ser leiloado porque os indígenas podem ser leiloados por que os indígenas foram exterminados pela política do governo atual”. É isso que deseja esse governo.

"O governo Bolsonaro traz a ideia de não demarcar territórios indígenas, que é o que dizia o decreto do Marquês de Pombal, lá no passado, que era acabar com as aldeias, extinguir os povos indígenas, de tornar-nos não indígenas, mas indigentes".

O Rio Grande do Norte é o único estado do Brasil onde não há terras indígenas demarcadas. Que perigo isso representa para os povos indígenas do Estado ?

O Rio Grande do Norte ainda é o único estado que não tem território demarcado, a gente carrega essa marca. Isso pra nós é uma carga de preconceito, de racismo, que reforça estereótipos e prejudica o avanço das políticas públicas específicas para o nosso povo. Isso tem prejudicado, por exemplo, na política específica de saúde. Precisamos no Rio Grande do Norte de um Distrito Sanitário Especial Indígena (Dicei) para atender a saúde indígena e a falta de demarcação de territórios tem travado o avanço do diálogo para se trazer um Dicei para o RN. Precisamos avançar nas políticas de educação para construir escolas indígenas e a falta de demarcação tem prejudicado essa pauta também. Hoje precisamos ter proteção direta do Ministério Público Federal e da Polícia Federal em territórios indígenas e a falta da demarcação trava essas ações. A retirada ilegal de madeira, principalmente no território potiguara Catu... o que sobrou de mata atlântica naquela região está sendo violada todos os dia com a retirada de sucupira, Ipê, várias madeiras usadas para fazer móveis, fios... todos os dias são retiradas essas madeiras e não conseguimos avançar nessa proteção, nessa defesa, na cobrança de direitos, fazemos isso engatinhando aos poucos. E por quê isso acontece ? Porque a falta de demarcação tem provocado todos esses males. Demarcar um território indígena no Rio Grande do Norte é garantir também que essas aldeias se fortaleçam, que essas aldeias tenham uma perspectiva de futuro para proteger suas nascentes, seus rios, suas lagoas e a própria Mãe Terra.

"E isso é uma política genocida para exterminar a população indígena brasileira, diluí-la na sociedade para depois ter um Brasil onde se diz, “olha, não há indígena, não há força do movimento indígena, não há mais povos originários. O Brasil é do agronegócio, é das multinacionais, o Brasil pode agora ser leiloado porque os indígenas podem ser leiloados por que os indígenas foram exterminados pela política do governo atual”. É isso que deseja esse governo".

Como a delegação do Rio Grande do Norte está representada no ATL ?

Do Rio Grande do Norte, 43 indígenas vieram num ônibus específico juntando as aldeias Catu (Canguaretama/Goianinha), Sagi-Trabanda (Baía Formosa), além das aldeias do território Tapuia, da Lagoa do Tapará (Macaíba/São Gonçalo do Amarante). Também veio outra delegação, do território Mendonça, com mais 11 indígenas, mas já foram embora. Então foram 54 anos indígenas no total, sendo que agora só estamos em 43.

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Que mensagem você gostaria de mandar daqui do Acampamento Terra Livre ao povo potiguar, que apesar do nome fazer referencia a um povo indígena, ainda tem pouco conhecimento sobre as pautas indígenas ?

As pessoas que hoje moram no Estado do Rio Grande do Norte são chamados potiguares, nome aportuguesado que vem do povo potiguara, maior nação indígena do litoral sul desse Brasil, que hoje ocupa do Ceará a Paraíba. Então as pessoas que lá moram levam o nome dessa nação indígena. É importante que a opinião pública comece a buscar e a querer saber mais sobre os povos indígenas vivos. É hora de parar de apenas ler livros que contam história de índios massacrados e mortos que comiam tapioca e plantavam mandioca. Não. É importante conhecer o presente desse povo e a perspectiva de futuro das três etnias hoje que lutam no estado do Rio Grande do Norte: os potiguaras, os tarairiús e os paiacús. São povos indígenas que estão lutando para continuar existindo, resistindo, para proteger a mãe Terra, esse solo sagrado, as nascentes, as lagoas às quais estão próximos, para proteger a própria Mãe Terra em sim. Demarcar é proteger. É importante que a opinião pública veja dessa forma e quebre essa invisibilidade.

"É importante que a opinião pública comece a buscar e a querer saber mais sobre os povos indígenas vivos. É hora de parar de apenas ler livros que contam história de índios massacrados e mortos que comiam tapioca e plantavam mandioca. Não. É importante conhecer o presente desse povo e a perspectiva de futuro das três etnias hoje que lutam no estado do Rio Grande do Norte: os potiguaras, os tarairiús e os paiacús".

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