Está prevista para o final de junho o início das obras para a construção de uma trincheira no cruzamento da Avenida Salgado Filho com a Alexandrino de Alencar, zona sul de Natal (RN). A promessa da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU) é de reduzir os engarrafamentos no local, avaliação da qual os moradores e comerciantes da região discordam e ainda apontam a falta de estudos para a realização da intervenção, considerada de grande impacto.
“Estamos preocupados, principalmente, diante da ausência de informação. Ficamos até surpresos com a pressa da prefeitura [de Natal] para realizar um serviço que é tão importante. Soubemos da obra em fevereiro e depois do carnaval procuramos a STTU, mas eles disseram que não tinham muita informação, que por enquanto eles só tinham a ideia de como seria, mas que não estava nada pronto. De repente, somos surpreendidos com a notícia de construção da trincheira pela imprensa”, relata Sandro Pachêco, Síndico do Condomínio Tirol Way.


Para ter acesso ao projeto de construção da trincheira e aos estudos necessários para realizá-lo, Sandro, juntamente com outros interessados que vivem ou circulam na região, tiveram que pedir as informações por meio da Lei de Acesso à Informação. O pedido foi feito no último dia 11 de maio, mas até agora não houve qualquer retorno. A Prefeitura de Natal tem um prazo de 20 dias para responder a solicitação.
Pelos cálculos da STTU, a obra deve absorver o fluxo de veículos dos próximos dez anos, que deve passar dos atuais 65 mil veículos para 95 mil veículos por dia. Para a construção da trincheira, o cruzamento da Avenida Salgado Filho com a Alexandrino de Alencar ficará parcialmente interditado pelo período de nove meses, a partir do final de junho. Durante o período de obras, apenas uma mão na Alexandrino e outra na Salgado Filho deve continuar aberta ao tráfego. Pelo cronograma da Prefeitura, o serviço deve ser concluído em março de 2023. A partir daí, o semáforo de três tempos que existe hoje no local será substituído por um para pedestres.
“A primeira coisa que devemos nos perguntar é se essa é uma obra necessária. Em cada faixa de rolamento da Salgado Filho passam 800 carros por hora, são três faixas em cada sentido, num total de seis. Assim, naquele cruzamento podem passar 4.800 veículos por hora, sendo 2.400 de cada lado. A STTU apresentou uma contagem que, no pior horário, deu um tráfego de 3.600 veículos! Ou seja, 1.200 carros abaixo da capacidade! Não há uma razão objetiva para essa obra”, contesta o especialista em trânsito e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rubens Ramos.
Ramos também argumenta que o engarrafamento ao longo da Salgado Filho nos horários de maior movimento é causado por outros fatores, como os semáforos e engarrafamentos de outros pontos da avenida, como a Nevaldo Rocha (antiga Bernardo Vieira), que não serão resolvidos com a trincheira. Quem passa pelo local, sabe que é comum ver o sinal abrir, mas a fila de carros não sair do canto por causa de engarrafamentos mais à frente.
“Ao contrário do que muita gente imagina, o pior pico é de manhã, na direção Tirol-Petrópolis e ninguém percebe, o que mostra que não há problema neste cruzamento e a obra é para este cruzamento! O que congestiona é mais pra frente, na Nevaldo Rocha. Esses engarrafamentos na via principal são comuns em toda grande cidade moderna. Você pode questionar: mas podemos fazer uma obra para melhorar? Ok. Mas, é preciso fazer a ponderação entre ganhos e perdas, considerar os malefícios. Esse tipo de obra tende a produzir degradação imobiliária, comercial e dificultar a vida dos pedestres, como aconteceu na Jerônimo Câmara, Romualdo Galvão e na Prudente de Morais, que têm exatamente o mesmo tipo de obra. É preciso pesar se esperar cinco minutos no sinal compensa o prejuízo social e econômico dessa obra. Os comércio deve perder importância e os imóveis vão se desvalorizar. Mesmo se fosse uma obra necessária, seria preciso fazer essa avaliação. Mas, a questão é que ela sequer é necessária! Será que Natal não tem outras prioridades? Para melhorar o trânsito, poderia usar R$ 10 milhões para pavimentar a Felizardo Moura, a própria Alexandrino de Alencar. Essa obra terá efeito zero”, critica Rubens Ramos.


O orçamento para a obra é de R$ 25 milhões do Ministério do Desenvolvimento Regional com contrapartida de R$ 88 mil da Prefeitura de Natal. Sandro é o síndico do edifício que fica bem na esquina da Salgado Filho com a Alexandrino de Alencar, o Tirol Way, onde há 276 salas comerciais, sete lojas no térreo de frente para a Salgado Filho e 110 apartamentos residenciais de 3/4 e outros 94 apartamentos de 2/4. A preocupação é que, além das questões imobiliárias, a obra inviabilize a passagem de pedestres na região, muito movimentada por causa do shopping Midway Mall.

“Muitos trabalhadores passam por essa esquina. Para pegar um só transporte, muitos preferem andar alguns metros e pegar o ônibus no shopping, que é um “hubby” do transporte público, com ônibus para todas as áreas da cidade”, pondera Sandro Pachêco.
De acordo com o professor da UFRN, obras como trincheiras tendem a deixar o ambiente hostil a humanos. Como exemplo, ele cita as áreas onde serviços semelhantes foram executados para a Copa de 2014, mas que tiveram a vida comercial esvaziada, como a região da Avenida Capitão Mor-Gouveia, do Sebrae, o final da Romualdo Galvão, a Jerônimo Câmara e a avenida Lima e Silva.
“Os estudos não apareceram até agora, nos foi mostrado apenas um Power point e uma animação. Não se pode fazer uma obra desse porte com uma ideia na cabeça e o dinheiro na mão. Tem que ouvir a sociedade. Na copa foi a mesma coisa, as obras foram realizadas sem estudo de impacto ambiental e os dados da época já mostravam que o serviço não se justificava. Na Avenida Lima e Silva o engarrafamento é o mesmo desde 2013, não mudou nada, apenas a ambiência se tornou degrada. O Sebrae ficou isolado e cercado de concreto. São obras que deixam um ambiente desagradável, os imóveis perdem valor e há uma desvalorização socioeconômica pouco atrativa para investimentos, empreendimentos ou moradia. Além do efeito estético negativo, também tem a questão do prejuízo. O benefício para a Salgado Filho com essa trincheira seria zero, porque esse não é o problema, e melhoraria um pouco o fluxo da Alexandrino. Colocando no papel, nem de longe os benefícios superam os malefícios”, lamenta o professor da UFRN.

Árvores x Trincheira
Para construção da trincheira, seria necessária a derrubada de todas as árvores localizadas no canteiro central da Alexandrino de Alencar, além daquelas na avenida Salgado Filho que ficam a até 500 metros do cruzamento.
“Será preciso remover todas aquelas árvores que ficam na frente do Tirol Way, aquelas grandes localizadas no canteiro central da Salgado Filho e aquelas que estão do lado da Hermes da Fonseca, para poder alargar a pista. Com isso, todas as árvores num raio de 400 metros do cruzamento teriam que ser derrubadas”, alerta Rubens Ramos.
A Agência Saiba Mais entrou em contato com a STTU para pedir acesso ao projeto de construção da trincheira no cruzamento da Avenida Salgado Filho com a Alexandrino de Alencar, mas nós não obtivemos resposta.
